Deus habita esta cidade

(Mensagem de abertura do 13º Formise pelo arcebispo do Rio de Janeiro, Cardeal Orani João Tempesta, no auditório do Seminário Arquidiocesano de São José, em 8 de julho de 2024)

 

“O tema escolhido para nossa semana de formação é significativo: “Deus habita esta cidade” (Sl 47,9). A expressão aparece na tradução do texto para a Liturgia das Horas e faz parte de um salmo de júbilo e louvor a Deus pela vitória sobre os inimigos de Jerusalém; o salmista está consciente que a vitória, de fato, é devida à ação de Deus, que protege e socorre o povo em suas angústias. Deus enche com sua presença a cidade e a santifica.

A referência à cidade aparece com frequência na Bíblia; além do seu significado comum, como aglomerado de casas e lugar de convivência, a cidade também é imagem da “casa de Deus” e da reunião do povo ao redor de Deus, como a família em torno do pai; Jerusalém é vista como a habitação de Deus com seu povo, a sede da justiça, da fraternidade e da paz. No Novo Testamento, a cidade terrena é imagem da “cidade celeste”, para a qual todos estão peregrinando (cf. Hb. 13,14).

O tema escolhido pode ter vários significados. Ele fala da certeza de que Deus está presente nesta cidade, apesar dos seus problemas e do aspecto assustador da grande e complexa metrópole. A cidade grande não pode ser entendida como um “espaço ateu”, onde Deus estaria ausente ou não precisaria ser levado em conta. Ele está sempre com seu povo, onde quer que este viva, e chama a todos a viverem no seu reino de graça e salvação, de vida, justiça e paz. Sua providência jamais abandona a Humanidade.

De maneira realista, porém, constatamos que há muitas situações na cidade que falam mais da ausência que da presença de Deus: daí encontramos a relevância do tema proposto para esta semana formativa, tema que vem sido citado diversas vezes ao longo do magistério do Papa Francisco: “A Missão nas periferias geográficas e existenciais” onde vemos a miséria imperando por causa do egoísmo e das injustiças contra os irmãos, onde acontece o aviltamento da dignidade humana, a violência, a falta de solidariedade, o degrado moral na convivência social, o reino de Deus não está sendo acolhido. As consequências dessa “ausência de Deus” não são boas e esta cidade ainda esmaga muitos dos seus filhos e filhas e exclui tantos do banquete da vida. Tudo o que fere a dignidade dos seres humanos, fere também a santidade de Deus.

Se “Deus habita esta cidade”, todos aqueles que têm fé também têm uma missão: fazer todo o possível para que nossas cidades, e nessa semana em especial a nossa cidade do Rio de Janeiro, se torne uma habitação sempre mais digna de Deus e dos seus filhos, superando aquilo que não condiz com essa presença santa. Na “casa de Deus”, todos são filhos do mesmo Pai e irmãos respeitosos e interessados uns pelos outros; os mais fortes e sadios tomam conta dos mais fracos e daqueles que estão expostos a perigos. Com nossa presença e atuação de “discípulos-missionários de Jesus Cristo”, somos chamados a colaborar com nossa parte para tornar esta cidade verdadeira “cidade de irmãos”, justa e solidária.

Onde Deus pode ser encontrado em nossas cidades? Certamente a presença de Deus não se limita a alguns lugares, mas preenche a cidade inteira. Nada está ausente da Sua presença e, de muitas maneiras, Deus pode ser encontrado. No entanto, há sinais mais fortes, através dos quais as pessoas tomam consciência dessa presença sagrada e são conduzidas ao encontro com Deus. Esses sinais devem ser todas as nossas comunidades de fé, os templos por toda cidade, as instituições e organizações de serviço social e de promoção humana. Nesses dias em concreto, cada seminarista missionário de Jesus Cristo é chamado a ser um sinal luminoso, que conduz ao reconhecimento da presença de Deus.

A presença de Deus é particularmente clara onde se pratica a caridade para com os pobres, doentes e todos os necessitados; onde se anuncia a Palavra de Deus e se celebra a Eucaristia. O Documento de Aparecida fala dos muitos “rostos sofridos”, nos quais Deus vem ao nosso encontro e nos interpela (cf . n. 407-430); chega a dizer que os doentes são verdadeiras “catedrais” para o encontro com Deus (n. 417).

O tema desta semana missionária nos convida a uma ação missionária nova e a uma pastoral urbana lúcida e corajosa para que a “cidade dos homens” seja edificada sempre mais como “cidade de Deus”.

Nossa semana missionária toma um sentido especial neste ano em que estamos nos preparando para o Jubileu do ano de 2025. Unidos como Igreja Católica, em comunhão com o Santo Padre, caminhando unidos e cheios de esperança, vamos “pescar com Ele”, buscando cumprir nossa missão nestes tempos. Somos testemunhas da esperança para os homens e mulheres do nosso tempo, porque vivemos e experimentamos a esperança que vem da vida nova, trazida pelo Ressuscitado. Por isso, somos exortados a “manter acesa a chama da esperança que nos foi dada e fazer todo o possível para que cada um recupere a força e a certeza de olhar para o futuro com espírito aberto, coração confiante e mente clarividente”.

Que estes dias sejam para nós um tempo de graça, no qual, fortalecidos pela experiência sinodal, possamos renovar nosso compromisso com o Evangelho e com a missão que nos é confiada. O Cristo Redentor, que daqui do Corcovado preside o Brasil com seus braços abertos, nos indique sempre mais os rumos de nossos caminhos que passam pelo acolhimento e a proximidade. O mundo precisa de homens e mulheres renovados, que enfrentam a luta de cada dia e assim testemunham a Ressurreição, fazendo-nos enxergar novos horizontes a partir do olhar de Jesus, que segue vencendo em nossas vidas.

A Virgem Maria, Estrela da Nova Evangelização, interceda por nós, guiando-nos sempre mais para Cristo, nossa esperança e nossa paz. Que possamos avançar com fé e coragem, renovando nosso compromisso de ser, verdadeiramente, uma Igreja em saída, ao encontro de todos.”

 

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