A festa de Nossa Senhora das Dores é uma celebração litúrgica dedicada à Virgem Maria, especificamente em sua imagem de Mãe Dolorosa, a Mãe sofredora, que compartilhou profundamente as dores de seu Filho, Jesus Cristo. Comemorada no dia 15 de setembro pela Igreja, no dia seguinte à festa da Exaltação da Santa Cruz, essa festa tem um significado especial na espiritualidade cristã, evocando o papel de Maria na redenção e destacando a importância do sofrimento na vida do cristão. Como neste ano cai num domingo, ela só será celebrada nas igrejas sob seu patrocínio.
A devoção a Nossa Senhora das Dores tem suas raízes na Idade Média, quando os cristãos começaram a refletir mais intensamente sobre o sofrimento de Maria durante a paixão de Cristo. As primeiras manifestações dessa devoção surgiram nos séculos XII e XIII, impulsionadas principalmente pela espiritualidade dos franciscanos e dos servitas, ordem religiosa fundada em 1233, que se dedicou a honrar as dores da Mãe de Deus.
Em 1668, o Papa Inocêncio XI introduziu oficialmente a festa de Nossa Senhora das Dores no calendário litúrgico, inicialmente com a data em 15 de setembro. Ao longo dos séculos, essa celebração foi ganhando mais destaque, especialmente a partir do século XIX, quando a devoção a Maria como ‘Nossa Senhora das Sete Dores’ espalhou-se por várias partes da Europa e América Latina. A festa foi confirmada no calendário litúrgico universal pelo Papa Pio VII, após a libertação de sua prisão, por Napoleão Bonaparte em 1814, como um agradecimento à intercessão de Maria.
A devoção a Nossa Senhora das Dores não apenas remonta ao sofrimento de Maria, mas também convida os fiéis a refletirem sobre as dores que todos enfrentam em suas vidas. Dessa maneira, essa festa é um momento de solidariedade entre o sofrimento humano e o sofrimento redentor de Cristo e sua Mãe.
O título de Nossa Senhora das Dores está diretamente relacionado à participação de Maria na missão redentora de Cristo. Desde o anúncio da paixão de Jesus, Maria, como mãe, sofreu profundamente ao ver seu Filho sendo traído, julgado injustamente, torturado e crucificado. A tradição católica identifica sete grandes dores que Maria experimentou ao longo da vida de Jesus, as quais são conhecidas como ‘As Sete Dores de Maria’:
- A profecia de Simeão: No momento em que Maria e José levaram o Menino Jesus ao templo, o velho Simeão profetizou que uma espada de dor atravessaria a alma de Maria (Lucas 2, 34-35). Essa foi a primeira premonição do sofrimento que ela enfrentaria.
- A fuga para o Egito: Logo após o nascimento de Jesus, Maria e José tiveram que fugir para o Egito para salvar o Menino da perseguição do rei Herodes, que ordenara a morte de todas as crianças menores de dois anos em Belém (Mateus 2, 13-15).
- A perda de Jesus no templo: Quando Jesus tinha 12 anos, Maria e José o perderam durante uma peregrinação a Jerusalém e só o encontraram três dias depois, no templo, conversando com os doutores da lei (Lucas 2,41-50).
- O encontro com Jesus a caminho do Calvário: Maria encontrou seu Filho carregando a cruz a caminho do Calvário. A dor de ver Jesus, machucado e humilhado, caminhando em direção à morte foi um momento de intensa angústia para Ela (Lucas 23, 27-31).
- A crucificação e morte de Jesus: Aos pés da cruz, Maria testemunhou a crucificação de Jesus e esteve presente em seu momento de maior sofrimento. O Evangelho de João relata que, nesse momento, Jesus entregou Maria como mãe a João, e a João como filho de Maria (João 19, 25-27).
- A descida do corpo de Jesus da Cruz: Após a morte de Jesus, Maria recebeu o corpo de seu Filho em seus braços, numa cena de extrema dor e desolação. Essa cena é representada artisticamente em inúmeras Pietàs, que expressam a tristeza e a ternura de Maria.
- O sepultamento de Jesus: Maria acompanhou o corpo de Jesus até o túmulo, experimentando a separação física de seu Filho e a dor da morte em sua plenitude (Lucas 23, 50-56).
Essas sete dores são frequentemente meditadas em orações devocionais, como o Terço das Sete Dores, e têm profundo significado teológico. Elas revelam a íntima associação de Maria com o sofrimento de Cristo, mostrando que, embora ela não tenha sido crucificada, compartilhou espiritualmente da paixão de Jesus.
A teologia da compaixão também emerge da devoção a Nossa Senhora das Dores. A palavra compaixão significa ‘sofrer com’, e Maria é vista como um modelo perfeito de compaixão. Ela não apenas sofreu com Cristo, mas também sofre com os fiéis nas suas tribulações. A devoção a Nossa Senhora das Dores ensina que, assim como Maria se manteve firme em meio à dor, os cristãos também são chamados a permanecer fiéis em meio aos desafios e sofrimentos da vida.
A festa de Nossa Senhora das Dores é marcada por diversas tradições litúrgicas e devocionais. Em muitas igrejas, especialmente naquelas dedicadas à Virgem Maria, são realizados momentos de meditação sobre as Sete Dores de Maria. A imagem de Nossa Senhora das Dores, com seu manto próprio e o coração atravessado por espadas, é comumente venerada, sendo um dos ícones mais presentes em igrejas católicas ao redor do mundo.
Um dos rituais mais populares associados a essa festa é a procissão de Nossa Senhora das Dores, realizada em várias partes do mundo, especialmente durante a Semana Santa. Nessa procissão, os fiéis acompanham uma imagem da Virgem Dolorosa, relembrando sua participação na paixão de Cristo. Muitas dessas procissões são caracterizadas por seu tom solene e penitencial, com orações, cantos e meditações sobre o sofrimento de Maria.
Outra prática devocional é a oração do Terço das Sete Dores, que consiste em meditar sobre cada uma das dores de Maria enquanto se reza um pai-nosso e sete ave-marias. Essa devoção convida os fiéis a se unirem a Maria em seu sofrimento e a confiar em sua intercessão nas dificuldades da vida.
A figura de Nossa Senhora das Dores ocupa um lugar central na espiritualidade cristã, especialmente em tempos de sofrimento e perda. Ela é frequentemente invocada como ‘Consoladora dos Aflitos’ e ‘Refúgio dos Pecadores’, destacando seu papel como Mãe compassiva que intercede por seus filhos.
A espiritualidade mariana, centrada na figura de Nossa Senhora das Dores, convida os cristãos a verem o sofrimento sob uma nova luz: não como um fim em si mesmo, mas como parte do caminho da redenção. Maria é apresentada como o modelo perfeito de obediência e confiança em Deus, mesmo quando tudo parece perdido. Assim, ela inspira os cristãos a carregarem suas cruzes com fé, sabendo que, assim como Cristo ressuscitou, também há uma promessa de ressurreição e vitória para todos que permanecerem fiéis.
Desse modo, a festa de Nossa Senhora das Dores é uma ocasião de profunda reflexão sobre o mistério do sofrimento e da redenção. Ao lembrar as dores que Maria enfrentou ao lado de seu Filho, os fiéis são convidados a encontrar conforto em sua intercessão e a contemplar o valor redentor do sofrimento na vida cristã. Mais do que um símbolo de tristeza, Nossa Senhora das Dores é um emblema de esperança e resiliência, lembrando que, em meio às dores da vida, há sempre uma promessa de ressurreição e vida nova para aqueles que confiam em Deus.
Nossa Senhora das Dores interceda por tantas cidades e paróquias que nasceram sob o seu manto e que hoje pedem o seu patrocínio.
Orani João, Cardeal Tempesta, O.Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ