Introdução
O texto proposto no Evangelho é uma instrução que reúne o tema da fé em Deus (vv. 5-6) com o da atitude que o servo deve ter diante de Deus (vv. 7-10). O aumento da fé é o desejo que os apóstolos apresentam. É a busca por resultados que aumentam ainda mais o interesse pela missão. No lugar de definição, Jesus pontua a eficácia extraordinária da fé. Esta não deve ser reconhecida apenas pelos grandes feitos, mas pelo exercício sincero da missão confiada tanto fora da comunidade, campo arado e pastoreado, como dentro da casa, serviço à mesa. Missão e Eucaristia são inseparáveis, pois são comunhão com Deus, com os irmãos e irmãs. Só pela fé se acredita na presença real de Jesus Cristo na missão e na Eucaristia. Não à toa se propõe o mistério da fé após a consagração e se tem como resposta o anúncio da morte e da ressurreição, com a esperança da Parusia.
- Texto bíblico
5 E os apóstolos disseram ao Senhor: “Acrescenta-nos fé!”.
6 Respondeu-lhes, então, o Senhor: “Se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a esta amoreira: desenraiza-te e planta-te no mar; e ela vos obedecerá.
7 Quem de vós, tendo um servo arando ou pastoreando, tendo regressado do campo lhe dirá: vem rápido e põe-te à mesa!
8 Acaso não lhe dirá: Prepara-me algo para eu comer, cinge-te e serve-me até que eu coma e beba; depois disto tu comerás e beberás.
9 Haverá de agradecer ao servo que fez o que lhe ordenou?
10 Assim também vós, quando tiverdes feito tudo o que vos ordenei, dizei: somos servos inúteis, fizemos o que devíamos ter feito”.
- Que diz o texto?
Diante da parábola contada para os fariseus, os apóstolos sentiram a necessidade de pedir a Jesus que lhes aumentasse a fé. Este pedido pode ser interpretado como uma oração. A razão, pelo contexto, tem a ver com a mentalidade da época, seguida e ensinada pelos fariseus. Quem tinha bens e gozava de boa saúde era abençoado por Deus (rico esbanjador), ao passo que quem sofria males (Lázaro) estava pagando por seus próprios pecados (Dt 24,16; Ez 18,4.20), ou expiando pecados de gerações passadas (Ex 20,5; 34,7; Dt 5,9; Jo 9,2). É possível que o pedido do acréscimo de fé, desejado pelos apóstolos, estivesse motivado para superar essa mentalidade e passar a confiar na radical mudança de mentalidade proposta e vivida por Jesus.
A resposta de Jesus não é apenas significativa, mas muito provocadora. O grão de mostarda era um dos menores até então conhecidos; de fato, parece insignificante, mas quando semeado produz um arbusto muito frondoso (Lc 13,18-19; Mc 4,30-32). Então, não se trata de “quantidade de fé”, mas de crer que, de fato, nela está todo o potencial para se realizar o objetivo para o qual foi concedida ao ser humano.
A mudança de ambiente da amoreira, que possuía raízes profundas, resistentes e extensas, da terra para o mar, revela que, pela fé, é possível acontecerem mudanças de mentalidade que estavam enraizadas na mente e no coração dos discípulos e do povo que os seguia, vendo os milagres que Jesus realizava. E mais: pela fé é possível dar crédito ao ensinamento de Jesus, que desafiava a convenção do que se acreditava como verdade. A fé não é um dom inato, mas concedido por Deus; não serve para se obter de Deus o que se quer, mas para conhecer Deus, reconhecer a sua presença e ação no mundo e, por ela, se aprender a fazer a sua vontade. Este parece ser o significado do que se segue na fala de Jesus.
O campo, onde se planta ou se pastoreia, é símbolo do mundo no qual os apóstolos (os enviados) atuam. Nota-se, nas duas ações citadas, arar e pastorear, que ambas são indispensáveis para uma boa colheita e para a boa reprodução do rebanho. O servo que as faz diligentemente não está fazendo algo para si mesmo, mas para o seu senhor. É a sua missão! Por isso, ao regressar do campo, o servo não tem direitos, mas tem novos deveres: servir o seu senhor com o que foi semeado e do que foi pastoreado. Esse modo de falar atesta que os apóstolos não foram enviados em função de si mesmos, mas em função do anúncio da Boa Nova do Reino de Deus.
O servo, nesse sentido, não deve esperar recompensa pelo que deve realizar. O prêmio, se assim podemos dizer, é apresentar ao seu senhor o fruto do seu trabalho, colocando à mesa o que vem do campo e se dispondo a servi-lo. Desse modo, fica claro que o servo participa dos bens do seu senhor, por isso come e bebe depois. Não há de se agradecer ao servo por fazer o que lhe foi ordenado. É importante perceber que Jesus, o Senhor, apresenta aos apóstolos o sentido da fé que estão colocando nele: é ação radical e não um ato de conveniência.
A imagem do senhor, que não tem nenhum dever para com o servo, e do servo que não tem algum direito para com o seu senhor, atestam que: “O discípulo não pode estar acima do seu mestre; todo aquele, porém, que for bem instruído, será como o seu mestre.” (Lc 6,40); “O discípulo não está acima do seu mestre, nem o servo acima do seu senhor. Basta ao discípulo ser como o seu mestre, e o servo ser como o seu senhor.” (Mt 10,24-25); “Em verdade, em verdade vos digo: nenhum escravo é maior do que seu senhor, como também nenhum enviado é maior do que aquele que o enviou.” (Jo 13,16).
O desfecho é claro e atesta o exemplo que Jesus ofereceu aos apóstolos. Estes são servos e não senhores. Foram constituídos por Jesus para “arar” e “pastorear” o campo, isto é, o mundo que pertence a Deus e que deve ser redimido por Jesus, pois foi enviado não para condenar, mas para salvar o mundo (Jo 3,16-17). A fé e os resultados que dela derivam não conferem aos fiéis créditos diante de Deus. Não são ações meritórias, mas efeitos que provêm da eficácia do dom concedido a quem reconhece que fez somente o que deveria ter feito: colaborar como instrumento na obra da salvação e não pensar que a salvação se deve à sua pessoa e ações.
Do ponto de vista redacional, este trecho é reflexão pós-pascal devido ao título kyrios (Senhor) dado a Jesus. Por certo reflete as dificuldades, obstáculos e crises da Igreja apostólica para cumprir o encargo que recebeu: levar o ser humano à fé em Jesus, aceitando-o como Cristo (Messias), Filho de Deus e Senhor. A resposta de Jesus, do ponto de vista redacional, está baseada no paralelismo antitético e hiperbólico: de um lado o minúsculo grão de mostarda, do outro o arbusto que dificilmente se consegue arrancar por suas raízes fortes e profundas. Ainda que pequena, a fé, sincera e autêntica, é capaz de obter grandes resultados na missão.
Conforme a ética social da época, o servo não se serve antes do seu patrão, mas, primeiro serve o patrão e depois se serve. O paradoxo da linguagem usada por Jesus, “servo inútil, fez o que deveria ter feito”, objetiva mostrar aos líderes das comunidades de fé que a dedicação ao apostolado não deve ser feita visando algum tipo de reconhecimento em vantagem própria.
Sob a ótica da viagem rumo a Jerusalém, o pedido dos apóstolos por fé acrescida revela a dinâmica da missão com toda a sua complexidade, tanto entre os judeus como entre os gentios: vencer a índole humana por interesses pessoais, vantagens e recompensas. Não raro os líderes eclesiásticos, homens e mulheres, se sentem “senhores” do povo. Que triste! A vida eterna na glória de Deus é dom, mas é também serviço. Não é prêmio por méritos, mas resulta da eficácia da fé em quem, livremente, decide cooperar com ela, a fim de que, no campo da própria vida, ela produza os seus excelentes frutos.
- Que propostas o texto faz?
A fé em Deus é um dom e não uma criação humana. Jesus não respondeu ao pedido dos apóstolos com uma demonstração de seu poder, mas com um exemplo da natureza, pelo que ocorre com um grão de mostarda: o pequeno se torna grande pela eficácia que nele se encontra. De igual modo, a fé, considerada simples e minúscula, é capaz de operar grandes feitos, porque contém a força de Deus. Tem sido assim na nossa vida?
O episódio nos recorda que devemos ter atitudes humildes no serviço a Deus e ao próximo; como simples fiéis precisamos verificar a autenticidade das nossas posturas em relação aos Sacramentos da Iniciação Cristã que recebemos e aos compromissos que a eles estão ligados, pois a primazia de Deus em nossas vidas e a gratuidade de suas ações nos ensinam o caminho para arrancarmos de nós o que não nos aperfeiçoa na fé, na esperança e na caridade. Temos nos deixado aperfeiçoar pelas virtudes teologais?
Votados para Deus e para o seu Reino de amor, paz e justiça, todo o nosso tempo, recursos e forças devem ser empenhados no serviço desinteressado, a fim de que a transformação do mundo se realize, vencendo o egoísmo, o egocentrismo e o individualismo que afastam o ser humano de Deus, do próximo e até de si mesmo. Como temos empregado os recursos que estão à nossa disposição para a concretização do Reino de Deus?
Nossa relação com Deus não está baseada na lei, mas na graça. Na lei, busca-se recompensa ou prêmios, mas na graça, busca-se a concretização do amor que é doação e serviço a Deus e ao próximo. Por mais que o fiel possa se empenhar ou fazer na missão, tudo o que recebe não está em proporção com o que pensa ter alcançado. Deus sempre será muito mais generoso em bondade, misericórdia, compaixão e graça em nossas vidas, pois não se deixa vencer em generosidade. Cremos nisso ou ainda ficamos mendigando as migalhas do seu amor?
- O que o texto nos faz dizer a Deus em oração?
Senhor Jesus, permita que vejamos a eficácia da fé em nossas vidas por um conhecimento cada vez mais profundo das Sagradas Escrituras e por um comportamento condizente com a vontade de Deus, seguindo o teu exemplo por palavras e ações. Que, sob a orientação do Espírito Santo, nada busquemos fazer por interesse, mas por puro amor, concretizando, dentro e fora da Igreja, os desígnios de Deus, que “quer que todo ser humano seja salvo e chegue ao pleno conhecimento da verdade”, que liberta de nossas falsas intenções e das ideologias mundanas, que nos afastam do bem, da justiça e da verdade. Que o nosso testemunho seja simples, mas autêntico e eficaz. Tu que vives e reinas com o Pai na unidade do Espírito Santo por todos os séculos dos séculos. Amém.
- O que o texto nos leva a decidir?
Quem pede algo a Deus em oração, porque julga necessário para a missão, espera uma resposta positiva. Quem age assim sabe que não possui tudo o que precisa. O desejo de ter o que elimina ou diminui as carências é uma tendência dentro e fora das comunidades de fé. Contudo, a resposta de Jesus nos interpela a perceber que o dom da fé será cada vez mais eficaz em nós, na medida em que nos dispusermos a servir com solicitude, pois ele é o caminho para perceber, perscrutar e entender os enigmas da história segundo o mistério e os critérios de Deus. É preciso tomar a decisão pela certeza de que a menor expressão de fé é capaz de realizar o impossível.
A essa fé se liga, indiscutivelmente, o dom do serviço. Ambos definem a nossa relação com Deus e o seu Reino de amor, não baseada em interesses e recompensas, algo típico da mentalidade farisaica, mas na dedicação aos deveres com gratuidade, pois foi por pura gratuidade que Deus se dignou a nos salvar em Jesus Cristo. Diante de um mundo que continuamente apela para relações comerciais e de vantagens, a fé nos permite decidir pelo serviço, como prova de amor, que não pretende prêmios, mas quer unicamente a realização da vontade de Deus.
- Relação entre Lc 17,5-10 e Hab 1,2-3; Sl 94 (95); 2Tm 1,6-8.13-14
Por um lado, o profeta Habacuc reagiu à iniquidade e à violência que reinavam na sua época. Por outro lado, não admitia que Deus fosse impassível a tudo o que estava acontecendo e que nada fizesse para impedir a injustiça e a sua proliferação. Onde Deus está? A resposta de Deus garante que os injustos experimentarão a sua ruína e que o justo viverá por sua fidelidade. Ao olharmos para Jesus e seu ministério público, podemos reconhecer a concretização da resposta de Deus ao profeta Habacuc. De igual modo, podemos ver no pedido dos apóstolos, “acrescenta-nos fé”, e na resposta de Jesus — basta a fé do tamanho de uma semente de mostarda — o modo eficaz de produzir a transformação do mundo pela conversão a Deus e à sua vontade mediante o serviço.
Essa postura se encontra em forma de convocação no Sl 94 (95). O orante, em nome da comunidade de fé, conclama os seus irmãos e irmãs ao louvor, à celebração, à adoração e à atitude de conversão, oferecendo um motivo mais do que suficiente: “ele é nosso Deus e nós somos o povo do seu rebanho, conduzido por suas mãos”. Apesar disso, o orante sabe que muitos, dentre o seu povo, foram e ainda são murmurantes e vacilantes na fé, mesmo vendo as maravilhas realizadas por Deus. À luz da oração dos apóstolos e da resposta de Jesus, o Salmo nos convida à humildade e à obediência da fé, de forma incondicional, vencendo o orgulho e a vaidade.
A palavra de Paulo a Timóteo revela a consciência que o discípulo deve ter: diante das dificuldades da missão, não se deve vacilar na fé e o serviço deve ser generoso e desinteressado. O dom da fé, porém, deve ser continuamente reavivado na oração e de forma sacramental. Sofrer pelo Evangelho não é desonra, mas fiel testemunho, e este deve ser acompanhado de fraternidade. Para que o carisma recebido não se perca, o discípulo é quem tem a responsabilidade de perscrutar as Escrituras e guardar, na docilidade ao Espírito Santo, o depósito da fé. Paulo é exemplo de uma fé viva e eficaz, tanto para Timóteo, como sinal de que a resposta de Jesus aos apóstolos é uma motivação para, nesta vida, combater o bom combate por amor ao Reino de Deus.
Considerações finais
Aproximar-se de Deus com fé é o que realmente interessa, sem preocupar-se com ganhos, prêmios ou com um tratamento diferenciado que dele possa ser obtido. Se o seu amor por nós é gratuito, nossa resposta precisa ser igualmente de amor desinteressado. É assim que nos tornamos servos fiéis, e nossa inutilidade para o mundo demonstra-se uma autêntica correspondência aos propósitos de Deus em nossa vida e missão.
No amor de Deus nada perde valor, mas tudo se plenifica em função do seu Reino, que transforma o mundo e o torna não só habitável, mas favorável ao desenvolvimento de todas as potencialidades que espera do ser humano, criado à sua imagem e semelhança. No ser humano redimido, a criação também é redimida (Rm 8,18-23). Se sairmos do ciclo vicioso da meritocracia, aderindo ao da graça de Deus, talvez a humanidade se abra para a fé que não busca recompensas ou prêmios, prestígio ou reconhecimentos, mas viva a gratuidade do amor feito dom.
Pe. Leonardo Agostini Fernandes
Capelão da Igreja do Divino Espírito Santo do Estácio de Sá-RJ
Docente de Sagrada Escritura do Departamento de Teologia da PUC-Rio