(Conferência do Cardeal Orani João Tempesta no 28º Encontro de Marketing Católico, realizado de 24 a 27 de setembro de 2024, em Guarapari, no Estado do Espírito Santo)
O evento que estamos realizando é uma rica oportunidade de encontro com pessoas interessadas na missão evangelizadora da Igreja e na partilha de experiências ocorridas em nossas diversas comunidades eclesiais.
Cada ano, temos um tema a nortear nosso encontro e a nos colocar em atitude de escuta ao Espírito Santo que nos ilumina e conduz. O tema escolhido neste ano é o versículo de João 15, 5: “Eu sou a videira e vós os ramos”. O objetivo proposto com este tema é favorecer a reflexão, neste ano da oração em que nos preparamos para o Grande Jubileu de 2025 como Peregrinos da Esperança, em tempos desafiadores que ora vivemos quando violência, guerras, divisões assolam as sociedades como um todo.
O versículo de João 15, 5 – “Eu sou a videira, vós os ramos. Quem permanece em mim, e eu nele, esse dá muito fruto, porque sem mim nada podeis fazer.” – está situado no discurso de despedida de Jesus durante a última ceia, momentos antes de sua Paixão e morte. Esse versículo, e o contexto no qual está inserido, oferece uma profunda lição espiritual sobre a nossa relação com Cristo e o papel que desempenhamos como seus discípulos. Neste momento, vamos explorar diferentes aspectos desse versículo, desvendando suas camadas de significado e refletindo sobre o convite à comunhão e a produzir os frutos que ele contém.
- A imagem da videira: um símbolo profundo
A imagem da videira é rica em simbolismo bíblico e cultural. No contexto agrícola da Palestina, as videiras eram uma parte essencial da vida cotidiana. Eram cultivadas com cuidado e paciência, e a colheita do fruto – as uvas – era um símbolo de bênção e prosperidade. Na Bíblia, a videira frequentemente representa o povo de Israel. Em várias passagens do Antigo Testamento, como em Isaías 5, o povo de Israel é descrito como uma videira plantada e cuidada por Deus, mas que, em certos momentos, não produzia o fruto esperado, resultando em sua condenação.
Ao afirmar “Eu sou a videira verdadeira” (João 15, 1), Jesus faz uma distinção entre a videira do Antigo Testamento e Ele próprio, que agora se apresenta como a verdadeira fonte de vida e sustento espiritual. Ele é a videira que cumpre as promessas de Deus de reunir seu povo e proporcionar-lhe uma vida plena e frutífera. A videira verdadeira não falha, não se corrompe. Jesus é a videira que permanece sempre viva e saudável, nutrindo todos os que estão unidos a Ele.
- Nós somos os ramos
Quando Jesus diz “vós sois os ramos”, Ele está nos inserindo nessa dinâmica de comunhão vital. Os ramos são uma extensão natural da videira; eles não podem sobreviver sozinhos. Sem estarem ligados à videira, os ramos murcham e morrem. O mesmo acontece com os discípulos de Cristo. Este é um ensinamento claro sobre nossa dependência total de Jesus. Sem Ele, nossa vida espiritual não tem fundamento, pois a seiva espiritual que nos alimenta e nos faz frutificar vem exclusivamente dele.
Isso nos desafia a refletir sobre como está nossa conexão com Cristo. O ramo só pode dar frutos se permanecer na videira, recebendo dela a seiva vital. Da mesma forma, nossa vida só pode ser verdadeiramente frutífera se estivermos em comunhão constante com Cristo. A analogia dos ramos revela nossa incapacidade de gerar frutos espirituais por conta própria. Nossa busca de santidade, nossa ação evangelizadora e nossas boas obras só serão eficazes se estiverem enraizadas em Cristo.
Sem estarmos ligados a Cristo, nossa vida não tem sentido. Assim como os ramos precisam estar ligados ao tronco, no caso à videira, para que tenham a seiva da vida, somente unidos a Jesus é que teremos confiança suficiente para enfrentar as podas e purificações da vida, teremos a seiva da graça que nos faz passar pelo mundo fazendo o bem. Os ramos são diferentes uns dos outros, tanto em quantidade quanto na qualidade do fruto que produzem. O que realiza a unidade entre os ramos é estarem ligados ao tronco, ao centro da videira, que é Jesus.
- Permanecer em Cristo: o chamado à comunhão
A palavra ‘permanecer’ é central neste versículo e aparece repetidas vezes ao longo do capítulo 15 de João. Permanecer em Cristo é um chamado à comunhão profunda, contínua e ininterrupta com Ele. Não é apenas uma adesão momentânea ou superficial, mas uma permanência duradoura. Jesus nos convida a estar conectados com Ele de forma constante, assim como o ramo está sempre conectado à videira.
Permanecer em Cristo implica mais do que crer nele ou fazer boas obras em seu nome; significa viver em união com sua vontade, sua palavra e seu amor. Para permanecermos em Cristo, precisamos cultivar uma vida de oração, meditação e obediência aos seus mandamentos. É necessário estar em sintonia com Ele, buscando sua vontade em todas as situações, não apenas nos momentos de conforto, mas também nas adversidades.
Este chamado à comunhão íntima com Jesus é uma condição para produzir frutos espirituais. Sem essa união com Cristo, nossas ações, por mais bem-intencionadas que sejam, carecem da seiva espiritual que dá vida. Isso nos leva a considerar como estamos alimentando essa comunhão.
Estamos dedicando tempo diário à oração e à meditação nas Escrituras? Estamos buscando seguir os ensinamentos de Cristo em nosso cotidiano? Permanecer nele é uma prática contínua e intencional, que exige esforço e compromisso.
O Papa Francisco, no ano de 2020, numa de suas homilias matinais na Casa Santa Marta, comentando sobre este versículo, assim dizia:
“Permanecer: como os ramos permanecem na videira este permanecer não é passivo, um adormecer no Senhor. Este permanecer ativo é também recíproco. Por que? Porque Ele diz: ‘Permanecei em mim e Eu em vós’ (v. 4). Ele também permanece em nós, não somente nós nele. Trata-se de um permanecer recíproco. E noutro trecho diz: ‘Eu e o Pai viremos a ele e habitaremos nele’ (Jo 14, 23). É um mistério, mas um mistério de vida, um mistério. E também com o exemplo dos ramos: é verdade, sem a videira os ramos nada podem fazer, pois não recebem a seiva, e precisam da seiva para crescer e dar fruto. Mas também a árvore, a videira, precisa dos ramos, porque os frutos não estão ligados à árvore, à videira. É uma necessidade recíproca, é um permanecer mútuo para dar fruto.”
- Frutificar em Cristo: o sinal da vida espiritual
O fruto é o sinal visível de uma vida espiritual saudável. No mundo natural, um ramo saudável e bem nutrido dará frutos. Da mesma forma, o cristão que está verdadeiramente unido a Cristo também produzirá frutos espirituais. Mas que frutos são esses?
São Paulo, na sua carta aos Gálatas, fala dos frutos do Espírito: “amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio” (Gl 5, 22-23). Esses frutos são as virtudes que surgem naturalmente na vida daquele que está em comunhão com Cristo. São os sinais visíveis de que a graça de Deus está operando dentro de nós. Uma pessoa que permanece em Cristo se torna mais amorosa, paciente, bondosa e fiel. Esses frutos são consequência natural de uma vida em Cristo.
Além disso, frutificar também significa ter um impacto positivo no mundo ao nosso redor. O fruto de uma vida espiritual saudável não se limita à nossa transformação pessoal, mas também abrange o serviço aos outros. Um cristão que permanece em Cristo será um agente de transformação, levando o amor de Deus a outras pessoas, ajudando os necessitados, defendendo a justiça e promovendo a paz.
- ‘Sem mim nada podeis fazer’: a dependência total de Cristo
Essa frase de Jesus é um lembrete forte de nossa total dependência dele: “Sem mim nada podeis fazer”. Essa é uma verdade que desafia nosso orgulho e nossa tendência a confiar em nossas próprias forças. Muitas vezes, tentamos realizar nossos projetos, buscar nosso sucesso ou até mesmo crescer espiritualmente confiando em nossa própria capacidade. Porém, Jesus nos adverte que, sem a conexão vital com Ele, tudo isso será em vão.
Essa dependência total de Cristo não é uma limitação, mas uma fonte de libertação. Ao reconhecermos nossa fraqueza e nossa necessidade de Cristo, abrimos espaço para que sua graça atue em nós de maneira poderosa. Quanto mais dependemos dele, mais liberdade temos para dar frutos que realmente permanecem. Não se trata de sermos passivos ou inertes, mas de reconhecer que nossa força vem de Deus e que é Ele quem faz a obra por nosso intermédio.
- A poda: um processo de purificação
Jesus também menciona, no início do discurso em que esta passagem está inserida, que o Pai é o agricultor que cuida da videira e que realiza a poda nos ramos que dão fruto, para que possam dar ainda mais fruto. A poda é um processo de cortar aquilo que é desnecessário, de remover o que impede o crescimento saudável. Espiritualmente, isso significa que Deus, em seu amor, às vezes permite que passemos por situações difíceis, provações e correções, para que possamos crescer mais profundamente nele.
O Pai cuida da videira podando-a. Só através da poda, que é sinal do cuidado para com as plantas, que os frutos em abundância hão de aparecer. Podar é tirar. Tirar para que, no lugar do que foi tirado, possa aparecer muito mais do que apareceria se tudo permanecesse sempre da mesma forma. A imagem da poda evoca nosso recomeçar, nosso sair da zona de conforto, deixar de lado nossas inseguranças humanas e produzir mais frutos de paz, de justiça e de fraternidade, estando unidos a Jesus, renunciado para ter mais, perdendo para ganhar.
Essas ‘podas’ podem vir de diversas formas: desafios na vida pessoal, provações na fé, momentos de desânimo ou mesmo a correção fraterna que recebemos de outros. Esses momentos, embora dolorosos, são oportunidades para crescermos espiritualmente, permitindo que Deus nos purifique e nos prepare para uma frutificação ainda maior.
Desde os inícios, a vida dos cristãos é marcada por provações exteriores e interiores. Desde as origens, há dificuldades mesmo entre os irmãos de fé. Estamos seguros, mas não de segurança humana. Jesus faz referência às podas da vida, às podas que o Pai consente, para que possamos dar frutos de vida eterna, frutos de vida totalmente enxertada em Cristo e, com Cristo, em Deus.
Batizados em Cristo, nele permaneçamos enxertados. Suportemos com absoluta confiança nele as podas e purificações da vida. Se o fizermos, produziremos verdadeiro fruto, fruto da vida eterna.
Citando o Papa Francisco: “Que o Senhor nos ajude a compreender, a sentir esta mística do permanecer, sobre a qual Jesus insiste tanto, tanto, tanto! Muitas vezes nós, quando falamos da videira e dos ramos, detemo-nos na figura, na profissão do agricultor, do Pai: que aquele [o ramo] que dá fruto é cortado, isto é, podado, e aquele que não o dá é cortado e lançado fora (cf. Jo 15, 1-2). É verdade, faz isto, mas não é tudo, não. Há algo mais. Esta é a ajuda: as provações, as dificuldades da vida, até as correções que o Senhor nos faz. Mas não paremos aqui. Entre a videira e os ramos existe este permanecer íntimo. Os ramos, nós, precisamos da seiva, a videira tem necessidade dos frutos, do testemunho.”
- A comunhão dos santos: dar frutos em comunidade
Outro aspecto importante desse versículo é que ele nos lembra que, assim como os ramos estão conectados entre si por meio da videira, nós, como cristãos, estamos conectados uns aos outros em Cristo. A vida cristã não é vivida de forma isolada. Fazemos parte de um corpo, que é a Igreja, e nossa frutificação espiritual também depende dessa comunhão.
Fomos enxertados na videira verdadeira: em Jesus somos a Igreja, o novo Israel, a vinha eleita do Senhor. No batismo, fomos enxertados em Cristo e agora vivemos de sua seiva bendita, que é o Espírito Santo. Se estamos unidos a Cristo de verdade, vivemos então sua vida nova, vida que Ele nos adquiriu na Ressurreição. O que o Senhor espera de nós? Ele espera bons frutos, frutos de Cristo, frutificar em boas obras de unidade, misericórdia, compaixão e perdão.
Por meio dos sacramentos, especialmente a Eucaristia, somos nutridos pela graça de Cristo e nos tornamos um só com Ele e com nossos irmãos e irmãs na fé. A Igreja é o terreno fértil onde a videira cresce, e cada um de nós, como ramos, é chamado a contribuir para o bem comum, para a edificação do corpo de Cristo.
Ser cristão é ser Igreja e ser Igreja é estar profundamente unido a Cristo e, em Cristo, unidos uns aos outros. Vivemos a mesma vida, nos nutrimos da mesma seiva. Fora de Cristo, que fruto daríamos? Separados do tronco, fora da videira, como permaneceremos vivos da vida divina? É permanecendo em Cristo, cabeça da Igreja, que viveremos de sua seiva, isto é, o Espírito Santo.
Somente estamos inseridos na vida e missão da Igreja se esta missão for motivada e sustentada pela vida de Jesus em nós, se esta vida vier a nós. Isso é estar unido à videira. O ramo que não permanece unido a Jesus, perece. Pode até aparentar ter muito volume, mas não permanece no tempo, não dá fruto. A glória de Jesus está em que nós, seus filhos, produzamos frutos e experimentemos desses frutos, e que muitos possam fazer também a experiência de se tornar filhos de Deus. A era da informação que vivemos está saturada de palavras e estímulos. O cristão fala de Deus de modo eficaz produzindo frutos, fazendo a diferença, nadando contra a corrente e sendo sustentado pelo olhar misericordioso do Pai. Tudo é consequência de estar com o Senhor. O gesto mais importante da missão é estar unido a Jesus e deixar que esta união transborde em obras.
Ainda citando o Papa Francisco: “E qual é – vem-me à mente – a necessidade que a videira tem dos ramos? É dar frutos. Qual é a necessidade – digamos assim, com um pouco de audácia – qual é a necessidade que Jesus tem de nós? O testemunho. Quando o Evangelho diz que somos luz, afirma: ‘Sede luz, para que os homens vejam as vossas boas obras e deem glória ao vosso Pai’ (Mt 5, 16), ou seja, o testemunho é a necessidade que Jesus tem de nós. Dar testemunho do seu nome, pois a fé, o Evangelho, crescem pelo testemunho. Este é um modo misterioso: Jesus glorificado no céu, depois de ter passado pela Paixão, precisa do nosso testemunho para fazer crescer, para anunciar, para que a Igreja cresça. E este é o mistério recíproco do ‘permanecer’. Ele, o Pai e o Espírito permanecem em nós, e nós permanecemos em Jesus.”
- O fruto que permanece
Finalmente, Jesus fala do fruto que permanece. Frutos temporários podem parecer impressionantes à primeira vista, mas o que Cristo deseja é que produzamos frutos que tenham valor eterno. Isso só pode acontecer se estivermos firmemente enraizados nele. O fruto que permanece é aquele que está em sintonia com a vontade de Deus, que é fruto de nossa união profunda com Ele. É um fruto que não se desfaz com o tempo, mas que perdura na eternidade.
A vida de santidade é, em última análise, uma vida de frutificação eterna. Quando permanecemos em Cristo, nosso trabalho e nosso amor são eternos porque estão unidos ao plano redentor de Deus. Tudo o que fazemos em nome de Cristo, e por Ele, tem repercussões que vão além desta vida.
Conclusão
O versículo “Eu sou a videira, vós os ramos” convida-nos a uma reflexão profunda sobre nossa relação com Cristo e sobre a nossa missão como seus discípulos. Permanecer em Cristo é o segredo da vida frutífera, e essa permanência requer oração, obediência e comunhão. Ao aceitarmos nossa dependência dele, permitimos que Ele faça sua obra em nós, purificando-nos e capacitando-nos a dar frutos que glorificam a Deus e servem ao próximo. Que possamos, como ramos conectados à videira verdadeira, continuar a crescer em comunhão com Cristo, dando frutos de amor, paz e justiça num mundo que tanto necessita desses sinais da presença de Deus.