“Só uma coisa te falta” (Mc 10,21)

28º Domingo do Tempo Comum – Ano B

 

Leituras:

1ª Leitura – Sb 7,7-11

Salmo – Sl 89(90),12-13.14-15.16-17 (R. cf. 14)

2ª Leitura – Hb 4,12-13

Evangelho – Mc 10,17-30

 

Pe. Eufrázio Morais

 

           Nessa Eucaristia, a liturgia da Palavra chama a nossa atenção ao seguimento de Jesus. Contudo, o chamado que o Filho de Deus faz aos homens e mulheres tem as suas exigências. Nesse sentido, para acolhê-lo, é importante discernir a voz de Deus que nos provoca, suplicando a ele, diariamente, que nos conceda um coração sábio, a fim de sabermos qual é sua vontade em nossa vida e não acharmos, posteriormente, que fomos enganados pelo Senhor.

 

A primeira leitura é um texto do livro da sabedoria. Esse livro é dividido em três partes: a primeira parte aborda sobre a vida humana, em especial a sorte dos justos e injustos, assim como sobre o juízo escatológico (cf. Sb 1,1 — 6,21), a segunda é uma espécie de elogio à sabedoria (cf. Sb 6,22 — 11,1) e a última parte é uma recordação hínica das maravilhas que Deus operou no Êxodo (cf. Sb 11,2 — 19,22).

 

Em nossa liturgia dominical, estamos tendo contato com uma perícope que pertence à segunda parte. Nela, escutamos uma oração, atribuída a Salomão em virtude da sua figura ser o protótipo do rei sábio para os israelitas (cf. 1Rs 3,9), na qual, o rei ao invocar o Senhor, alcança dele a prudência e a sabedoria (cf. Sb 7,7). Esta, por sua vez, é mais valiosa do que qualquer outra coisa nesse mundo, pois até o ouro e a prata, diante da sabedoria, respectivamente, tornam-se um punhado de areia e lama (cf. Sb 7,8-9).

 

Na oração do rei, a sabedoria é mais amada do que a saúde e a beleza (cf. Sb 7,10a), pois sua luz é capaz de ajudar no discernimento para escolher o que é bom e agradável (cf. Sb 7,10b). É importante levar em consideração que a sabedoria, para o autor sagrado, é personificada. Nas “mãos” da sabedoria que acompanha a vida do rei, encontra-se uma riqueza incapaz de ser calculada (cf. Sb 7,11), permitindo que ele viva tendo o autodomínio, não se deixando levar pela avareza dos bens desse mundo.

 

No salmo, encontramos uma espécie de eco da primeira leitura, pois ele mostra o salmista que faz uma série de súplicas em tom sapiencial. Elas podem ser destacadas em quatro pedidos: um coração sábio que possibilita o homem fazer a leitura da sua vida sem desconhecer as suas próprias fragilidades (Sl 89[90],12); que o Senhor volte novamente para o seu povo e, dele, tenha compaixão (Sl 89[90],13); que o Senhor, em meios aos sofrimentos dos seus servos, possibilite que eles experimentem o seu amor e a alegria (Sl 89[90],14-16); por fim, que a bondade de Deus repouse sobre seu povo tornando seus trabalhos fecundos (Sl 89[90],17).

O Evangelho desse domingo pode ser divido em três momentos. No primeiro momento vemos um homem rico que faz uma pergunta a Jesus a respeito do que deve ser feito para conquistar a vida eterna e, dele, recebe uma resposta (cf. Mc 10,17-22). No segundo momento, Jesus apresenta um ensinamento que trata sobre o perigo em relação ao apego às riquezas (cf. Mc 10,23-26). Por último, Jesus anuncia uma promessa àqueles que o seguem (cf. Mc 10,27-30).

 

No primeiro momento, o evangelista apresenta alguém que se ajoelha diante de Jesus e o questiona quais são as condições que ele deve ter para ganhar a vida eterna (cf. Mc 10,17). Esse tema é abordado no livro de Dn 12,2 e entendido pelos judeus piedosos como o Reino de Deus escatológico instaurado pelo Messias. A vida eterna era destinada àqueles que eram fiéis a Deus e à Lei e, naquele tempo, tal tema já parecia alcançar uma ideia de vida imortal com Deus. Possivelmente, essa é uma inquietação daquele homem que aborda Jesus chamando-o de “Bom Mestre”.

 

Diferente dos rabinos e doutores da Lei que adoravam ser reconhecidos pelos títulos que tinham, Jesus atribui tudo a Deus (cf. Mc 10,18) e responde a pergunta feita pelo homem apresentando-lhe os mandamentos (cf. Mc 10,19). Este, por sua vez, afirma que desde a sua juventude é fiel aos mandamentos divinos (cf. Mc 10,20). Ao olhar com amor para o homem, Jesus lhe diz: “Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me!” (Mc 10,21). O homem mostra-se decepcionado com o que Jesus diz. Ele fica abatido e vai embora com o coração cheio de tristeza por causa da riqueza que possui (cf. Mc 10,22). Vemos, portanto, que amor ao próximo é uma exigência para herdar o Reino de Deus e, mais radicalmente, um amor que exige o desapego dos bens materiais.

 

O segundo momento é marcado pelo ensinamento de Jesus em relação ao perigo que o apego aos bens desse mundo pode acarretar à vida humana. Esse apego às riquezas impede que os homens e as mulheres tenham o coração livre para participar do bem maior que é o Reino de Deus. Jesus não hesita em afirmar que é difícil para um rico, apegado às suas riquezas, entrar no Reino de Deus. Admirados com o que Jesus disse, ele se dirige aos seus discípulos e afirma sobre a dificuldade para entrar no Reino (cf. Mc 10,23-24). Com essa dupla afirmação, o Filho de Deus declara: É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!” (Mc 10,25). Observamos que Jesus aproveita para fazer uma explicação ilustrada por uma pequena porta no muro da cidade de Jerusalém conhecida como “fundo de agulha”, chamada dessa maneira por causa da sua passagem estreita. Essa afirmação do Senhor causa espanto aos discípulos que perguntam entre si quem poderá ser salvo (cf. Mc 10,26).

 

Por fim, vendo o espanto dos discípulos, Jesus olha para eles e diz que “para os homens isso é impossível, mas não para Deus. Para Deus tudo é possível” (Mc 10,27). Pedro, em nome dos demais, declara que eles deixam tudo para seguir o Senhor (cf. Mc 10,28) e a sua declaração é seguida por uma afirmação de Jesus àqueles que o seguem. Se os seus corações estiverem desapegados dos bens e das pessoas por causa de Cristo e do Evangelho, o próprio Filho de Deus garante uma promessa de recompensa nessa vida e no Reino (cf. Mc 10,29-30).

 

Nessa celebração, “Jesus critica a confiança cega que um rico deposita em sua riqueza, em sua força, em seu poder. O homem que fundamenta a sua confiança nos bens materiais, falha no primeiro dos mandamentos e por isso não pode entrar no Reino de Deus”[1]. No entanto, ainda que o homem tenha respondido negativamente ao seguimento de Jesus, ele conforta e encoraja os seus discípulos, mostrando que aquilo que é impossível ao homem, para Deus não é. A sua misericórdia transcende qualquer fraqueza humana, capacitando todos aqueles que o seguem. O Senhor olha para nós e nos ama. Com o seu olhar de amor, ele revela a face amorosa do Pai que, insistentemente, nos procura.

 

Por essa razão, não hesitemos em acolher com generosidade o chamado de Deus. Não desconhecemos nem ignoramos que o seu chamado apresenta exigências radicais e para estarmos disponíveis a elas, necessário se faz ter um coração desapegado dos bens desse mundo, caracterizado, também, na segurança dos cargos e das funções que assumimos onde exercemos as nossas atividades.

 

Amados irmãos e irmãs, peçamos ao Espírito Santo o dom da sabedoria para que possamos amar e seguir o Senhor com o coração livre, sem cadeias. Que o mesmo Espírito nos ajude a acolher com alegria a Palavra de Deus que “é viva, eficaz e mais cortante do que qualquer espada de dois gumes. Penetra até dividir alma e espírito, articulações e medulas” (Hb 4,12). Dela, ninguém consegue se ocultar e a ela todos prestarão contas de suas obras (cf. Hb 4,13). Nós, batizados ou não, somos chamados a escutar e meditar atentamente as Sagradas Escrituras proclamadas nesse domingo e deixar que elas transformem diariamente os nossos corações, conformando-os na imagem e semelhança de Cristo.

 

[1] BOUZON, E., ROMER, K. A Palavra de Deus – No anúncio e na oração. Ano B. p.346.

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