Há treze anos, em 9 de julho de 2012, o Senhor chamou a Si um de seus mais fiéis servidores na Igreja: o meu venerável predecessor, o Eminentíssimo Senhor Cardeal Dom Eugenio de Araujo Sales, arcebispo emérito de São Sebastião do Rio de Janeiro. Seu falecimento foi, para todos nós, motivo de grande pesar e, ao mesmo tempo, ocasião para dar graças a Deus por uma vida longa, fecunda e plenamente entregue ao serviço da Igreja. Celebrarei em sua intenção na cripta de nossa Catedral de São Sebastião, no dia 10 de julho, às 12h.
Para mim, que o sucedi nesta arquidiocese em 2009, a convivência breve, mas fraterna, com Dom Eugenio foi oportunidade preciosa de aprendizado e de comunhão. A herança que recebi — e que busco, com minhas limitações, levar adiante — é a de um pastor que marcou profundamente a vida eclesial de nosso país, sobretudo por sua fidelidade inquebrantável ao Evangelho, sua dedicação à missão evangelizadora e sua coragem em tempos difíceis.
Dom Eugenio foi, antes de tudo, um homem de Deus, cuja vida era enraizada na oração, na escuta da Palavra de Deus e na celebração da Eucaristia. A espiritualidade silenciosa e vigorosa que o movia não era feita de exterioridades, mas de convicções profundas e fidelidade diária. Não buscava os holofotes, mas sua autoridade moral e espiritual ressoava com força. Com sua lucidez teológica e clareza doutrinária, formou gerações de fiéis, padres, bispos e religiosos no Brasil e fora dele.
Sua história começa em Acari (RN), onde nasceu em 1920, em uma família que lhe transmitiu a fé católica e o senso de responsabilidade pública. Ordenado sacerdote em 1943 e, posteriormente, bispo auxiliar em 1954, Dom Eugenio destacou-se muito cedo por sua capacidade de articulação pastoral, intelectual e social. Tornou-se administrador apostólico de Natal e depois arcebispo de Salvador, antes de ser nomeado pelo Papa Paulo VI para o Rio de Janeiro em 1971, onde permaneceu até sua renúncia, em 2001.
Durante seus trinta anos como arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Eugenio deixou uma marca indelével. Promoveu uma organização pastoral ampla, estruturou vicariatos episcopais, criou paróquias, fomentou a presença da Igreja nas favelas e periferias urbanas, fundou centros de formação e fortaleceu os meios de comunicação católicos. Foi um grande incentivador da presença dos leigos na vida e missão da Igreja e acreditava profundamente na força evangelizadora das famílias, das comunidades de base e das expressões populares da fé.
Mas sua ação pastoral foi sempre sustentada por três pilares fundamentais: a fidelidade absoluta ao Magistério da Igreja, a defesa intransigente da vida e da dignidade humana e a caridade pastoral. Dom Eugenio jamais se dobrou a pressões ideológicas, fosse de direita ou de esquerda. Com equilíbrio evangélico, defendia os perseguidos e refugiados, mas com a mesma firmeza combatia as infiltrações ideológicas incompatíveis com a fé católica. Teve a coragem de abrir espaços da Igreja para salvar vidas durante o regime militar, oferecendo acolhida e segurança, sem jamais instrumentalizar a fé em favor de agendas políticas. Ele entendia que a missão da Igreja é eminentemente religiosa, mas com consequências sociais inevitáveis quando vivida com fidelidade.
Recordo com admiração sua atuação nos organismos continentais, como o Celam, e nas diversas assembleias do Sínodo dos Bispos, das quais participou com protagonismo e discernimento. Como primeiro cardeal latino-americano a receber o barrete vermelho fora do Vaticano — numa belíssima cerimônia na Catedral de Salvador, em 1969 — foi também sinal da atenção da Sé Apostólica ao continente latino-americano e à sua voz profética na Igreja.
Dom Eugenio compreendeu, muito antes de muitos, o papel da comunicação na evangelização. Com sua coluna semanal em jornais seculares, programas de rádio e presença nos meios de comunicação, exerceu o ministério da Palavra com clareza e convicção. Era um comunicador direto, que formava a consciência dos fiéis com base segura no Catecismo, nos documentos pontifícios e na experiência pastoral.
Mesmo após sua renúncia, Dom Eugenio manteve presença viva na arquidiocese. De seu modesto apartamento no Sumaré, escrevia, aconselhava, acompanhava a vida da Igreja com zelo paternal e discreto. Visitava comunidades, mantinha correspondência com sacerdotes e seguia celebrando a fé com humildade. Sua morte, aos 91 anos, encerrou uma etapa gloriosa do episcopado brasileiro, mas abriu espaço para que seu testemunho se tornasse ainda mais eloquente.
Neste 9 de julho de 2025, treze anos após sua páscoa definitiva, é com o coração agradecido que a Arquidiocese do Rio de Janeiro volta o olhar para seu pastor emérito com veneração. Muitas de nossas estruturas pastorais, muitas vocações sacerdotais, religiosas e leigas, muitos projetos sociais e comunitários ainda hoje vigentes nasceram sob sua inspiração. O legado de Dom Eugenio não está apenas nos registros da história eclesial, mas nos corações dos fiéis e no caminho da Igreja que ele amou até o fim.
Dom Eugenio não foi apenas um bispo de seu tempo. Foi um bispo para além de seu tempo, porque soube unir fidelidade e profecia, doutrina e caridade, clareza e misericórdia. Seu testemunho continua a nos interpelar: como ser fiéis a Cristo num mundo em constante mudança? Como manter a unidade da fé sem perder o ardor missionário? Como anunciar o Evangelho com coragem e compaixão?
Que o exemplo de Dom Eugenio continue a inspirar nossos passos. Que sua intercessão, agora no coração de Deus, nos ajude a permanecer firmes na fé, ousados na caridade e perseverantes na missão. A ele, nossa eterna gratidão. E ao Senhor da vida, nosso louvor por nos ter dado tão grande pastor.
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ