Cadernos do Concílio – Volume 28
Hoje nos debruçaremos no volume 28 da coleção Cadernos do Concílio Ecumênico Vaticano II que traz como tema Autonomia e Serviço. Esse tema foi bem discutido ao longo do Concílio Ecumênico Vaticano II e é continuação do tema que foi discutido no volume 27, que tratava da sociedade humana. É continuação porque tratamos do desenvolvimento humano e do cuidado que se deve ter para que esse desenvolvimento não seja individual, ou seja, sem consultar Deus e o próximo.
A sociedade humana, com o tempo, foi passando por diversas transformações nos mais diversos níveis e principalmente no tecnológico. A tecnologia e a informática têm avançado tanto a ponto de ter criado aquilo que tem se falado muito, a inteligência artificial. Aqui cabe a atenção para que a inteligência artificial não ocupe o lugar do ser humano. E que a autonomia do homem em querer criar não ocupe o lugar de Deus.
Deus deu o livre arbítrio ao homem, e tornou-o autônomo para fazer as coisas aqui na terra, mas o ser humano não consegue criar ‘seres pensantes’, mesmo os tecnológicos. Aquilo que o ser humano criar aqui, mesmo as coisas tecnológicas, deve estar a serviço do próximo, deve ser de bom proveito para todos.
Outra questão é que devemos aproveitar de bom grado aquilo que temos a nossa disposição aqui na terra, ou seja, aquilo que Deus criou e deixou para o nosso uso. Pensar também no bem comum, usar de maneira correta para que o próximo possa usufruir. É aquilo que o Papa Francisco nos exorta nos dois documentos que publicou, as Encíclicas Laudato Si (2015) e Fratelli Tutti (2020). Temos que cuidar do ambiente em que vivemos, não poluindo a cidade, pensando no bem do planeta e no bem de todos. Temos que pensar naquilo que deixaremos para as futuras gerações. O planeta está pedindo socorro, podemos observar pelo aquecimento global.
O ser humano é autônomo e está sempre a serviço da sociedade, mas tem de fazer tudo visando o bem do outro. Isso vale para o uso da internet: podemos tanto usá-la para o bem como para o mal. Algumas vezes atacamos a imagem do outro por meio da internet e a pessoa não tem como se defender. É necessário respeitar o outro em sua dignidade.
Aquilo que o Papa Francisco diz nesses dois documentos, sobretudo na Encíclica Fratelli Tutti (2020), é que temos de nos preocupar com o próximo, mas não apenas aquele próximo da nossa família, amigo, ou alguém com quem temos algum tipo de relação; o nosso próximo deve ser principalmente aquela pessoa que está morando na rua, aquele que bate a nossa porta, o que está desempregado e precisa dar sustento para sua família. Por isso, temos de estar a serviço do outro fazendo o bem. Usemos da autonomia que Deus nos deu para fazer o bem e não o mal.
Um documento conciliar que trata da autonomia e do serviço do ser humano na sociedade é a Constituição Pastoral Gaudium et Spes, sobretudo no capítulo segundo, a partir do número 24, em que falará da comunidade humana. Desde o tempo do Concílio Ecumênico Vaticano II já havia a preocupação com a humanidade, e a relação que cada um deve ter com o outro. Cabe também aos líderes dos povos promoverem o bem comum, ou seja, propiciar que aquele país ou aquela cidade seja de boa convivência para todos. Promovendo bons hospitais, saneamento básico, empregos, enfim, o poder público deve promover o bem comum para todos.
O que a Constituição Pastoral Gaudium et Spes nos diz é que devemos superar o que chamamos de ‘ética individualista’, pois o ser humano foi criado para se relacionar com os outros e não para viver individualmente. Ninguém pode ser indiferente ao problema do outro.
Quando somos batizados, somos chamados a ser sal na terra e luz no mundo, e ainda a ser sacerdotes, profetas e reis. O cristão católico não pode ficar parado, ou seja, tem que ir atrás dos seus direitos e dos direitos do próximo, lutando por uma sociedade mais justa. E que o bem que seria justo para mim, seja de igual modo para todos.
Cada batizado se torna discípulo e missionário do Senhor. Conforme vai amadurecendo na fé, pode assumir diversos serviços pastorais na Igreja e, dessa forma, cooperar com o amadurecimento da fé para outras pessoas. Ao assumir algum serviço pastoral na Igreja o cristão batizado se coloca a serviço e ensina, em nome da Igreja, a cada pessoa ter autonomia na fé.
A própria Igreja está aberta ao diálogo com o mundo, prova disso é o Concílio Ecumênico Vaticano II, quando a Igreja não conversa somente com os católicos, mas se abre a todos. Mesmo nas perseguições, a Igreja permanece de pé, graças à ação do Divino Espírito Santo. A Igreja dialoga com os diferentes credos e com quem não tem religião, dessa forma construindo uma sociedade que seja boa convivência para todos.
Convido a tomarem esse volume 28 da coleção Cadernos do Concílio – uma tradução das Edições CNBB – em mãos e aprofundar-se um pouco mais nesse tema. E ainda, ler a Constituição Pastoral Gaudium et Spes, no capítulo segundo sobre a sociedade humana. E também os documentos citados, as duas Encíclicas publicadas pelo Papa Francisco.
Orani João, Cardeal Tempesta, O.Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ