O arcebispo do Rio de Janeiro, Cardeal Orani João Tempesta, concedeu coletiva de imprensa após seu retorno do Vaticano, no Edifício São João Paulo II, na Glória, na manhã do dia 14 de maio. Ele participou das exéquias do Papa Francisco e do conclave que elegeu o novo Pontífice, Papa Leão XIV. O arcebispo compartilhou suas experiências e impressões sobre o período de transição na Igreja e o perfil do sucessor de Pedro.
Dom Orani relatou que a notícia da morte do Papa Francisco, no dia 21 de abril, foi uma surpresa. Explicou que, com o falecimento do Papa, ou em caso de renúncia, o Colégio dos Cardeais passa a ser responsável pela Igreja, liderado pelo cardeal camerlengo e pelo decano dos cardeais. “Foi necessário decidir em conjunto sobre o velório, os celebrantes dos nove dias de luto e o sepultamento. Simultaneamente, ocorreram as congregações gerais que antecedem ao conclave, onde os cardeais puderam manifestar suas preocupações livremente”, disse. Por fim, foi tomada a decisão sobre o início do conclave, momento em que as portas da Capela Sistina são fechadas, cabendo aos cardeais a responsabilidade de eleger o novo Papa, que deve obter no mínimo 2/3 dos votos, até que a fumaça branca anuncie a eleição.
Este período importante na vida da Igreja atraiu enorme interesse por parte dos meios de comunicação. Havia mais de cinco mil jornalistas identificados e autorizados na Praça de São Pedro, que puderam reportar os acontecimentos para seus países. Segundo Dom Orani, isso demonstra o interesse na missão que a Igreja Católica exerce no mundo. “O Papa, por sua vez, tem uma grande responsabilidade em nome da Igreja. Ele é o pastor de cerca de um bilhão e meio de católicos em todo o mundo, mas também tem preocupações com toda a Humanidade. Sempre se posiciona em temas como paz, justiça social, direitos humanos, meio ambiente e a necessidade de diálogo entre culturas e religiões, buscando promover a construção de um mundo mais justo e fraterno”, disse.
Apesar do intenso interesse das pessoas, o que ocorre no conclave permanece sob rigoroso sigilo. Pelo juramento feito por cada cardeal diante de Deus, “o que acontece no conclave fica apenas no coração de cada um. É uma realidade que ninguém registra ou fotografa, permanece na memória para a vida inteira”, disse. Durante o conclave, todos os cardeais ficaram sem celular e até sem smartwatches, que foram colocados em envelopes lacrados, a serem abertos somente após a eleição. Para saber a hora, os cardeais precisaram providenciar despertadores ou relógios analógicos. Os sinais de internet foram bloqueados em toda a região da Capela Sistina e da casa Santa Marta, o que chegou a dificultar o trabalho dos meios de comunicação externos.
Participar deste processo foi, para Dom Orani, uma experiência marcante, sendo seu primeiro conclave. Muitos dos cardeais presentes eram “de primeira viagem”. Ele já conhecia o documento público sobre o conclave, mas vivenciá-lo na prática “é sempre algo emocionante, por fazer parte de um momento histórico”. O arcebispo relatou ter “visto e sentido a ação do Espírito Santo”, disse. Mencionou que muitas pessoas tinham apostas sobre quem seria o próximo Papa, e aqueles que apostaram ou acharam que o conclave seria longo (devido ao fato de os cardeais não se conhecerem, vindos de países distantes como Tonga, Oceania e Mongólia) ficaram frustrados. Ele explicou que, aos poucos, a proximidade nas reuniões e celebrações ajudou os cardeais a se conhecerem melhor.
Temperando as expectativas externas e apostas, Dom Orani ressaltou a natureza espiritual da eleição: “Não se tem conchavo no conclave. Cada cardeal pede as luzes do Espírito Santo para votar naquele que Deus inspirar para governar a Igreja”, disse. Ele observou que, aos poucos, tudo vai convergindo, e como prova disso, a eleição aconteceu em apenas 24 horas. Diferente do que o mundo pensa, “quem conduz a Igreja é o Espírito Santo”, disse. Pelas repercussões, o cardeal testemunhou que o Papa Leão XIV foi acolhido com carinho pelas pessoas de bem do mundo inteiro. Descreveu o novo Papa como uma pessoa culta, bem informada, que conhece as realidades do mundo, e ao mesmo tempo, disponível e simples na sua caminhada de pastor.
O resultado deste processo, guiado pelo Espírito Santo, foi a eleição do Papa Leão XIV, cuja apresentação ao mundo revelou suas primeiras mensagens e seu perfil. Quando foi apresentado no balcão central da Basílica Vaticana, imediatamente após a eleição, desejou a todos “A paz esteja convosco”, a mesma saudação do Ressuscitado. Em seguida, manifestou sua preocupação com as guerras, declarando: “Não mais a guerra”. Segundo o arcebispo, ele segue as preocupações do Papa Francisco em relação à paz, repetindo que “a guerra é uma derrota”. Dentro da Igreja, as preocupações são outras, como as vocações, a evangelização e a missão, entre outros temas.
Dom Orani também apresentou detalhes sobre a origem e a trajetória do novo Papa. Leão XIV nasceu nos Estados Unidos, estudou em Roma, onde cursou dogmática e Direito Canônico, e também se formou em Matemática. Viveu grande parte de sua vida pastoral no Peru, onde foi nacionalizado, depois se tornou bispo, caminhando no meio do povo de Deus. Como prior geral dos Agostinianos, viajou por muitos países, o arcebispo destacou que ele traz a espiritualidade de Santo Agostinho. No dia de sua eleição, Leão XIV se referiu a si mesmo dizendo: “Sou agostiniano” e repetiu a frase de Santo Agostinho: “Convosco sou cristão, para vós eu sou o bispo”.
A escolha do nome Leão XIV, segundo Dom Orani, indica um desejo de seguir os passos do Papa Leão XIII, que foi o primeiro Pontífice a lançar uma encíclica social, a “Rerum Novarum”, atualizada por seus sucessores. Leão XIV parece reconhecer que hoje existem outras “revoluções”, como a inteligência artificial, que também precisam de direcionamento, assim como outras questões, para o bem dos trabalhadores e das pessoas. O arcebispo mencionou sua ligação pessoal com o novo Papa. Como prior geral dos agostinianos, o então frei Robert Francis Prevost esteve em várias cidades do Brasil, incluindo o Rio de Janeiro, onde visitou paróquias confiadas aos agostinianos e participou da Jornada Mundial da Juventude, em 2013. Dom Orani o encontrou algumas vezes em Roma, no Dicastério para os Bispos, onde era prefeito, tratando de questões a serem resolvidas da Arquidiocese do Rio de Janeiro. Também teve a oportunidade de conhecê-lo melhor na plenária da Comissão da América Latina, na qual ele dirigia, Dom Orani faz parte.
O arcebispo também partilhou experiências pessoais de interação com o novo Pontífice. Ao chegar em Roma para o conclave, procurou o então Cardeal Prevost, prefeito para o Dicastério para os Bispos, para conversar sobre questões relacionadas aos bispos da Arquidiocese do Rio de Janeiro. No entanto, acharam melhor deixar para depois do conclave. Após a eleição, o Cardeal Tempesta continuou a conversa, mas já como Papa, o que deve ser resolvido pelo seu sucessor no referido dicastério. Dom Orani foi recebido na residência provisória do Papa, na segunda-feira, às 17h (horário da Itália). Na ocasião, Dom Orani pôde explicar e se desculpar por não participar da missa inaugural do pontificado de Leão XIV. A ausência se deu porque havia compromissos no Rio de Janeiro, em 17 de maio, incluindo a ordenação de 12 presbíteros e a apresentação dos três novos bispos auxiliares. Além disso, atividades relacionadas ao jubileu, com peregrinações e ações missionárias nos 12 vicariatos da arquidiocese.
Uma das características do Papa Leão XIV é o gesto da escuta. Dom Orani descreveu-o como alguém que tem uma atenção muito grande para com as pessoas e sabe escutar. “Ele acolhe, escuta, para depois tomar a decisão e dar os direcionamentos necessários”, disse.
Sobre a possibilidade de o novo Papa visitar o Brasil, não há previsão. Embora tenha havido o convite para participar neste ano da COP30, a ser realizada em Belém do Pará, e o próprio Cardeal Tempesta tenha feito um convite para visitar o Rio de Janeiro, “seria necessária uma motivação forte na arquidiocese ou no país para que a viagem ocorresse”, disse. A única viagem do novo Papa que já está programada, e que havia sido planejada pelo Papa Francisco, é para participar das celebrações dos 1.700 anos do Concílio Ecumênico de Niceia, em julho, na Turquia.
Carlos Moioli