A Igreja em saída ao encontro do Cristo Pobre

Ao nos aproximarmos do final do Ano Litúrgico, a Igreja, em sua sabedoria materna, nos convida a um profundo exame de consciência e a uma renovação de nosso compromisso batismal. No 33º Domingo do Tempo Comum, neste ano, dia 16 de novembro de 2025, somos todos convocados a viver, com intensidade e espírito de conversão, a 9ª Jornada Mundial dos Pobres. Aqui em nossa arquidiocese temos, na semana anterior, de 9 a 16, a Semana dos Pobres com reflexões, atividades e organizações diversas. Esta Jornada, instituída pelo Papa Francisco como fruto perene do Jubileu da Misericórdia, ganha neste ano uma ressonância especial sob o tema: “Tu és a minha esperança” (cf. Sl 71, 5).

Este tema não é um mero slogan; é uma oração, um brado que brota das profundezas da alma humana, especialmente da alma daqueles que, aos olhos do mundo, parecem ter perdido tudo. O Salmo 71 é a prece do justo que, desde a juventude, colocou sua confiança no Senhor. Ele diz: “Porque vós, ó Deus, sois a minha esperança, vós, Senhor, sois a minha confiança desde a minha mocidade” (Sl 71, 5).

No mundo contemporâneo, marcado por tantas formas de “globalização da indiferença”, falar de esperança pode parecer uma ingenuidade. Vivemos cercados por narrativas de desespero, pela cultura do descarte, que marginaliza os idosos, ignora os nascituros, esquece os desempregados e trata os migrantes como um fardo. A pobreza, em suas múltiplas faces — material, moral, espiritual e existencial —, busca sufocar a esperança.

A esperança cristã não é um otimismo vago ou a simples expectativa de que “as coisas vão melhorar”. A esperança cristã tem um nome e um rosto: Jesus Cristo. Ela é a certeza de que não estamos sozinhos, de que nossa vida tem um sentido e de que o amor de Deus é mais forte que a morte, o pecado e todas as nossas fragilidades.

É exatamente aqui que a Jornada Mundial dos Pobres encontra seu núcleo teológico. Os pobres não são apenas destinatários da nossa caridade; eles são portadores de uma mensagem profética. Eles são, para a Igreja, um lugar teológico. Neles, Jesus se faz presente de modo sacramental: “Tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber… cada vez que o fizestes a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25, 35.40).

Quando o tema nos diz “Tu és a minha esperança”, ele opera em um sentido duplo. Nós, como Igreja, somos chamados a ser o reflexo da esperança de Deus para os pobres, levando-lhes o consolo e o auxílio material. Mas, de forma ainda mais profunda, são os pobres que se tornam a nossa esperança. Eles nos evangelizam, nos despem de nossas falsas seguranças, nosso apego ao poder, ao ter, ao parecer, e nos reconduzem ao essencial do Evangelho. O pobre que confia na Providência, mesmo sem ter nada, nos ensina mais sobre a esperança do que mil tratados de teologia.

A mobilização da Igreja no Brasil, animada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), propõe que vivamos uma semana inteira de reflexão e ação. Isso nos tira da zona de conforto de um gesto isolado, de uma “esmola” que tranquiliza a consciência, e nos convida a um processo de conversão pastoral e social.

O Santo Padre, o Papa Leão XIV, em sua mensagem para esta 9ª Jornada, nos oferece uma chave de leitura indispensável, que ecoa a perene Doutrina Social da Igreja. Ele nos recorda, com clareza apostólica, que “ajudar os pobres é uma questão de justiça, muito antes de ser uma questão de caridade”.

Esta afirmação precisa ser meditada em todas as nossas comunidades. Ela nos impede de cair no assistencialismo, que pode, por vezes, até humilhar quem recebe, sem transformar as condições que geram a pobreza. A caridade, o amor, é a alma de toda a ação da Igreja, é o mandamento maior. No entanto, o Papa nos lembra que o amor autêntico é inseparável da justiça.

São João Paulo II já nos ensinava que a caridade que não se preocupa com a justiça é incompleta. E o Papa Bento XVI, em sua encíclica Caritas in Veritate, sublinhou que a justiça é “o caminho primeiro da caridade”.

O que significa, então, praticar a justiça para com os pobres?

Significa, em primeiro lugar, reconhecer a sua dignidade inalienável como filhos de Deus, criados à sua imagem e semelhança. Significa lutar contra as “estruturas de pecado” que perpetuam a miséria e a desigualdade. Não podemos, como cristãos, nos calar diante de sistemas econômicos que idolatram o dinheiro em vez de colocar a pessoa humana no centro. Não podemos nos omitir quando direitos fundamentais — terra, teto e trabalho —, como insiste o magistério papal, são negados a tantos de nossos irmãos.

A pobreza que vemos em nossas grandes cidades, como o Rio de Janeiro, com suas imensas periferias e comunidades carentes, não é fruto do acaso. Ela é, muitas vezes, o resultado de escolhas políticas e econômicas que privilegiam o lucro de poucos em detrimento da vida de muitos. A fome, o desemprego, a falta de saneamento básico, o acesso precário à saúde e à educação não são “fatalidades”; são injustiças que clamam aos céus.

A Jornada Mundial dos Pobres nos convoca, portanto, a uma caridade política, no sentido mais nobre do termo: o cuidado com a pólis, a cidade, a casa comum. Nossas pastorais sociais, nossas comunidades eclesiais de base, nossas Cáritas paroquiais e diocesanas são chamadas a ser não apenas postos de distribuição de alimentos, mas centros de promoção da cidadania, de defesa de direitos e de formação de consciência crítica à luz do Evangelho.

O Papa Leão XIV nos pede para enfrentar as causas estruturais da pobreza. Isso exige coragem profética. Exige que a Igreja seja, de fato, uma “Igreja pobre para os pobres”, como sonhava São João XXIII e como nos recordava constantemente o Papa Francisco. Uma Igreja que não tem medo de sujar os pés na lama das periferias existenciais, que não se envergonha de tocar as “chagas de Cristo” presentes no corpo dos sofredores.

Diante deste chamado à justiça e à esperança, como devemos agir concretamente nesta semana de 9 a 16 de novembro? A CNBB, através da Comissão Episcopal para a Ação Sociotransformadora, nos oferece subsídios e sugestões, mas a resposta deve brotar da realidade de cada diocese, paróquia e comunidade.

O primeiro passo é a escuta. Muitas vezes, falamos sobre os pobres, mas raramente com os pobres. A Jornada é uma oportunidade privilegiada para inverter essa lógica. Que possamos organizar momentos de “escuta fraterna”, onde os protagonistas sejam aqueles que vivem na pele a exclusão. O que eles têm a nos dizer? Quais são suas angústias, mas também quais são seus sonhos e sua esperança? O pobre sabe, por experiência, onde Deus se manifesta.

O segundo passo é o encontro. O Papa nos pede para superar a “cultura da indiferença” através da “cultura do encontro”. Isso significa ir além dos muros de nossas igrejas e sacristias. Significa visitar as famílias em suas casas, ir às “cracolândias”, aos abrigos, aos hospitais públicos, aos hospitais filantrópicos, aos sanatórios, aos asilos, aos presídios. Significa sentar-se à mesa com eles, partilhar uma refeição, como Jesus fazia. O gesto de partilhar a mesa é profundamente eucarístico e restaurador da dignidade. A esperança nasce desse encontro pessoal, olho no olho.

O terceiro passo são os gestos concretos. “A fé sem obras é morta” (Tg 2,17). Esta semana deve ser marcada por ações visíveis que sinalizem o Reino de Deus. Isso inclui, sim, os mutirões para doação de alimentos, roupas, cobertores e kits de higiene. Mas deve ir além. Podemos organizar feirões de emprego, serviços de assistência jurídica gratuita, atendimento médico e odontológico voluntário, dias de beleza para pessoas em situação de rua (cortar cabelo, fazer a barba), oficinas de escuta terapêutica e espiritual.

Nossas paróquias devem se transformar em verdadeiros “hospitais de campanha”, como nos pedia o saudoso Papa Francisco. Lugares de misericórdia, onde quem chega ferido pela vida não encontra um tribunal, mas encontra o abraço compassivo do Pai.

A 9ª Jornada Mundial dos Pobres é um kairós, um tempo de graça. O tema “Tu és a minha esperança” nos desafia a perguntar: em quem, ou em quê, temos colocado nossa esperança? Nosso dinheiro? Nosso status? Nosso conforto?

Que esta Jornada nos ajude a fazer a “opção preferencial pelos pobres”, que não é uma opção ideológica ou política, mas uma exigência teológica da nossa fé em Jesus Cristo, que “sendo rico, se fez pobre por nós, para nos enriquecer com a sua pobreza” (2 Cor 8,9).

Que a Virgem Maria, Nossa Senhora Aparecida, que cantou a grandeza do Senhor que “derruba os poderosos de seus tronos e eleva os humildes” (Lc 1,52), nos acompanhe nesta caminhada. Que São Sebastião, padroeiro de nossa querida cidade, nos dê a coragem de testemunhar a fé, servindo a Cristo na pessoa dos mais necessitados.

 

Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.

Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

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