Celebrar a arte como expressões da fé: Catholic Music Awards 2025

No dia 27 de julho, Roma anunciou ao mundo os vencedores do Catholic Music Awards 2025; uma noite de gala, canções e troféus, realizada no grandioso Auditório da Via della Conciliazione.

Promovida pela Fundação Ramón Pané, com a colaboração da Pontifícia Academia Mariana Internacional e a chancela dos Dicastérios da Comunicação e da Evangelização, esta iniciativa celebra a possibilidade camaleônica da arte sacra de se manifestar nas mais variadas formas, a fim de atender ao chamado do anúncio e expressão da Fé.

Os números impressionam: cerca de mil e quinhentas inscrições, sessenta e oito jurados e dezenove categorias, cada qual subdividida nas quatro línguas oficiais do evento (português, espanhol, inglês e italiano).

Em língua portuguesa, destaque para a Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, triplamente premiada com: Maíra Jaber (Melhor Canção Mariana, com “Espelho de Mulher”); Marcelle Rocha (Melhor Cantora Feminina, com “Mar do Coração”); e Raní Jaber (Melhor Canção Catequética, “Jamais te deixo só”).

De outras regiões do Brasil, foram condecorados nomes individuais, como Albanita de Cássia, Cassiano Menke, Flavinho Ferreira, Jonny Mendes, Pitter Di Laura, Thiago Tomé e Ziza Fernandes; além de grupos, como Ministério Amor e Adoração, Rosa de Saron e Vida Reluz. Coroação de histórias inspiradoras, que fulguram esmero e dedicação ao Belo.

Evidentemente, a idealização e realização de um evento deste calibre é uma façanha. Para além disso, também é uma mensagem. Assim, como num exercício de exegese, para entendermos um texto devemos ler do texto as suas letras e os interstícios entre elas. Em meio a entrevistas, registros e testemunhos dos candidatos finalistas e ganhadores, temos a oportunidade de ler aquilo que está em relevo, mas também aquilo que está na paisagem.

Do ponto de vista teológico, a música se estabelece no cristianismo desde o halel entoado por Jesus na instituição da Eucaristia. Se revisitamos ainda nossas raízes judaicas, passamos pelo Saltério de Davi, pela Canção ao Mar dos israelitas durante a travessia do Mar Vermelho… até chegar na própria voz divina, anterior ao próprio Tempo e que tudo cria, através do som.

Já do ponto de vista musicológico histórico, a música eclesiástica se estende desde as primeiras fontes documentais da notação adiastemática do cantochão gregoriano, nos monastérios da Europa Central medieval, até as expressões artísticas posteriores ao documento “Musicam Sacram”, de 1967, numa Igreja capilarizada em todo o globo.

Portanto, é inevitável que qualquer iniciativa que intenda abordar a Música Sacra Católica deva situá-la num recorte temporal, estilístico e geográfico — e não ao corpus musical eclesiástico como um todo. No caso do Catholic Music Awards, abrange-se, mais especificamente, um recorte da música católica pós-conciliar, inspirada por gêneros populares do cenário fonográfico norte-americano a partir dos anos de 1960: o rock, o country, o gospel, o hip-hop, o pop e a “worship music”, de influência de denominações cristãs neopentecostais.

É muito belo ver como tais gêneros, consolidados sobretudo no âmbito secular, também são canais de manifestação da piedade popular e dos valores da Fé católica. No entanto, ao ouvido musicológico internacional, chama a atenção o fato de que ainda se sente forte resistência a gêneros musicais identitários do âmbito latino-americano, bem como gêneros de matriz africana, indígena ou híbrida.

Da mesma forma, sente-se a ausência do diálogo com o patrimônio da música regional tradicional, anterior ao Concílio Vaticano II ou ao “Tra le sollecitudini”, de Pio X, assim como à música de concerto experimental da música acadêmica pós-movimentos de vanguarda do século XX. (Isso tudo, mesmo considerando apenas o contexto geográfico falante das línguas contempladas pelo concurso!)

Muitas vezes, a música produzida dentro desses âmbitos artísticos recebe mais atenção no terreno extra do que intraeclesiástico. De certa forma, tem-se a impressão de que os âmbitos permanecem desconjuntados, sem uma compreensão de como essas formas podem cooperar no propósito catequético de expressão da Boa Nova.

Também a proveniência das inscrições classificadas como finalistas e daquelas premiadas não é um dado insignificante. Com exceção da língua italiana, todos os outros prêmios foram cedidos a candidatos dos continentes americanos, não obstante o evento tenha recebido inscrições de vários continentes. Vale notar que as categorias eram subdivididas pela língua das obras e não pela língua da proveniência dos artistas. Estes dados refletem, de um lado, que o continente pan-americano se mostra como uma terra frutífera e dedicada à excelência na sua produção musical hodierna.

Concomitantemente, é intrigante pensar o que faz com que haja um contraste com outros continentes, sobretudo o europeu e o africano, onde as línguas do concurso também são correntes. Por mais que os resultados resplandeçam o fulgor do trabalho pastoral e evangélico realizado no contexto das Américas, a realidade em outras regiões do mundo requer um olhar particular. Ou o trabalho catequético não alcança ainda essas localidades, ou há barreiras quase intransponíveis para que a produção dessas localidades nos alcance.

No âmbito brasileiro, também percebemos, proporcionalmente, questões semelhantes. Embora todos os gêneros musicais “importados” da indústria musical estrangeira — e, neste contexto, norte-americana, sobretudo — adquiram uma cor muito própria nas vozes e nas mãos dos nossos talentosíssimos músicos, ainda é possível sentir uma dificuldade de abraçar expressões próprias da paisagem musical brasileira (samba, sertanejo, forró, frevo, maracatu e uma lista extensa…).

Isto deve soar para nós como um alarme. Não por nacionalismo — afinal, a nossa primeira bandeira é a Cruz de Cristo —, mas por entender que todas as expressões podem ser canal de graça.

Numa categoria como “Melhor Música Tropical” — seja lá o que isso denote concretamente —, surpreende que não conste nenhuma candidatura do Brasil, um país tropical por excelência. “Tacet” brasileiro também na categoria “Melhor Coro Paroquial”, que chama atenção justamente por ter uma tradição tão extensa de música coral desde os primeiros séculos da colonização portuguesa, passando pelo barroco brasileiro, o período joanino, o período imperial, a primeira metade do século XX e daí por diante…

Apesar de todos esses pontos, é gratificante observar a qualidade do trabalho dos músicos brasileiros premiados. Expomos vozes marcantes, canções comoventes, vídeos primorosamente produzidos… O público que acompanhou a cerimônia de premiação assistiu à reverência a trabalhos já consagrados e conhecidos no âmbito católico nacional, bem como à alvorada de novos nomes que se juntam à missão evangelizadora.

Também é estimulante testemunhar o suporte concreto da Arquidiocese do Rio de Janeiro aos seus artistas. Alinhar-se com o desejo expresso do Papa Leão XIII em valorizar a música sacra passa, inevitavelmente, por valorizar quem a realmente faz: os compositores, os intérpretes, os produtores…

Em 2025, o Catholic Music Awards ofereceu à nossa Igreja a oportunidade de reconhecer esses dons artísticos que até então não contavam com uma premiação desse porte e com uma validação vaticana tão alta. Em última instância, mais do que a visibilidade que um candidato premiado pode alcançar, existe uma busca legítima por homologação. O repertório contemplado pelo CathMA, que já conta com décadas de história, recebeu finalmente um reconhecimento inédito.

Numa perspectiva mais ampla, a proposição que o Awards tem a nos oferecer é refletir sobre os tesouros negligenciados da Igreja: aqueles que pouco a pouco já consolidaram o seu espaço e aqueles que ainda estão obumbrados e precisam de luz.

Sim, o pioneirismo da iniciativa lançada pela Fundação Ramón Pané levanta questões desafiadoras: a necessidade de aproximação entre as expressões artísticas populares e as acadêmicas; a homologação das novas formas ao lado daquelas já estabelecidas; a compreensão do valor das formas contemporâneas e das formas tradicionais; a preservação do patrimônio cultural histórico e a abertura de caminhos para novos patrimônios; a compreensão de expressões artísticas ainda marginalizadas; e a desperiferização de algumas realidades sociais e geográficas.

Contudo, podemos dizer que até mesmo trazer estes temas para a reflexão está entre as conquistas do Catholic Music Awards 2025. Na expectativa da edição de 2027, em Seul, na Coreia do Sul, esperemos que esta premiação se consolide como uma referência internacional para os músicos católicos, aproximando gerações, vivências e tesouros musicais tão universais quanto a própria Igreja.

Assim, que possamos experienciar a vastidão da misericórdia e do amor do Espírito Santo, que se manifesta através de nossa arte como um sopro de infindáveis formas.

 

Roma, Itália, 30 de julho de 2025.

 

João Isaac Marques

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