“Quereis ter a bondade de vir…”, dizia a Santíssima Virgem Maria a Bernadette Soubirous, uma menina doente e muito pobre, que ali estava na Gruta de Massabielle, no rigoroso inverno dos Pirineus no dia 11 de fevereiro de 1858, para colher lenha e ossos a fim de vender e conseguir, talvez, uns seis centavos para comprar pão para si e sua família.
Maria não escolheu Bernadette de maneira aleatória, mas muito acertadamente fez uma opção preferencial por quem é pobre e doente. Bernadette era semianalfabeta, paupérrima e de saúde muito debilitada. Tinha uma grave asma que a tornou tuberculosa. Morava com a família em lugar completamente sombrio, frio, escuro e minúsculo; num calabouço, que tinha sido desativado pelo poder público dadas as condições de insalubridade para os presos. Aí fora morar a família Soubirous, por não ter mais condições de pagar o aluguel da casa onde morava, a chamada “casa do moinho”, local onde Bernadette afirmara ter passado os melhores anos de sua vida.
O convite que a Senhora de Lourdes fez a Bernadette na Gruta, ela o faz de maneira renovada a toda Humanidade nestes tempos de tanta agitação. Porém, especialmente aos pobres e doentes, ensinando que é no silêncio e na solidão que o seu Filho Jesus fala às nossas almas. Em tempos de tanto barulho e agitação de toda ordem, o recolhimento na oração pode parecer alienação. Contudo, é condição necessária para uma vida de piedade e fervor, a fim de não se deixar subjugar pelas distrações mundanas.
Se a casa onde morava Bernadette era um lugar insalubre, a Gruta não era diferente. Com efeito, era até bem mais. A Gruta de Massabielle era uma espécie de lixão, onde os moradores da região descartavam o seu lixo. Por isso era um lugar podre, fétido e frequentado por porcos que se alimentavam dos restos de comida aí descartados. Isto nos faz lembrar alguns espaços de nossa cidade, principalmente as áreas mais pobres, onde não raramente encontramos pequenos lixões frequentados por porcos.
A Gruta era chamada pelos locais de “la tutte aux cochons” (a gruta dos porcos, no dialeto de Lourdes). E Bernadette estava aí porque os gravetos de lenha e ossos do entorno da Gruta não eram reivindicados pelos donos das propriedades vizinhas, pois nem isto eles deixavam os pobres colherem; ou seja, era uma situação de miséria extrema. Entretanto, foram nestas circunstâncias que Maria quis aparecer e deixar uma mensagem de fé, conversão e penitência, escolhendo como embaixadora alguém de quem muito pouco se podia esperar, humanamente falando. Todavia, Deus escolhe os fracos para confundir os poderosos, de tal modo que o evento de Lourdes não é um evento humano, mas sobrenatural. Aí os valores do Reino ficam muito evidentes: humildade, inocência, obediência, penitência, desprezo pelas coisas deste mundo etc.
A mensagem de Lourdes atravessa os séculos XIX e XX e chega de forma verdadeiramente profética a esta nossa geração do século XXI tão hedonista, erotizada, consumista e ávida por satisfações, mas que precisa vencer o egoísmo e a indiferença para com os que mais sofrem.
A Virgem de Lourdes é a Senhora dos doentes. É comovente e edificante ver os doentes se dirigindo à Lourdes em cadeiras de rodas e macas, até com seus cilindros de oxigênio. São milhões de doentes que anualmente se dirigem à Gruta de Lourdes em busca de cura ou pelo menos de conforto espiritual, pois nem todos alcançam a cura. Santa Zélia Martin, mãe de Santa Teresinha do Menino Jesus, foi em peregrinação à Lourdes em busca da cura física que nunca alcançou, mas ela mesma dizia resignada: “não foi da vontade de Deus”. Talvez tivesse ela em mente e coração as palavras da Virgem à Bernadette: “não te prometo a felicidade nesta vida, mas na outra”. Bernadette mesma nunca foi curada de suas enfermidades e morreu jovem e doente 21 anos após as aparições, ou seja, aos 35 anos de idade com uma doença que lhe foi paralisando o copo aos poucos, até não conseguir mais se mexer. Contudo, soube ressignificar o sofrimento em sua vida, unindo suas dores e enfermidades à cruz de Cristo, conforme o ensinamento paulino: “agora me alegro nos sofrimentos suportados por vós. O que falta às tribulações de Cristo, completo na minha carne, por seu corpo que é a Igreja” (Col 1, 24). Bernadette dizia: “sou mais feliz com meu crucifixo em meu leito, que uma rainha em seu trono”. E ainda: “meu ofício é sofrer”. A vidente de Lourdes soube assumir na vida e na carne aquilo que São Paulo chama de “loucura da cruz” (1Cor 1, 18).
E quantas pessoas nestes tempos de tantos sofrimentos precisam ouvir o convite da Virgem: “Quereis ter a bondade de vir…”! Observemos que não se trata de um movimento fruto da vontade, condicionada muitas vezes que está às más inclinações e aos vícios deste mundo, mas fruto da bondade que todo ser humano traz consigo, porque criado à imagem e semelhança daqu’Ele único que é bom – “só Deus é bom” (Mc 10, 18). Bernadette se dispôs a atender ao convite daquela Senhora em quem tudo é bondade e graça.
Maria continua a fazer este mesmo convite a tantos quantos hoje sofrem e necessitam de alento, conforto e cura. O convite foi dirigido primeiramente à Bernadette, como expressão de caridade à pobreza temporal, mas com o intuito de nos apontar o espírito de pobreza como condição necessária para colher as riquezas eternas.
As atuais dificuldades da Humanidade são sinais dos tempos e apelo para ouvirmos e atendermos ao convite de Maria. Pois é na experiência da miséria humana, em que não podemos muito esperar dos meios temporais, que somos levados a voltar nossos corações para aqu’Ele de quem nos vem a salvação. E, neste sentido, a Virgem Santíssima é a nossa estrela guia, ou estrela do mar, que nos orienta rumo ao porto seguro da salvação, que é seu divino Filho Jesus.
“A Jesus por Maria”! É o grande lema da devoção lourdina. Pois Maria, ao escolher a Gruta de Massabielle como local de suas 18 aparições a uma menina tão pobre, doente e inculta, quer mostrar ao mundo que os menos favorecidos, os que sofrem e os que precisam de sua intercessão e amor maternos podem sempre contar com ela, que aí nos aponta o caminho da conversão e penitência como via segura da redenção final.
Que pela intercessão maternal da Virgem Santíssima de Lourdes tenhamos toda facilidade em cumprir os preceitos espirituais e temporais que nos são propostos por seu Filho Jesus, a fim de um dia sermos também admitidos em sua divina presença.
Cônego Valtemario S. Frazão Jr.