A criação das câmaras eclesiásticas e sua similaridade com a justiça sobre rodas

No ano de 2023, o Eminentíssimo Senhor, Dom João Orani Tempesta, Cardeal da Arquidiocese do Estado do Rio de Janeiro, proporcionou uma importante aplicação na legislação canônica, permitindo, por conseguinte, a prática da criação de várias Câmaras Eclesiásticas com o propósito de aproximar as pessoas do Tribunal Eclesiástico. 

De fato, na prática, muitas são as realidades de pessoas que deixam de comparecer a um determinado depoimento porque não dispõe de dinheiro até mesmo para o pagamento de uma passagem de ônibus. Lamentavelmente, essa triste realidade impede que muitas as pessoas busquem os seus próprios direitos.

Se fixarmos o nosso olhar somente na letra da lei canônica, não iremos encontrar a expressão “Câmaras Eclesiásticas”. Todavia, a aplicação do direito na Igreja não está somente no Código de Direito Canônico. Ademais, a caridade jamais irá se opor a lei, contudo, ela é infinitamente superior a própria lei. Lembremo-nos de que o Código de Direito Canônico também contém normas de natureza divina e que Jesus será o nosso eterno mestre.

É importante consignar que o direito surge de fatos reiterados, de situações que vão fazendo com que o legislador vá ajustando a própria letra da lei por força de tantas e tantas realidades. Por exemplo, dentre outros, no cânon 230§1, – Motu Proprio Spiritus Domini, assinado pelo Romano Pontífice, Papa Francisco, datado de 10 de janeiro de 2021, a Igreja passou a permitir o acesso das pessoas do sexo feminino ao ministério instituído do leitorado e acolitado.

Assim sendo, ao permitir a criação das Câmaras Eclesiásticas no Estado do Rio de Janeiro, o Eminentíssimo Senhor Cardeal, faz acontecer a “Igreja Peregrina”, ou a “Igreja em Saída”, para se encontrar com tantas e tantas misérias humanas. Estamos falando do acesso à justiça, que está para todos, em igualdade de condições. Essa forma inovadora de proporcionar a realização de um direito leva em consideração o respeito ao ser humano, dando a ele vida e amor, em um cenário tão marcado pela indiferença.

Como Igreja, seguidores de Cristo, temos exatamente a missão do encontro, mas não um encontro qualquer, mas daquele que conseguimos tocar nas dificuldades do outro para dizer sem cessar: Vocês não estão sozinhos, afinal de contas, o amor de Cristo nos uniu!

Em sua Exortação Apostólica, Evangeli Gaudium, o Papa Francisco, em 24 de novembro de 2013, ao trazer o discurso sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual, nos exorta para a prática de uma “Igreja em saída” e assim fez constar no número 23: 

“A intimidade da Igreja com Jesus é uma intimidade itinerante, e a comunhão «reveste essencialmente a forma de comunhão missionária». Fiel ao modelo do Mestre, é vital que hoje a Igreja saia para anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem repugnâncias e sem medo. A alegria do Evangelho é para todo o povo, não se pode excluir ninguém; assim foi anunciada pelo anjo aos pastores de Belém: «Não temais, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo». O Apocalipse fala de «uma Boa Nova de valor eterno para anunciar aos habitantes da terra: a todas as nações, tribos, línguas e povos».

Por fim, que o desejo de fazer o bem esteja para além do que o papel aceita, que não sejamos legalistas e engessados para aplicarmos somente a lei em sentido ipsis litteris, mas que, acima de tudo, tenhamos um coração corajoso para desbravar novos mares, na certeza de que a prática do bem, antes de atingir o outro, nos atinge de maneira extraordinária. 

 

Cláudia Maurício Silva 

Advogada, mestre em Direito Canônico, pelo Pontifício Instituto de Direito Canônico,  afiliado à Universidade Gregoriana, em Roma, e doutorando em Direito Canônico, pela Universidade Católica da Argentina

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