Com coração de pastor, acompanho com profunda tristeza e constante oração os recentes e dolorosos acontecimentos em nossa amada cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. O eco da violência, do medo e do luto ressoa mais uma vez em nossas comunidades, e, diante desta realidade que fere a todos nós, somos chamados, antes de tudo, a um profundo silêncio orante e a uma reflexão fraterna sobre os caminhos que estamos trilhando como sociedade.
Cada vida perdida é uma tragédia que nos diminui como irmãos. Cada disparo que ceifa uma existência é um golpe contra o projeto de Deus, que nos criou para a vida, para a comunhão e para a paz.
Neste momento de particular dor, quero dirigir minhas palavras e minhas preces, de modo muito especial, a todas as famílias que choram. Rezo, com o coração pesaroso, pelas famílias dos agentes de segurança, pais de família, filhos, maridos, que saíram de seus lares para cumprir um dever cívico de proteção e tiveram suas vidas ceifadas. A dor de seus entes queridos é a dor de toda a nossa Arquidiocese, que reconhece seu sacrifício.
Da mesma forma, rezo, com igual pesar pastoral, pelas famílias dos moradores de nossas comunidades. Mães que perdem seus filhos, esposas que perdem seus maridos, crianças que crescerão sem a figura paterna. O luto dessas famílias é o nosso luto. Que Deus, em sua infinita bondade, seja o conforto, a fortaleza e a esperança para todos os que hoje sentem o vazio indescritível da perda.
Elevamos nossas preces ao Pai de toda misericórdia, pedindo que Ele acolha as almas de todos os que partiram nesta tragédia. A justiça dos homens, necessária e legítima, tem seus limites e suas falhas. Mas a justiça divina, que sonda o íntimo de cada coração, é perfeita e plena em misericórdia. Por isso, como nos ensina a Igreja, rezamos também por aqueles que, porventura, morreram enquanto trilhavam caminhos de erro, envolvidos na criminalidade.
Não nos cabe o julgamento final. Lembramo-nos da promessa de Jesus ao bom ladrão: a misericórdia de Deus é capaz de alcançar a todos, até no último instante. Pedimos que o Senhor, que conhece a história, as fraquezas e as intenções de cada um, lhes conceda o perdão de suas faltas e a paz eterna. Cremos na redenção que nos foi oferecida pelo sangue de Cristo na cruz, uma redenção destinada a todos, sem exceção. Que Ele receba a todos em seu Reino de luz.
Como homens e mulheres de fé, nossa resposta a esta tragédia não pode ser o ódio. Nossa resposta deve ser pautada no Evangelho. Jesus nos ensina que o caminho para a paz não passa pelo revide, pela vingança ou pela celebração da morte, pois estes sentimentos apenas alimentam a espiral da violência, perpetuando o ciclo de dor e destruição. Qualquer vida perdida, de qualquer lado que seja, é uma derrota para a fraternidade humana, um fracasso do diálogo e uma ferida aberta no corpo de Cristo, que é a humanidade.
Precisamos nos perguntar, como sociedade e como fiéis: que futuro estamos construindo? A resposta que temos dado há décadas não pode ser a de um confronto que coloca pais de família contra pais de família, irmãos brasileiros contra irmãos brasileiros, como se vivêssemos em estado de guerra civil permanente. Quem mais sofre com essa lógica de enfrentamento é a população, especialmente a mais pobre, que vive encurralada entre o medo da criminalidade e o medo da reação a ela. Nossos irmãos e irmãs anseiam pelo direito básico de viver com dignidade, segurança e paz em seus lares.
Faço um apelo sereno, mas firme, aos nossos governantes e a todas as forças da sociedade. Sabemos que a busca pela ordem, pela justiça e pelo fim das atividades criminosas é legítima e absolutamente necessária para o bem comum, porém temos que encontrar caminhos plausíveis rumo a uma nova sociedade de paz e harmonia. A restauração da confiança entre o Estado e as comunidades passa, impreterivelmente, pela transparência. O Estado deve ser o primeiro a zelar pela sacralidade de toda vida.
A paz duradoura, aquela que Cristo nos oferece e que tanto almejamos, não será construída apenas pela força das armas. Ela será semeada, dia após dia, através da cidadania. É urgente que levemos às nossas áreas mais sofridas não somente a presença da lei, mas a presença efetiva, integral e transformadora do Estado.
Onde falta saneamento básico, onde a escola é precária, onde o posto de saúde não funciona, onde faltam cultura, lazer e oportunidades de emprego digno, ali se cria o terreno fértil para a violência. A verdadeira pacificação acontece quando o jovem da comunidade tem acesso à mesma educação de qualidade, à mesma oportunidade de trabalho e ao mesmo respeito que qualquer outro cidadão. Onde o Evangelho da vida e a cidadania plena florescem, o crime e a violência retrocedem.
Somos todos filhos do mesmo Deus, chamados a viver como irmãos. É hora de superar o que nos divide e construir pontes de diálogo e concórdia.
Que São Sebastião, nosso padroeiro, interceda pelo povo do Rio de Janeiro. Que Nossa Senhora da Penha, que de seu santuário olha por toda a cidade, proteja nossas comunidades e ampare as mães que choram. E que Deus inspire a todos nós, especialmente nossos governantes e forças de segurança, a escolher sempre o caminho da sabedoria, da justiça, da misericórdia e da verdadeira paz.
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ