Homilia – Celebração em câmara-ardente

Diante do corpo do Papa Francisco – Tempo Pascal, Ano C
25 de abril de 2025

 

Amados irmãos e irmãs,

Reunimo-nos hoje, nesta câmara-ardente, diante do corpo do Papa Francisco, não para encerrar uma era, mas para reconhecê-la viva. A morte do Sucessor de Pedro não é o fim de sua missão – é a sua semente lançada no coração da Igreja. Seus gestos, suas palavras, seus silêncios e sofrimentos, sua forma de pastorear com ternura e firmeza, tudo isso permanece. O legado de Francisco não se conclui aqui: ele prossegue na sinodalidade a que nos convocou, nos pobres a quem se deu, nos caminhos de misericórdia que abriu e, sobretudo, na conversão do coração que ele sempre nos pediu, nas obras que iniciou e que agora fazem parte da própria Igreja. Sua vida se fez Evangelho, e o Evangelho não morre. Ele é eterno.

Na Primeira Leitura dos Atos dos Apóstolos, vemos Pedro, repleto do Espírito Santo, proclamar com ousadia que “não há salvação em nenhum outro, pois não existe debaixo do céu outro nome dado aos homens, pelo qual devamos ser salvos” (At 4,12). Francisco, como sucessor de Pedro, também foi esse anunciador firme e humilde do único Salvador. Em tempos de confusão e desânimo, ele nos ensinou a manter os olhos fixos em Jesus, o único nome que cura, liberta e salva. O mesmo Pedro que um dia fraquejou, hoje testemunha com coragem. E Francisco, em sua fragilidade assumida com verdade, foi também um pastor corajoso, que não temeu ir às periferias e clamar por justiça, paz e conversão.

No Evangelho segundo São João (Jo 21,1-14), lemos o comovente relato do Ressuscitado junto ao lago de Tiberíades. Os discípulos, desorientados, voltam a pescar – e é ali, no cotidiano, que Jesus os encontra. Francisco sempre nos ensinou a buscar o Senhor na vida real, nas margens, nas dores concretas do povo. Como Jesus naquele amanhecer, ele acendeu fogueiras na praia do mundo, preparou pão sobre brasas para os famintos da fé, e nos chamou à comunhão fraterna. Ele não quis uma Igreja distante e moralista, mas uma Igreja próxima e cuidadora. Foi junto aos pobres e abandonados que reconheceu o rosto de Cristo.

Quando Jesus diz: “Lançai a rede à direita da barca e achareis” (Jo 21,6), recorda-nos que a missão exige confiança e escuta. Francisco foi mestre em escutar: os jovens, os idosos, os descartados, os que sofrem em silêncio. Ele nos ensinou a lançar redes mesmo quando não vemos resultados, a confiar na voz do Ressuscitado mesmo nos desertos da fé. E, como Pedro, também ele ouviu o discípulo amado dizer: “É o Senhor!” (Jo 21,7). Francisco soube reconhecer o Senhor em tudo, até nos gestos mais simples, até nas lágrimas.

Hoje, celebramos sua páscoa pessoal. A barca de Pedro perde seu timoneiro terreno, mas ganha um intercessor na eternidade. A fogueira acesa na praia do mundo não se apaga. A voz que clamou por uma Igreja mais misericordiosa não silenciará. Porque quem viveu à luz da ressurreição, como Francisco viveu, continua iluminando mesmo após a partida. Que ele descanse no abraço do Ressuscitado e que nós, inspirados por sua vida, continuemos lançando as redes à palavra do Senhor.

A obra que ele começou – de uma Igreja sinodal, samaritana, ecológica, fraterna –continua. Nós, discípulos e discípulas do Ressuscitado, caminhamos sustentados por aquilo que ele deixou: uma Igreja mais próxima, mais humana, mais parecida com o Cristo que ele tanto amou.

Que esta celebração, marcada pela dor da partida, seja também um ato de fé pascal. Que nossa tristeza seja iluminada pela Ressurreição, e que possamos, como ele nos ensinou, caminhar com ternura, coragem e esperança. Francisco, pastor bom e fiel, descansa agora no Senhor. E nós seguimos, como Igreja viva, testemunhando aqu’Ele que Francisco jamais deixou de anunciar: Jesus Cristo, o rosto da misericórdia do Pai.

Amém.

 

Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.

Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, Brasil

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