Há 50 anos… Quando ouvimos essa expressão logo nos impressionamos. Cinquenta anos, metade de um século. Cinquenta anos, jubileu de ouro. Em 50 anos, uma geração nasce e se consolida. Em 50 anos, uma instituição é criada e cresce. Em 50 anos, uma vida se fortalece. E em 50 anos, uma vocação brota de um coração generoso, se desenvolve na graça e gera frutos no Espírito.
Cinquenta são também as Ave-Marias do terço, na qual percorremos os mistérios da vida de Cristo e sua Mãe Santíssima. O monge poeta, D. Marcos Barbosa, OSB, escreveu certa vez um poema Aos cincoenta anos de um padre, onde faz essa bela analogia com a oração mariana:
“Eis, Senhor, terminado o terço
há cincoenta anos começado.
Cada Ave-Maria foi um ano,
um ano, cada conta.
E na ponta,
Encontro tua cruz.
Bendito sejas pela cruz e pelas contas,
e pelo que vier depois da cruz.
E pelo teu Filho, não só na cruz,
mas por minhas mãos oferecido.
Bendito sejas pelo que vier depois dele.
Pelo que estiver além de seu corpo. […]”[1]
Eis que D. Orani, nosso cardeal arcebispo, está concluindo este terço há 50 anos começado. Começamos o terço sempre na cruz, onde também creio que o terço da vocação de S. Eminência começou. Ela é a porta de entrada, porta pela qual o conduziram seus pais, o Sr. Achille e a D. Maria Bárbara, quando inclinaram sua cabeça na pia batismal.
Se um terço é feito da meditação de mistérios, uma vida também não é menos meditativa e misteriosa, ainda mais quando ela se deixa levar pela meditação do discernimento e pelo mistério da vocação. Eis o primeiro mistério desse terço: a vocação cristã que nasce ainda no seio da família, lá na simpática São José do Rio Pardo.
Tal e qual o grande São Bernardo, foi no claro vale da vocação cisterciense que essa vocação, recebida de Cristo e da Igreja no Sacramento, floresceu. E tal e qual o Doutor Melífluo, deixou-se encantar pelo nome de Cristo, “mais doce do que o mel do rochedo.” E foi com sinceridade de coração que, a 2 de fevereiro de 1969, pela primeira vez professou a sincera promessa de estabilidade, obediência e reforma de costumes, depois de, como o Santo de Claraval, responder em seu coração a esta pergunta fundamental: “Orani, ad quid veniste?” Eis o segundo mistério desse terço: A vocação monástica, fruto de uma voz que chama e de um coração que reponde.
E quem responde uma vez, bem que pode achar em si disposição para responder ainda mais. Cristo é Senhor exigente, tudo quer para si, sem nada perder. Eis que o jovem monge, achando que tinha dado tudo de si ao envergar o hábito, se viu impelido a dar muito mais. A 7 de dezembro de 1974, pelas mãos de um servo de Deus, D. Tomás Vaquero, nome aliás muito apropriado a quem tão bem conduziu o rebanho de Deus, começou a vida sacerdotal, unindo oblação e sacrifício, num único holocausto. Eis o terceiro mistério desse terço: se Natal ou Coroação de espinhos, se Anúncio do Reino ou Pentecostes, não se sabe dizer. É, na verdade, tudo isso, consumado no santo altar.
Mas o doce e exigente Coração acha ainda pouco. Quer ver ainda mais abrasado esse holocausto de vida e de amor. Mais uma vez se prostra diante do altar o agora abade Orani. Um generoso sacerdote se torna agora pleno desse mesmo sacerdócio. O episcopado, serviço apostólico e fecundo, ganhará nessa mitra contornos de unidade. Eis o lema, eis o imperativo: “Que todos sejam um”, para que Cristo seja em todos! Eis o quarto mistério desse terço: a disponibilidade do episcopado, doado em cada missão confiada por Deus.
Do Rio Pardo ao Rio Preto, do Rio Guamá, que banha Belém, ao Rio de Janeiro, este terço vai sendo desfiado no serviço, na oração e na vida missionária. É aqui, na cidade do Redentor de braços abertos sobre a Guanabara, que quis a providência que este terço completasse sua 50ª conta. De monge a presbítero, de abade a bispo, de arcebispo a cardeal, Deus foi pedindo em cada conta deste terço as contas dos talentos distribuídos. E hoje, quando vai se completando esse terço sacerdotal, os talentos enchem as mãos de cada um que colhe os frutos dessa entrega. Eis o quinto mistério: Deus que dá vida, e vida em abundância, por meio de seus vocacionados.
Bendito sois, Senhor, porque nos dais participar nas contas deste terço tão bendito, que é a vida de vosso servo, D. Orani, há 50 anos ofertada no altar. E como todo terço, este também não pode ser diferente: é saudando a Rainha do céu que o entregaremos a seu filho por suas mãos, para que a vida de nosso arcebispo conte ainda muitas contas para a sua e a nossa santificação.
(Esse texto foi originalmente apresentado como uma homenagem ao Sr. arcebispo no Seminário São José, onde um representante de cada uma das cinco etapas – menor, propedêutico, discipulado, configuração e síntese – apresentou um dos “mistérios” desse “terço” jubilar sacerdotal).
[1] BARBOSA, Dom Marcos. Poemas do Reino de Deus. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980, p. 33.