‘Misericórdia, ó Senhor, pois pecamos’ (Sl 50/51)
Iniciamos com a celebração da Quarta-Feira de Cinzas, o tempo da Quaresma. Percorreremos um período de quarenta dias marcado pela penitência, oração e jejum. Recordaremos os quarenta dias que Jesus passou no deserto, sofrendo as tentações e vencendo-as, e recordamos também os quarenta anos que o povo de Deus passou no deserto até adentrar na Terra Prometida e tantos outros momentos simbólicos com o número 40.
O período da Quaresma é um tempo em que somos convidados a viver como um grande retiro espiritual e ir ao deserto, a exemplo de Jesus, e, com a força da oração, vencer as tentações, ou, a exemplo do povo de Deus, que tinha o Senhor à frente. O tempo da Quaresma não é um período triste ou de luto; pelo contrário, é um tempo de reflexão e, ao mesmo tempo, de alegria, pois temos a certeza de que o Senhor ressuscitou e venceu a morte.
O tempo da Quaresma é uma oportunidade que temos de fazer uma pausa e refletir sobre a nossa vida. Somos convidados a “morrer” para o pecado e ressurgir para uma vida nova, a mudar de vida, deixando os velhos hábitos e assumindo novos.
Ao longo do tempo da Quaresma, não se entoa o hino de louvor (Glória) nem o Aleluia, que só retornam na grande celebração da Vigília Pascal. Os instrumentos também devem ser tocados de maneira mais branda.
Neste tempo da Quaresma, a cor litúrgica predominante é o roxo, que indica um tempo de penitência e reflexão rumo à Páscoa. No quarto domingo da Quaresma, a cor é o rosáceo, pois é o domingo da alegria, significando que se aproxima a ressurreição do Senhor.
A Igreja no Brasil, ao longo do tempo da Quaresma, vive e anuncia a Campanha da Fraternidade, que, neste ano, terá como tema: “Fraternidade e Ecologia Integral” e lema: “Deus viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). A celebração da Quarta-Feira de Cinzas abre a Campanha da Fraternidade, que somos chamados a viver, sobretudo, no tempo da Quaresma, mas ao longo de todo o ano. O tema deste ano nos convida a cuidar do meio ambiente e da natureza. Infelizmente, vemos o homem destruindo o que Deus fez, ou seja, desmatando as florestas, jogando lixo nos rios, poluindo o ar, queimando as plantações, dentre outras coisas. A Igreja se preocupa muito com essa situação e chama a nossa atenção para que nos preocupemos também. Se queremos o bem de nossa Casa Comum, temos que mudar nossas atitudes em relação à natureza. Como a Quaresma nos remete à mudança, que possamos mudar nossas atitudes com o planeta.
A Quarta-Feira de Cinzas nos convida ainda ao jejum e à abstinência de carne nesse dia. Portanto, hoje e, se possível, em todas as sextas-feiras da Quaresma, devemos evitar carne e realizar o jejum, tirando uma das três refeições do dia e, ainda, fazendo uma delas de maneira leve. Existem outras práticas de jejum que podemos fazer ao longo da Quaresma, como, por exemplo, tirar o doce, o refrigerante ou algo que gostamos. Tudo isso com o intuito de nos aproximarmos mais de Deus e em reparação pelos sofrimentos de Cristo por nós na cruz.
Na celebração da Quarta-Feira de Cinzas, o ato penitencial é omitido, pois, após a homilia, acontece a bênção e a distribuição das cinzas, como forma de chamado a caminharmos na penitência e conversão. Ao impor as cinzas, o padre diz: “Convertei-vos e crede no Evangelho.” Durante a Quaresma, há um forte convite à conversão e à mudança de vida.
A primeira leitura desta missa é da profecia de Joel (Jl 2,12-18). Deus fala, por meio do profeta, ao povo de Deus, que voltava do exílio da Babilônia, para que se volte para Ele de todo o coração, por meio do jejum, da esmola e da oração. O Senhor diz para rasgar o coração e não as vestes. Essa leitura nos motiva a fazer o mesmo. Iniciando o período quaresmal, devemos deixar de lado tudo aquilo que nos afasta do Senhor e, por meio da oração, da caridade e do jejum, voltar-nos para Ele de todo o coração. O Senhor é benigno e compassivo e sempre está pronto a perdoar as nossas culpas. Esse tempo quaresmal é propício para a penitência e para a reconciliação com Deus.
O Salmo responsorial é o 50(51), um salmo penitencial, muito usado nesse tempo quaresmal e em celebrações penitenciais. O salmista se reconhece pecador e pede ao Senhor que tenha compaixão de suas faltas e lhe dê um coração novo, que seja puro. Inclusive, podemos recitar esse salmo antes de nos confessarmos.
A segunda leitura desta missa é da Segunda Carta de São Paulo aos Coríntios (2Cor 5,20-6,2). Paulo nos diz que somos embaixadores de Cristo e, em nome de Cristo, devemos nos reconciliar com Deus. Deus fez de Seu Filho pecador para morrer na cruz e nos salvar, e hoje é o dia da salvação e o momento favorável. Aproveitemos esse tempo quaresmal e façamos nossa confissão sacramental. Após sermos reconciliados com Deus, possamos exortar outras pessoas que conhecemos para que se confessem também.
O Evangelho desta missa é de Mateus (Mt 6,1-6.16-18). Jesus alerta os discípulos para não praticarem a justiça e algumas ações de piedade apenas para serem vistos pelos homens. Quando der esmolas, praticar o jejum ou orar a Deus, não precisa mostrar para ninguém que está fazendo tais ações; basta que Deus saiba que você as pratica. Jesus diz que, quando der esmola, que a mão direita não saiba o que fez a esquerda; quando orar, feche-se em seu quarto, e Deus, que está oculto, verá e ouvirá sua oração; e, quando praticar o jejum, não desfigure o rosto nem fique triste. O jejum verdadeiro, que agrada a Deus, não precisa ser mostrado para ninguém, basta ser feito de coração.
Se agirmos da maneira que Jesus orienta no Evangelho, receberemos de Deus a nossa recompensa e alcançaremos a vida eterna. O tempo da Quaresma nos convida a essas três práticas para alcançarmos a salvação e nos reconciliarmos com Deus. O jejum não necessariamente é se abster de uma refeição, mas consiste em se abster de algo que nos afasta de Deus. A caridade podemos sempre praticar, ajudando o próximo com bens materiais ou físicos e acolhendo-o de alguma forma. A penitência é o que dá sentido ao jejum e à caridade, pois são práticas penitenciais. Outras práticas penitenciais ao longo desse tempo quaresmal são rezar mais e a confissão sacramental. Algumas paróquias, ao longo desse tempo quaresmal, celebram missas logo cedo, entre 5h30 e 6h, como prática penitencial, precedidas da procissão da penitência pelas ruas de nossas paróquias e comunidades.
Que possamos iniciar bem nosso itinerário quaresmal e que, ao final desse tempo, possamos receber de Deus a devida recompensa. Atravessemos o deserto para chegarmos à Terra Prometida e passemos do Calvário às alegrias da ressurreição.
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ