“A ideia certa de que o povo, em nossas igrejas, deve cantar, se junta por vezes [a] uma conclusão menos certa, de que o Coro deve calar. (…) O Coral, por seu preparo, é a voz especializada do povo.”[1] É com essas palavras do saudoso Pe. José Alves, que inicio este pequeno artigo, que escrevo com discreto e sincero júbilo, por poder “levantar a bandeira” da iniciativa que julgo ser hoje uma das mais eloquentes e eficazes no que diz respeito à evangelização cotidiana: O Canto Coral nas Paróquias.
Villa-Lobos, que fora grande defensor da educação musical desde tenra idade, via no canto em conjunto um caminho seguro para o processo de musicalização. “É preciso fazer o mundo inteiro cantar”, dizia o referido Maestro, e, acredito eu, continuaria ele afirmando esta extrema necessidade, quase tão extrema como a última das unções, principalmente tendo em vista a galopante decadência estética, moral e espiritual que nossa sociedade contemporânea vive. E o que tem Villa-Lobos com nossas amadas Paróquias? Que teria nosso grande Maestro com o assunto aqui abordado? Bem… se cantar é, como também ele afirmou, “tão útil como o Pão e a Água”, entendemos em seu romantismo retórico que a Música tem como prerrogativa participar daquilo que é mais essencial e profundo na natureza humana. É, por assim dizer, um fenômeno ontológico[2].
Em nada divergem destas máximas os nossos corais paroquiais. Grandes e refinados, ou pequenos e modestos, o canto em conjunto dentro da realidade litúrgica atinge aos que dele participam de forma contundente, seja o seu diretor, sejam os coristas. Atinge, de certo, aspectos humanos múltiplos, aprimorando-os positivamente, sem dúvidas. Seja culturalmente, seja intelectualmente, seja disciplinarmente, e, o mais importante, seja espiritualmente, ninguém sai ileso ao participar de um coral paroquial. A exigência dos ensaios, a disciplina dos estudos, até a contemplação do bom êxito do trabalho realizado, cuja beleza cerca os sentidos, levando à contemplação as inteligências educadas, e à estupefação as menos refinadas.
E de que falam essas obras musicais? O que cantamos nas Paróquias? Cantamos os sacramentos, os mandamentos, o catecismo, os textos dos santos, as antífonas, entre tantos outros elementos de nossa Mãe Igreja. Cantamos, enfim, o Próprio Cristo, que se faz presente no Santo Sacrifício da Missa, escondido nas espécies singelas do vinho e do pão, frutos do trabalho humano. E, se cantamos o Cristo, é Ele quem é comunicado aos sentidos humanos, inevitavelmente evangelizando a todos que desta música, de alguma forma, gozam, desde o povo de Deus, até o Sacerdote celebrante, bem como o próprio Coro que ela executa.
Se justiça é, em seu conceito clássico, dar ao outro o que é devido, que nossos corais paroquiais possam oferecer, em cada liturgia celebrada que conta com sua participação, o mais perfeito louvor possível dentro de suas capacidades e habilidades. Seja o Sr. Regente um verdadeiro desbravador, procurando extrair o máximo possível de seus coristas, dentro da realidade que se impõe inevitavelmente. Sejam os cantores, leigos ou profissionais, sensíveis ao Maestro que os conduz, deixando-se moldar através da técnica, para que a beleza artística seja ponte da graça de Nosso Senhor, que age através da oração inspirada por estas mesmas peças musicais. Seja, enfim, a nossa música litúrgica, fonte inesgotável de beleza que comunica o divino, e não a nós mesmos.
“Prendei, ó Senhor, com doce bondade, aos vossos preceitos a nossa vontade”[3].
Maestro Gabriel Solia
Regente titular da Schola Cantorum do Seminário Arquidiocesano de São José, professor de música, organista e regente de corais litúrgicos
[1] – Pe. José Alves, na apresentação da Obra “Cantarei ao Senhor”, de 1971.
[2] – i. é., inerente ao homem.
[3] – Última estrofe da Peça “Na simplicidade”, composta pelo Pe. José Alves, contida nas chamadas “Fichas Pastorais”.