As glórias da Igreja do Rio

Santo Irineu afirma: “a glória de Deus é o homem vivo e a glória do homem é a visão de Deus”. Neste sentido, no 130º ano da elevação da Diocese do Rio de Janeiro ao grau de arquidiocese podemos, sem sombra de dúvidas, afirmar que a Igreja Católica no Rio de Janeiro tem trabalhado tanto para a glória de Deus quanto para a glória do homem. Pois ao longo de toda a sua existência o que mais faz é se dedicar essencialmente à defesa e promoção da vida em todos os seus aspectos, sejam eles biológicos ou físicos, sociais, culturais e, sobretudo, espirituais.

Mas, vale recordar que a presença da Igreja Católica na Cidade Maravilhosa remonta aos tempos de sua própria criação, ou seja, ao ano de 1565. De modo que a própria história da fundação da cidade se confunde, ou mesmo começa, com sua história religiosa. Pois, antes mesmo de ser cidade, éramos apenas um arraial militar dedicado a São Sebastião entre o Pão de Açúcar e o Morro de São João, onde desembarcou Estácio de Sá a 1º de março de 1565, e que se fortificou para expulsar os franceses calvinistas de Villegaignon. Neste mesmo ano, o padre Gonçalo de Oliveira fundou uma pequena casa-igreja de palha feita para abrigar a imagem do santo Padroeiro do arraial trazida de Portugal por Estácio de Sá. Devido à fragilidade da construção, era comum ser furada pelas flechas dos tamoios, aliados dos franceses.

As batalhas do povo carioca já eram árduas desde esta época. E às suas duras lutas acompanhavam intrépidos pastores. Foi em 19 de janeiro de 1567 que desembarcou na Baía de Guanabara São José de Anchieta, recém-ordenado a acompanhar o governador-geral Mem de Sá, que trazia reforços ao Rio para a expulsão dos franceses. Não podemos nos esquecer da Batalha das Canoas (1566), em que a tradição popular atribui sua vitória a São Sebastião, quando três canoas de portugueses e índios fiéis, que carregavam madeira para a construção da Igreja de São Sebastião, foram surpreendidas por 180 canoas ocupadas por franceses e índios tamoios. Aí, depois da explosão de um barril de pólvora do lado português, São Sebastião fora visto como guerreiro a saltar entre as embarcações e a afugentar os inimigos, que de fato fugiram. Deste lugar de onde partiram as três canoas teve início o belo costume de recordar o episódio como Festa das Canoas, pela primeira vez celebrada em 20 de janeiro de 1583.

Foi assim, exatamente em situações dramáticas para a cidade nascente, que surgiam piedosos eventos religiosos, como a referida Festa das Canoas e a procissão que lhe seguia, e tomava vigor a própria presença da Igreja Católica com seus pastores e instituições, o que vale ao povo carioca ser hoje extremamente religioso.

De lá pra cá, naturalmente, a cidade cresceu, expandiu-se e se transformou totalmente. E a Igreja acompanhou todas as suas transformações políticas, culturais e sociais. Já não há mais a casa-igreja do padre Gonçalo de Oliveira no primitivo lugar da cidade, nem a construção mais ampla edificada posteriormente no Morro do Castelo, local para onde foi transferida a cidade depois da vitória de Mem de Sá e seu sobrinho Estácio de Sá na batalha de 1567. Hoje temos uma imponente Catedral dedicada a São Sebastião no coração do centro do Rio. É a primeira das 283 paróquias da arquidiocese, a mãe dos 1074 templos espalhados pela cidade, de modo a marcar a arquitetura urbana como verdadeiros monumentos, mas também a marcar a presença da Igreja em todas as comunidades da cidade. Estes lugares de culto, desde os mais simples até os mais imponentes, são um sinal da presença de Deus na grande cidade. Como não se lembrar de Deus ao passar por uma simples capela ou mesmo à distância avistar uma torre de igreja, ou uma cruz sobre fachada, ou ainda ouvir os sinos que dobram em meio à agitação de uma grande metrópole como o Rio?

Hoje, não há favela na cidade que não tenha uma igreja ou oratório católicos onde as pessoas rezam, celebram a Palavra de Deus e a Sagrada Eucaristia, além da assistência social promovida nestas comunidades a partir da iniciativa corajosa de leigos e padres, que não medem esforços para fazerem a evangelização acontecer em todos os cantos da cidade, levando o pão que fortalece o espírito, mas também o pão que alimenta o corpo. Além das cestas básicas distribuídas por todas as paróquias da arquidiocese às famílias em situação de vulnerabilidade social, há muitas comunidades que também têm dispensários para distribuição de medicamentos, roupas e calçados. De igual modo, são quase todas as paróquias que também distribuem refeições aos sem-teto, pelo menos uma vez por semana; fora a iniciativa de grupos católicos que também o fazem ainda que não associados a uma iniciativa paroquial.

Para além da atuação evangelizadora e social da arquidiocese por suas paróquias que cobrem todo o território do Rio, a Igreja Católica também marca sua presença na cidade através de outras instituições que, embora sejam particulares e até mesmo de direito privado, dedicam parte de suas atividades à população desassistida, são os casos, por exemplo, da concessão de bolsas de estudos concedidas por instituições educacionais católicas e de leitos conveniados ao SUS por hospitais e casas de saúde também católicos. E ainda temos as irmandades, que também embelezam a cidade com seus templos monumentais e obras de arte, promovem as devoções populares mais tradicionais do Rio (Festa do Divino, São Jorge, festas marianas etc.) e ainda assistem os mais pobres pelas vias da alimentação, saúde e educação.

O Rio de Janeiro é uma cidade complexa, extremamente desigual, com problemas de toda ordem, o que exige da Igreja criatividade, coragem e dinamismo para cumprir fielmente a sua missão de anunciar o Reino com todas as implicações próprias deste anúncio. E penso que neste sentido temos sido bem-sucedidos, haja vista o número surpreendente de vocações que temos numa cidade tão plural em religiosidade, sobretudo se considerarmos as denominações protestantes neopentecostais que muito cresceram nas últimas décadas, o que deve chamar a nossa atenção no tocante à linguagem utilizada no anúncio. Mas, a despeito disto, as vocações são sempre um termômetro eficaz que mede a qualidade do anúncio e do testemunho. Nas últimas décadas, há uma média de dez novos sacerdotes anualmente ordenados na arquidiocese. Em alguns anos e até um pouco mais que isto, como ocorreu neste 2022 em que foram ordenados na Catedral 15 novos sacerdotes para as nossas comunidades.

Que as glórias da Igreja do Rio cresçam cada vez mais para maior honra e glória de Deus, mas também para a glória do povo redimido a partir de sua atuação missionária.

 

Padre Valtemario S. Frazão Jr.

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