Dignidade humana e direitos dos fiéis marcam congresso de Direito Canônico no Rio

De 22 a 29 de setembro foi realizado no Rio de Janeiro o XVIII Congresso Internacional de Direito Canônico, reunindo especialistas de todo o mundo para debater o tema central “Dignidade humana e direitos dos fiéis”. Pela primeira vez realizado na América Latina, o encontro busca promover diálogo acadêmico e pastoral sobre os desafios atuais para a Igreja e a sociedade.

A sessão de abertura foi presidida pela professora Chiara Minelli, presidente da Consociatio Internationalis Studio Iuris Canonici Promovendo, que destacou a importância histórica e acadêmica deste momento:

“A América Latina continua sendo o continente da esperança, de todos os pontos de vista. Além disso, é uma realidade onde o direito toca a vida concreta das pessoas, tanto em termos de promoção humana e de desenvolvimento quanto na relação fundamental com a criação. Portanto, é a realidade onde mais intensamente o direito canônico pode se oferecer como um ponto de referência que leva em conta todas as dimensões da realidade humana, não somente a dimensão horizontal — das relações entre as pessoas e entre as pessoas e as coisas — mas também a relação com Deus, com o mistério que sustenta todas as coisas.”

O evento contou com a presença do arcebispo metropolitano, Cardeal Orani João Tempesta, que acolheu os participantes na Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro e ressaltou a importância do diálogo entre as diversas áreas do saber e a missão evangelizadora da Igreja. Segundo ele:

“A Arquidiocese do Rio de Janeiro sente-se honrada em acolher este Congresso Internacional. Que esta Cidade Maravilhosa, marcada pela fé de seu povo e pela beleza da criação, seja também lugar de reflexão e renovação da esperança.”

 

Contribuição dos canonistas e desafios contemporâneos

Durante a primeira sessão, a professora Patrícia Cardoso, da Universidade Federal Fluminense, questionou: “O que os canonistas podem ensinar aos juristas?” A professora provocou os participantes a refletirem sobre a tradição canônica como fonte de inspiração para os direitos civis e destacou os desafios que ameaçam a dignidade humana hoje, como a pobreza, a situação dos migrantes e os debates sobre teoria de gênero.

Referindo-se à Declaração *Dignitas infinita*, do Dicastério para a Doutrina da Fé, Patrícia lembrou que os direitos humanos proclamados em tratados e constituições muitas vezes não encontram correspondência na realidade vivida, exigindo maior compromisso por parte de instituições civis e eclesiais.

 

Direitos dos fiéis e comunhão eclesial

Em sua conferência, o professor Ludovic Danto, do Instituto Católico de Paris, afirmou que os direitos dos fiéis são expressão da dignidade humana e não simples privilégios. O professor alertou ainda para os riscos de práticas que, em nome de um suposto bem comum, possam desrespeitar direitos fundamentais, comparando-as à lógica de sociedades totalitárias. Segundo ele, é necessário criar mecanismos concretos para garantir a aplicação efetiva da legislação canônica na vida da Igreja.

 

Lectio Magistralis do cardeal Péter Erdő

O ponto alto do evento foi a “Lectio Magistralis” do Cardeal Péter Erdő, arcebispo de Esztergom-Budapeste e primaz da Hungria. O purpurado aprofundou a reflexão sobre o papel do Direito Canônico como instrumento de justiça, comunhão e cuidado com a criação.

“Hoje, os chamados direitos humanos correm o risco de perder a sua base na realidade objetiva. A partir daí, deixam de restabelecer uma ordem de justiça ou defender uma dignidade humana inerente à pessoa para se tornar apenas um jogo de forças políticas”, advertiu o cardeal Erdő.

O Cardeal Erdő também convidou os participantes a refletirem sobre temas como sinodalidade e o papel dos leigos no governo da Igreja, sempre à luz da missão recebida de Cristo.

 

Primeiro dia

O primeiro dia do congresso foi concluído com a missa de abertura presidida pelo Cardeal Orani João Tempesta, reunindo todos os participantes em oração e ação de graças. Para o monsenhor José Gomes Moraes, diretor do Pontifício Instituto Superior de Direito Canônico e membro do comitê organizador, a preparação foi um trabalho intenso, mas profundamente gratificante:

“Foi uma surpresa, mas a alegria tomou conta de cada um de nós. Trabalhamos durante dois anos, com reuniões online e muita dedicação, para acolher professores e especialistas de universidades da França, Espanha, Estados Unidos, Polônia e de toda a América, mostrando a riqueza do encontro entre o velho e o novo continente.”

O congresso prossegue nos próximos dias com mesas-redondas, conferências e momentos de oração, aprofundando-se também na reflexão sobre o direito de associação na Igreja, especialmente diante do surgimento e da atuação das novas comunidades, que trazem à tona questões pastorais e jurídicas relevantes para a vida eclesial contemporânea.

 

Ana Carla Machado, com supervisão de Vinicius Arouca

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