Celebrando os 15 anos do Acordo Brasil-Santa Sé: uma reflexão sobre os impactos e significados

Há 15 anos, em 13 de novembro de 2008, o Brasil e a Santa Sé assinaram um marco importante em suas relações bilaterais: o Acordo Brasil-Santa Sé, formalizando o entendimento entre o Estado brasileiro e a Igreja Católica. Esse acordo não foi apenas uma formalidade diplomática, mas sim um documento com grande relevância para as relações entre a Igreja e o Estado, consolidando a colaboração mútua em diversas áreas e fortalecendo o papel da Igreja Católica na sociedade brasileira. Esta reflexão sobre os 15 anos do Acordo nos permite examinar seus impactos, significados e relevância, tanto para o Brasil quanto para a Santa Sé, num contexto de respeito mútuo e cooperação.

O Acordo Brasil-Santa Sé surgiu num momento de amadurecimento das relações entre a Igreja Católica e o Estado brasileiro. Embora a Igreja tivesse uma presença marcante no Brasil desde os tempos coloniais, a assinatura do Acordo em 2008 foi uma forma de consolidar, em termos jurídicos e diplomáticos, direitos e deveres que, até então, eram pautados por uma convivência não formalizada.

A Constituição de 1988 do Brasil, ao declarar o Estado como laico, consolidou a liberdade religiosa, garantindo igualdade entre as diversas expressões de fé. No entanto, o Brasil é o maior país católico do mundo, e a influência da Igreja Católica no desenvolvimento da cultura, educação, saúde e caridade no país é inegável. O Acordo veio, então, como uma necessidade de reconhecer essa influência e estabelecer parâmetros claros para a atuação da Igreja em campos como a educação, a preservação do patrimônio religioso e o trabalho de caridade.

Conforme o texto do Acordo, alguns dos principais pontos tratados incluem o reconhecimento da personalidade jurídica da Igreja e suas instituições, a garantia de liberdade de culto, o respeito ao patrimônio histórico-religioso e as isenções fiscais para atividades religiosas. Além disso, o Acordo fortaleceu o ensino religioso nas escolas públicas, que, embora opcional, deve ser oferecido com pluralidade de crenças, garantindo que a educação religiosa seja conduzida de maneira livre e sem imposições.

Um dos principais pontos de impacto do Acordo Brasil-Santa Sé é no campo da educação. A Igreja Católica tem uma longa tradição de atuação na educação brasileira, desde o período colonial até os dias atuais, sendo responsável pela fundação de inúmeras escolas, universidades e instituições de ensino. O Acordo reafirmou o direito da Igreja de continuar a oferecer educação religiosa nas escolas públicas, em conformidade com a legislação brasileira e respeitando o caráter laico do Estado.

O Papa Francisco, em uma de suas mensagens, enfatiza o papel da educação como ferramenta de transformação: “A educação é um ato de esperança que, do presente, olha para o futuro” (mensagem em vídeo por ocasião do Simpósio na Casina di Pio IV, no Vaticano, em 16/12/2020). Este pensamento se reflete nas ações da Igreja no Brasil, onde a educação religiosa busca não apenas formar bons cidadãos, mas também seres humanos íntegros, comprometidos com o bem comum.

O Acordo também influenciou a preservação do patrimônio cultural e histórico religioso. A Igreja Católica possui um vasto acervo de igrejas, museus, bibliotecas e outros bens culturais que fazem parte do patrimônio histórico do Brasil. O reconhecimento do papel da Igreja na preservação desse patrimônio, muitas vezes em parceria com o governo, garantiu a continuidade de projetos que visam não apenas a preservação de bens materiais, mas também a valorização do patrimônio imaterial ligado às tradições religiosas.

Além de sua presença na educação e na cultura, a Igreja Católica no Brasil tem um papel fundamental na prestação de serviços sociais, especialmente nas áreas da saúde, assistência social e caridade. O Acordo Brasil-Santa Sé reafirma e regulamenta a atuação das organizações religiosas católicas, como as Santas Casas de Misericórdia, que são responsáveis por uma parcela significativa do atendimento hospitalar no Brasil, especialmente para a população mais carente.

O Papa Francisco, ao destacar a importância da solidariedade, afirmou que “a verdadeira fé no Filho de Deus feito carne é inseparável do dom de si, da pertença à comunidade, do serviço, da reconciliação com os outros” (Evangelii Gaudium 88). Esta orientação encontra ressonância na atuação da Igreja no Brasil, especialmente em projetos voltados para o acolhimento de refugiados, a defesa dos direitos dos mais vulneráveis e o combate à fome e à pobreza.

O Acordo consolidou o papel das entidades católicas que, historicamente, têm prestado esses serviços à população, reconhecendo sua importância e garantindo um marco jurídico para sua continuidade. Isso significa que a Igreja pode continuar a atuar em áreas onde o poder público nem sempre consegue chegar, levando ajuda a populações marginalizadas e promovendo a dignidade humana.

Outro aspecto importante do Acordo foi o fortalecimento das relações diplomáticas entre o Brasil e a Santa Sé. As duas partes firmaram um compromisso de cooperação mútua, reconhecendo o papel da Igreja Católica como parceira na promoção de valores éticos e morais na sociedade brasileira. Ao longo desses 15 anos, o diálogo entre o governo brasileiro e a Santa Sé se intensificou, permitindo uma colaboração mais estreita em temas como a justiça social, os direitos humanos e a paz.

O Papa Francisco, em seu pontificado, tem enfatizado a necessidade de uma Igreja em saída, que dialogue com o mundo, e isso inclui a promoção do diálogo inter-religioso e do respeito à liberdade religiosa. O Acordo Brasil-Santa Sé se alinha a esse pensamento, garantindo que a Igreja Católica tenha espaço para praticar e divulgar sua fé, ao mesmo tempo em que reafirma o compromisso do Brasil com a laicidade do Estado e a convivência pacífica entre diferentes religiões.

Ao celebrarmos os 15 anos do Acordo Brasil-Santa Sé, é importante destacar não apenas seus impactos imediatos, mas também os significados mais profundos desse marco histórico. O Acordo representa o reconhecimento do papel da Igreja Católica na sociedade brasileira, não apenas como instituição religiosa, mas como parceira ativa no desenvolvimento social, cultural e moral do país.

O Papa Francisco frequentemente nos lembra da importância de a Igreja estar atenta aos sinais dos tempos. Ele nos convida a uma reflexão contínua sobre nossa missão no mundo contemporâneo, afirmando: “Não devemos ter medo de ser uma Igreja que caminha nas ruas, uma Igreja aberta e presente na vida das pessoas” (Evangelii Gaudium, 20). Esta é uma mensagem que ressoa fortemente no Brasil, onde a Igreja Católica continua a desempenhar um papel central na vida de milhões de brasileiros.

Para o futuro, o desafio é continuar fortalecendo essa relação de cooperação e respeito mútuo entre o Estado brasileiro e a Santa Sé, garantindo que o Acordo continue a ser um instrumento de promoção do bem comum, da justiça social e do diálogo inter-religioso. A Igreja, por meio de suas ações e sua comunicação, precisa continuar a ser uma força de transformação, atuando em prol dos mais vulneráveis e promovendo os valores do Evangelho em todas as esferas da sociedade.

Ao refletirmos sobre os 15 anos do Acordo Brasil-Santa Sé, percebemos que ele é muito mais do que um documento diplomático. Ele é uma expressão do compromisso entre a Igreja Católica e o Estado brasileiro em promover o bem comum, garantir a liberdade religiosa e fortalecer as bases de uma sociedade mais justa e solidária. Que possamos, nos próximos anos, continuar celebrando essa parceria frutífera e, com coragem e esperança, enfrentar os desafios do mundo moderno, sempre com o olhar voltado para a dignidade humana e o cuidado com o próximo.

 

Orani João, Cardeal Tempesta, O.Cist.

Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro-RJ

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