Diante do cenário atual do Rio de Janeiro, marcado pela violência e pela insegurança, os bispos do Regional Leste 1 da CNBB (Conser) emitiram uma nota no dia 28 de outubro passado. O apelo foi de “Paz!, nós todos somos irmãos e irmãs”. “Que a fraternidade e o respeito pela vida prevaleçam, e que todos nós, com a força da fé, da oração e da união, possamos caminhar juntos na construção de uma sociedade mais justa e pacífica”, conclui a nota, acrescentando: “o anseio por uma cultura de paz reúna todas as forças da sociedade em um grande pacto em defesa da vida ameaçada pela violência”.
Ao iniciar o mês de novembro, quando refletimos sobre os novíssimos (Dia de Todos os Santos e Finados), precisamos examinar sobre o papel e a responsabilidade dos cristãos na promoção da paz. Neste tempo que se chama hoje, e que nos foi dado para viver, somos chamados a atuar e agir como cristãos comprometidos com o Reino de Deus e sua justiça.
Em meio à dor e ao medo, o cristianismo nos ensina que a paz é um bem supremo, que deve ser construído com coragem, solidariedade e amor. Não se trata apenas da ausência de conflitos, mas de uma paz ativa, que se traduz em justiça, reconciliação e respeito pela dignidade humana. Através das palavras de Cristo e dos ensinamentos da Igreja, nos tornamos “instrumentos de paz” (São Francisco de Assis), agentes de transformação, onde quer que estejamos.
Não podemos nos conformar com a vulnerabilidade, pobreza, necessidades e violência ao nosso redor. Somos chamados a dar sinais de tempos novos e de esperança. Ao vivermos o ano da oração a caminho do jubileu de 2025, sejamos peregrinos da esperança, espalhando confiança e paz por onde passarmos. Ao cobrarmos das autoridades a responsabilidade pelo bem comum, somos chamados a fazer nossa parte nessa caminhada. E não é fácil. Somos solidários com todos os que sofrem nas diversas situações, e somos chamados a continuar nossa caminhada de esperança e paz.
A paz é um dos maiores dons que Cristo nos deixou, e Sua vida foi um testemunho incessante desse compromisso. Em João 14,27, Jesus diz: “Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; não vo-la dou como o mundo a dá”. Essa paz que Jesus nos oferece é profunda e duradoura, nasce de um relacionamento com Deus e do compromisso com o bem comum. Porém, para que essa paz seja uma realidade em nossas vidas e em nossa cidade, é preciso que cada cristão assuma a responsabilidade de promovê-la, combatendo a violência com o amor, a divisão com a união, e o medo com a fé. Iniciando com a própria vida na família e comunidade.
A Doutrina Social da Igreja nos ensina que a paz é fruto da justiça e não pode coexistir com a desigualdade, o preconceito e a exclusão. Neste sentido, ser um promotor da paz significa lutar contra as causas que alimentam a violência, oferecendo à sociedade um testemunho de que a paz é possível e urgente. Além de ser uma virtude pessoal, a paz é um dever de cada cristão, pois ela é o reflexo da presença de Cristo em nossa vida.
A Igreja Católica, por meio de suas paróquias, pastorais e movimentos, tem atuado na promoção da paz e na assistência às vítimas da violência, tanto na assistência, como na promoção humana, como na transformação social. Inspirados pelo Evangelho, buscamos criar espaços de acolhimento, de escuta e de auxílio, levando consolo e esperança às famílias e comunidades afetadas pela violência. No Rio de Janeiro, uma cidade tão diversa e complexa, essa missão ganha uma importância ainda maior.
A Igreja é uma voz profética em meio às injustiças e aos sofrimentos do nosso povo. Nosso compromisso com a paz não se limita ao discurso, mas se concretiza em ações que buscam o diálogo, a reconciliação e o resgate da dignidade de cada pessoa. Promover a paz em uma cidade como o Rio de Janeiro é também denunciar as estruturas de pecado que geram a violência, a corrupção e a miséria. A paz que Jesus nos ensina é uma paz ativa, que exige de nós uma postura firme contra tudo o que fere a vida humana.
Cada cristão é chamado a ser um instrumento de paz, levando o amor de Cristo aos ambientes que frequenta, transformando as relações e humanizando os corações. Como batizados, nossa missão é ser “sal da terra e luz do mundo” (Mateus 5,13-16), onde quer que estejamos. Nossa fé em Cristo nos desafia a enxergar cada pessoa, mesmo o agressor, como alguém que também é amado por Deus e que necessita de conversão.
Não podemos nos conformar com a indiferença ou com o medo; ao contrário, precisamos agir, confiantes na ação de Deus. Em Mateus 5,9, Jesus nos diz: “Bem-aventurados os pacificadores, porque serão chamados filhos de Deus”. Este chamado à paz nos convida a sermos agentes de mudança, principalmente no ambiente em que vivemos e atuamos.
Práticas simples e cotidianas, como o diálogo, a compreensão e a ajuda ao próximo, podem fazer a diferença em nossa sociedade. Além disso, a promoção da paz exige de nós uma profunda conversão interior e a coragem de confrontar as injustiças que, direta ou indiretamente, alimentam a violência. O compromisso cristão com a paz é um caminho de transformação, que começa em nosso coração e se expande para nossa família, comunidade e cidade.
Como cristãos, sabemos que a paz verdadeira tem sua fonte em Deus. Portanto, é essencial que, além das ações concretas, também nos dediquemos à oração pela paz. A oração nos une ao Senhor e nos dá força para enfrentarmos as dificuldades do mundo. Ela nos ajuda a manter a esperança e a cultivar em nosso interior a serenidade e a confiança necessárias para sermos instrumentos de paz.
Em momentos de crise, como os que enfrentamos no Rio de Janeiro, a oração é um meio poderoso para pedir a proteção divina e a transformação dos corações. Precisamos confiar em Deus e pedir Sua intercessão pela nossa cidade, acreditando que Ele é capaz de fazer novas todas as coisas. Mas é também um momento de chamar aos responsáveis para que exerçam a sua missão, como enfatiza a nota dos bispos do Estado do Rio de Janeiro. Que ao rezarmos pelo Rio de Janeiro, possamos nos unir em uma corrente de fé e amor, implorando pela paz que só Deus pode nos conceder. São Sebastião e Sant’Ana nos ajude neste bom propósito de sermos construtores da paz!
O compromisso cristão com a paz diante da violência no Rio de Janeiro é uma resposta de fé e esperança. Devemos lembrar que a paz começa dentro de cada um de nós e se espalha ao nosso redor, influenciando nossa família, nossa comunidade e nossa cidade. Somos chamados a ser testemunhas do amor de Cristo, trabalhando incansavelmente para construir um mundo mais justo e pacífico.
Que cada um de nós, ao sairmos de nossas casas, lembremos que o testemunho de nossa fé é essencial para a transformação de nossa sociedade. Que nosso exemplo de vida, nossas palavras e ações sejam sinais visíveis do amor de Cristo, promovendo o diálogo, a fraternidade e a paz em todos os lugares que frequentamos. Somos chamados a ser sal da terra e luz do mundo.
O Senhor nos convida a sermos “pescadores de homens” (Mateus 4,19), levando a todos o amor que cura e transforma. Que o Espírito Santo nos fortaleça em nossa missão de pacificadores e que possamos, com nossas palavras e ações, refletir o Coração de Cristo para todos aqueles que nos cercam. Sigamos, então, confiantes na promessa do Senhor: “Eu estarei convosco todos os dias” (Mateus 28,20). Podemos ser poucos, mas um pouco de fermento leveda toda a massa! Unidos no amor de Cristo, façamos do Rio de Janeiro um lugar onde a paz e a justiça possam florescer.
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ