Queimadas: uma irresponsabilidade para com a Casa Comum

O meio ambiente, o clima e a biodiversidade são patrimônios que eticamente devem ser considerados bens comuns de todos os que habitam o planeta onde vivemos. Uma ação local irresponsável, como no caso das queimadas, gera consequências em escalas regionais e globais, afetando a todos os que vivem na Casa Comum planetária. Quando os ecossistemas eram menos alterados, certamente os impactos eram menores, ao contrário do que acontece hoje, quando a realidade ambiental é distinta. As alterações e destruições de nossos biomas são profundamente sentidas a cada ano, modificando as dinâmicas geobiológicas, desconfigurando a paisagem natural e propiciando a entrada de espécies invasoras. Basta ver o que acontece com o capim colonião (Panicum maximum), que ocupa com facilidade as áreas desmatadas do Rio de Janeiro, onde as folhas secas, sobretudo nos períodos de baixa pluviosidade, favorecem a expansão do fogo. Qualquer bituca de cigarro ou outra forma criminosa de fogo é o suficiente para iniciar e propagar uma queimada em áreas de baixadas, beira de estradas ou relevos montanhosos.

Neste ano de 2024, aconteceu algo diferente, pois as queimadas se estenderam em todos os biomas brasileiros, sejam aqueles de caráter florestal, como outros de fisionomia campestre, atingindo proporções em pequenas e grandes escalas, incandescendo o território brasileiro de norte a sul e agravando a crise climática local e global.

Diante desse doloroso cenário de irresponsabilidade das pessoas para com o bem comum, resta-nos recordar dois princípios da ética socioambiental, aplicados na relação do ser humano com a natureza.

O primeiro é o princípio da solidariedade planetária, no qual as queimadas são consideradas um ato de desrespeito pelo patrimônio ecológico natural, pois além de matar centenas de seres vivos, animais e vegetais, diminui a riqueza da biodiversidade, quebra as cadeias interativas com o solo, afeta as relações dos seres vivos entre si, além de contribuir para aumentar o número de espécies em extinção.  Esquecemos que as queimadas danificam os chamados rios voadores da Amazônia, que transportam umidade da floresta para a atmosfera, com repercussão no regime de chuvas em várias regiões do país. As altas temperaturas durante as queimadas modificam a dinâmica dos microrganismos junto ao solo, empobrecendo a composição da matéria orgânica, que tanto ajuda no processo de restauração ecológica de nossos ecossistemas. Quem provoca as queimadas não demonstra solidariedade para com o bem comum da sociedade, pois destrói um patrimônio que é de todos os seres viventes da Casa Comum, além de desrespeitar e violar a beleza da obra do Criador.

O segundo é princípio da visão sistêmica, na qual as coisas estão profundamente unidas entre o ambiental e o social. Quem pratica os maus hábitos das queimadas, além de se colocar contra as leis ambientais, incorre num erro que gera consequências para a saúde do planeta e das pessoas. As fumaças das queimadas, que foram sentidas em todo o território brasileiro, afetam a saúde da população, sobretudo das pessoas com organismos mais vulneráveis, pois esta forma de poluição penetra nos pulmões e na corrente sanguínea, deixando sequelas que serão sentidas dias depois. A falta dessa visão mais integradora da realidade, conforme nos lembra a Encíclica Laudato Si´,  e a repetição de hábitos ecologicamente incorretos, acontecem quando esquecemos que ao queimar o lixo em nosso quintal ou em um terreno baldio, esta pequena atitude é um pecado ecológico, pois aumenta o gás carbônico na atmosfera, intensifica o efeito estufa, prejudica o meio ambiente, afeta a saúde das pessoas e viola a Aliança que Deus estabeleceu com todos os seres viventes (Gn.9,9-17) que habitam a Casa Comum.

As queimadas revelam o quanto é preciso corrigir os erros de nossas pequenas ações irresponsáveis, pensar mais no bem comum e buscar políticas de prevenção, regional e nacional, contra estes desastres ambientais que se intensificarão com as mudanças climáticas.

Não podemos levar para a COP 30, que será sediada no Brasil em 2025, a imagem de uma nação que não está conseguindo ser guardiã desse rico patrimônio ecológico que o Criador colocou em nossas mãos para ser cuidado, amado e administrado com sabedoria e inteligência.

Encerrando o Tempo da Criação, com a Festa de São Francisco de Assis, patrono da Ecologia, que possamos inspirar no seu exemplo de cuidador e guardião de toda essa rica natureza do nosso Brasil.

 

Padre Josafá Carlos de Siqueira SJ, vigário episcopal do Meio Ambiente e Sustentabilidade da Arquidiocese do Rio de Janeiro

 

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