No dia 9 de julho, comemorou-se os 12 anos do falecimento de nosso venerável predecessor, o Eminentíssimo Senhor Cardeal Eugenio de Araujo Sales, que governou com grande sabedoria a Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro de março de 1971 até o ano de 2001.
As obras e a memória do Cardeal Sales falam por si só em nossa arquidiocese, na Igreja no Brasil e na Igreja que peregrina em todo o mundo.
Dom Eugenio nasceu no interior do Rio Grande do Norte, fez seus primeiros estudos em Natal e ingressou no Seminário da Prainha, em Fortaleza, Ceará, no ano de 1931. Foi ordenado padre em 1943. Em 1954, aos 33 anos, foi nomeado bispo auxiliar da Diocese de Natal. Em 1968, foi nomeado arcebispo de Salvador, e, em 1969, recebeu do Papa Paulo VI o barrete de cardeal. Em março de 1971, D. Eugenio foi nomeado arcebispo metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, função que exerceu até o ano de 2001. Após sua renúncia aceita pelo Papa João Paulo II naquele ano, Dom Eugenio continuou a residir no Rio de Janeiro, como arcebispo emérito.
É preciso destacar a participação decisiva do Cardeal Sales em uma das principais ações de solidariedade em todos os campos no Brasil, a Campanha da Fraternidade. Ela foi idealizada pelo Cardeal Eugenio de Araujo Sales, em 1961, quando ele era administrador apostólico de Natal, expandida para outras 16 dioceses nordestinas no ano seguinte e só então assumida, nacionalmente, pela CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil –, em 1964, com o tema: “Igreja em Renovação!”. Estamos comemorando os 60 anos da Campanha da Fraternidade neste ano, e precisamos lembrar do seu principal arquiteto.
Sempre me recordo da passagem do Papa São João Paulo II pelo Brasil, pois em 2 de julho de 1980, em nossa Catedral Metropolitana, o Papa São João Paulo II manifestou todo o seu carinho para com o saudoso Cardeal Sales e por toda a Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro. Vale a pena, na íntegra, relembrar a proximidade do Papa Woytila com o Cardeal Sales e a Igreja do Rio: “Neste meu peregrinar pelo Brasil, já tive a alegria de ver muito do vosso belo país, da bondade, nobres sentimentos e espírito de fé da sua gente. E aqui estou vendo a mesma coisa. Deus seja louvado! Agradeço ao meu querido irmão, o senhor Cardeal Dom Eugenio de Araujo Sales, e, por ele, a todos, esta boa acolhida, que me é dispensada agora e que tenho tido aqui na Arquidiocese do Rio de Janeiro: da comissão de preparativos às entidades e pessoas todas que intervieram. Com o senhor cardeal arcebispo, quero saudar os seus bispos auxiliares e todos os sacerdotes diocesanos e religiosos que compõem o presbitério e, de modo particular e íntimo, compartilham com o pastor diocesano as responsabilidades de mensageiros e distribuidores dos bens da salvação. Olhai: como “sal da terra” e “luz do mundo”, vós procurais edificar aqui a Igreja, com bem elaborados Planos de Pastoral. Sede sempre presença visível do sagrado nesta grande metrópole, vivendo e agindo cada um de vós como na verdade é: um “alter Christus” que passa fazendo o bem. Igualmente saúdo as religiosas aqui presentes e representadas. Sei que estais bem organizadas, aqui no Rio, e conheço o vosso apoio ao trabalho pastoral, para além do sempre essencial apoio da vossa vida de oração: vivei a vossa consagração com generoso empenho, adesão e disponibilidade ao Senhor; vivei-a em Igreja e ao serviço da missão da Igreja. Fortes na fé, sede alegres na esperança! E a todos os fiéis diocesanos – dos assessores do senhor cardeal arcebispo, aos funcionários da diocese, aos que se dedicam a atividades de caridade e assistência, passando pelos seminaristas, pais e mães de família, jovens e crianças, até “aos mais pequeninos”, os que sofrem no corpo ou na alma – a todos, enfim, sem querer esquecer ninguém, chegue a minha cordial saudação e a certeza da minha estima em Cristo. A todos deixo esta lembrança do encontro com o Papa: “Tudo o que fizerdes, fazei-o de todo o coração, como quem o fez pelo Senhor”. E, em todas as coisas e sempre, “servi ao Senhor Jesus Cristo” (Col. 3, 23-24). Com a minha bênção apostólica!”
A sua marca registrada era a sua fidelidade a Cristo e à Igreja. Ele era seguro na doutrina e no magistério da Igreja de Cristo. Seguro no ensino da doutrina e na vivência dos valores evangélicos, ele governou a arquidiocese com sabedoria e levou a todos na busca da santidade.
Desde que chegou ao Rio de Janeiro, colocou como centro de sua ação pastoral o cuidado com as vocações e o aumento do número de ordenações sacerdotais. O Cardeal Sales foi o bispo diocesano que mais padres ordenou para a Igreja do Rio de Janeiro. O Seminário São José foi a menina de seus olhos.
O Cardeal Sales vivenciou um dos períodos mais conturbados da História do Brasil e soube, como poucos, agir de forma equilibrada. Através de suas ações, Sales mostrou que é possível acolher aqueles que sofrem sem comprometer os princípios da Igreja.
Durante o movimento militar no Brasil, enquanto alguns religiosos adotavam uma postura mais confrontadora, Dom Eugenio Sales optou por um caminho de acolhimento e proteção silenciosa. Sua estratégia, embora criticada por alguns como uma postura de conivência, revelou-se eficaz na proteção de vidas. Sales abrigou mais de quatro mil perseguidos pelos regimes militares sul-americanos, incluindo argentinos, chilenos, uruguaios e paraguaios. Suas visitas aos presos políticos no Natal e na Páscoa demonstravam um compromisso constante com os valores cristãos de caridade e compaixão.
Ao mesmo tempo, Dom Eugenio também foi um dos principais críticos do que se chamava de “politização da fé”, entendendo que não cabia à Igreja tomar partido. Em matéria do jornal “O Globo” divulgada após sua morte, foi relatado que o Cardeal Sales acreditava que essa abordagem desviava os ensinamentos centrais da Igreja. Sua posição mostra um homem comprometido com a preservação da doutrina tradicional da Igreja, evitando que esta se tornasse um instrumento de luta política.
A postura de Dom Eugenio Sales revela um equilíbrio delicado entre ação e discrição, proteção e prudência. Ele soube utilizar os valores católicos para acolher os oprimidos, sem ceder à tentação de partidarizar a Igreja. Sua habilidade em articular a proteção dos perseguidos sem comprometer a independência da Igreja Católica é um testemunho de sua sabedoria e firmeza de caráter.
Em um período em que a linha entre fé e política era frequentemente cruzada, Dom Eugenio manteve-se firme em sua convicção de que a Igreja deveria ser um refúgio seguro para todos, independente de suas ideologias. Sua atuação silenciosa, mas eficaz, salvou inúmeras vidas e preservou a integridade da instituição que ele tanto amava.
Assim, o legado de Dom Eugenio Sales é um exemplo poderoso de como os valores católicos podem ser aplicados em tempos de crise, oferecendo esperança e proteção aos necessitados sem comprometer os princípios fundamentais da fé. Sua vida e obra continuam a inspirar aqueles que buscam um caminho de justiça e compaixão, ancorados na tradição e na moralidade cristã.
Do céu, querido Dom Eugenio, intercedei por nós e pela amada Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro!
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ