Em respeito às orientações preventivas das autoridades públicas governamentais para evitar a disseminação da Covid-19, devido ao novo coronavírus, o arcebispo do Rio de Janeiro, Cardeal Orani João Tempesta, publicou um decreto no dia 16 de março de 2020, dispensando os fiéis da obrigação de participar das missas dominicais e dos demais dias de preceito.
No mesmo decreto, recomendou aos párocos e demais sacerdotes para que continuassem a celebrar diariamente as missas, e que os fiéis pudessem, em suas casas, acompanhar as celebrações pelos meios de comunicação da própria paróquia ou da arquidiocese, a fim de favorecer a unidade e a comunhão eclesial.
Dois dias depois, na noite do dia 18 de março, Dom Orani subiu ao Morro do Corcovado, e aos pés do monumento do Cristo Redentor suplicou, junto com São Sebastião, o padroeiro da arquidiocese do Rio de Janeiro, para que Deus pudesse deter a proliferação do coronavírus na cidade, no Brasil e no mundo. O momento de oração e de intercessão, que estava sendo realizado em sintonia com o pedido do Papa Francisco, cuja iniciativa tinha a hashtag #rezemosjuntos, foi concluído com a bênção do Santíssimo Sacramento, enquanto no corpo do monumento do Cristo Redentor eram projetadas as bandeiras de 150 países.
Diante do tempo novo e diferente, Dom Orani cancelou todos os seus compromissos, passando a viver, junto com os bispos auxiliares residentes, no Palácio São Joaquim, na Glória, o distanciamento social, tanto recomendado pelas autoridades sanitárias. Desde então, as conversas, audiências e reuniões, particularmente, com o governo arquidiocesano, passaram a ser online.
Templos fechados, igrejas abertas
A pandemia limitou a presença de Dom Orani nas comunidades paroquiais, mas não impediu sua proximidade espiritual e até mesmo presencial com os fiéis, o povo de Deus a ele confiado. A partir do dia 20 de março, ele começou a celebrar diariamente, sem a presença de fiéis, na Capela do Palácio São Joaquim, dedicada a Nossa Senhora da Conceição, com transmissão pelos meios de comunicação da arquidiocese.
Segue abaixo, um resumo das reflexões que Dom Orani fez durante as celebrações eucarísticas.
‘Amar a Deus também é cuidar do próximo’
Na primeira missa, dentro do regime de isolamento social, realizada na Capela do Palácio São Joaquim, dia 20 de março, Dom Orani recordou que a Quaresma é um tempo de conversão e de mudança de vida, para celebrar a Páscoa com um coração renovado. Em meio às dificuldades que a sociedade vivencia, ele reforçou que esse período também é propício para retomar a busca pelo Senhor.
“Percebemos que muitas pessoas estão desanimadas, com medo de notícias ruins, mas a Quaresma nos mostra que, ainda assim, temos uma direção, um lugar a chegar. Em meio a tantas situações, às vezes, nos esquecemos de buscar o Senhor. Porém, os dias difíceis, de tribulação, nos fazem retomar essa busca”, disse.
Em sintonia com a Campanha da Fraternidade deste ano, que tem como lema: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” (Lc 10, 33-34), o arcebispo afirmou a necessidade de cuidar e ajudar o próximo.
“Precisamos voltar ao Senhor para que possamos amá-Lo de todo coração, bem como ao próximo. Isto significa ajudar os irmãos nesse tempo de tantas dificuldades, colocando em prática o que a Campanha da Fraternidade nos propõe com muita clareza. Amar a Deus também é cuidar do próximo”, afirmou.
‘Nos ‘claustros’ de nossa casa’
Diante da necessidade do isolamento social, Dom Orani pontuou, na celebração do dia 21 de março, que a atual geração nunca passou por uma situação semelhante, que afetou e fez parar o mundo.
“Precisamos ter corresponsabilidade, porque dependemos um do outro. Na busca de colaborar com as autoridades, a Igreja faz a sua parte. Desde o início, orientamos como receber a Eucaristia, a distância entre as pessoas e, ao mesmo tempo, buscando resolver as demais questões, as quais foram transferidas para outro momento, até chegarmos às celebrações não presenciais”, disse.
Para o arcebispo, esse é um tempo de deserto, silêncio e reclusão, tanto pela Quaresma, quanto pela orientação dos órgãos públicos.
“Sentimos falta da participação, do abraço das pessoas, de estarmos juntos. Mas podemos nos encontrar por meio dos meios de comunicação. Mesmo com o desejo de estarmos próximos, cabe a nós vivermos esse isolamento social, cada um em sua própria casa, com o intuito de não disseminar ainda mais o coronavírus. É um momento de deserto, de silêncio, de vivermos essa vida de reclusão nos ‘claustros’ de nossa casa. É o momento para rezarmos juntos, em família, é a nossa Igreja doméstica”, frisou.
‘Uma assembleia não virtual, mas real’
Na missa do dia 22 de março, Dom Orani destacou o sentido das celebrações transmitidas pelos meios de comunicação, sendo o principal deles a internet.
“Atrás das câmeras e microfones há uma grande assembleia de fiéis reunida. Estamos acostumados a nos abraçarmos, darmos as mãos, mas quis as circunstâncias que tivéssemos outro modo de fazer nossas celebrações eucarísticas, que não são virtuais, mas reais”, afirmou.
Junto com a necessidade de cumprir as normas estabelecidas pelas autoridades competentes, o arcebispo recordou a ajuda oferecida àqueles que vivem em situação de rua.
“Como cidadãos é preciso fazer a nossa parte, colaborando com as autoridades. O isolamento social é uma forma de amar o outro. Ao mesmo tempo, sabemos que muitos caminham em meio às ruas vazias, na busca de acolher, rezar e de oferecer um pedaço de pão para quem precisa. Tudo isso é a consequência de quem se importa, de quem vê e sente as necessidades do outro”, pontuou.
‘O Senhor faz nova todas as coisas’
Segundo Dom Orani, na celebração eucarística do dia 23 de março, cada cristão é chamado a dar testemunho que haverá novos céus e nova terra, e que, mesmo em tempos conflituosos, Cristo é a verdadeira vida.
“Estamos atravessando um momento difícil. A pandemia mexeu com a economia e gerou incertezas para o futuro. Há também na sociedade situações de divisões e polarizações que desanimam. Mas, o Senhor veio fazer nova todas as coisas. Somos chamados a sermos testemunhas de que a vida acontece em Jesus Cristo”, disse.
‘Renovados e reafirmados pelo Batismo’
A liturgia quaresmal do dia 24 de março apontou diversas situações em que se evidencia o simbolismo da água: o poço de Jacó, a água de Siloé e a piscina de Betesda, cujas águas eram agitadas pelo anjo e o primeiro enfermo que nela entrasse. Após o borbulhar das águas, ficava curado.
“A possibilidade de se chegar a essa piscina tornou-se agora uma certeza: Jesus passa, traz vida e cura as pessoas. Assim, nós temos também a possibilidade de uma nova vida na liberdade de filhos de Deus”, afirmou o arcebispo, na qual salientou que esse é um tempo de reflexão e renovação da fé.
“Esses dias de silêncio, inclusive nas ruas, é uma oportunidade para refletir sobre o valor da vida e da nossa missão como discípulos missionários. Que cada um, na sua casa, durante a vigília pascal que vamos celebrar após o tempo da Quaresma, esteja segurando uma vela acessa, como sinal de renovação da fé, das promessas do Batismo e de compromisso com o anúncio da Boa Nova”, exortou.
‘O ‘sim’ de cada dia’
Na Solenidade da Anunciação do Senhor, 25 de março, da qual Dom Orani celebrou o aniversário de ordenação diaconal, ele mostrou os ‘sins’ que permitem que a salvação chegue até a Humanidade nos dias atuais.
“Mesmo com a desobediência, o ‘não’ dos nossos primeiros pais, podemos perceber que a salvação chegou até nós através de vários ‘sins’, como o ‘sim’ de Maria, o ‘sim’ de Jesus, de tal maneira que tudo é reconstruído: Deus vem morar no meio de nós. Com o mistério da encarnação, contemplamos o rosto humano de Deus, Jesus Cristo, que nos conduz ao Pai”, complementou.
O arcebispo também lembrou os ‘sins’ de homens e mulheres que a cada dia fazem por amor a Deus e à Igreja.
“A Anunciação do Senhor, no tempo da Quaresma, faz com que pensemos no nosso ‘sim’ dado no Batismo, mas também em outros momentos da nossa vida. Muitos sacerdotes, que disseram ‘sim’ à vocação, reafirmaram esse ‘sim’ diante da pandemia para estarem próximos às pessoas e morreram em decorrência da doença. Ao mesmo tempo, lembramos daqueles que, mesmo perseguidos, continuam firmes no Senhor”, recordou.
Segundo Dom Orani, a Quaresma – agora em tempos de pandemia – é uma oportunidade para que a Igreja renove o seu ‘sim’ para melhor vivenciar o período pascal.
“Precisamos enxergar que não estamos sozinhos, que o Senhor está conosco. Não sabemos o que acontecerá, mas temos a certeza da presença de Cristo em nós. Somos convidados a renovar nosso ‘sim’ e colocar-se disponíveis para que as maravilhas de Deus aconteçam em nossa vida e na vida de nossos irmãos”, disse.
‘Humildes para reconhecer a mão de Deus’
Na homilia do dia 26 de março, Dom Orani acentuou a necessidade de reavivar o dom da fé em Cristo.
“Somos convidados a reconhecer os benefícios de Deus em nossa vida. Muitas vezes nos esquecemos das maravilhas que Ele faz e vamos atrás de muitos ‘deuses’. Somos chamados a voltar para o Senhor, além de crer em Jesus Cristo, algo que pode ser óbvio para um cristão. Porém, muitas vezes, O rejeitamos. Somos convidados a renovar a nossa vida nesse tempo para reavivarmos o dom de crermos n’Ele”, sublinhou.
Além disso, ele intercedeu, dizendo: “Que a Palavra nos faça humildes para reconhecer a mão de Deus, abertos à fé para encontramos em Cristo a nossa vida e, ao mesmo tempo, testemunhá-Lo nessa sociedade que tanto necessita. Peçamos o dom para aceitarmos Jesus Cristo como Senhor da nossa vida. É o tempo de reavivarmos a nossa fé”, rogou.
‘Voltemos nosso coração e andemos em Seus caminhos’
Já no dia 27 de março, mesma data em que o Papa Francisco atravessou a vazia Praça de São Pedro, no Vaticano, para conceder a bênção Urbi et Orbi, com indulgência plenária, DomOrani explicou que o pecado faz a Humanidade voltar às origens.
“A iniquidade faz com que o homem não deseje ouvir a voz de Deus. É um retorno às origens, quando Adão e Eva fizeram suas próprias vontades. Mas Jesus, na cruz, nos salvou e nos liberta dos pecados com a entrega de sua própria vida. O tempo da Quaresma é propício para a mudança, para que voltemos nosso coração para Ele e andemos em Seus caminhos”, disse.
“Façamos da nossa casa uma Igreja doméstica. O Senhor sempre nos dá as oportunidades de conversão. No silêncio da cidade precisamos pensar mais na nossa vida, na nossa família e não no tempo do relógio. Que nesta Páscoa, a qual ainda vamos celebrar nesse tempo de exílio, possamos buscar o que é essencial: Jesus Cristo, que continua presente em nossa vida”, destacou.
‘Anunciar a vida e a esperança para um mundo novo’
De acordo com o arcebispo, na homilia do dia 28 de março, o recolhimento também pode ser um tempo propício para aprofundamento e enriquecimento da fé pessoal, mas também da Igreja doméstica.
“É preciso redescobrirmos o valor da fé e o encontro com Cristo que nos transforma e ilumina nossas vidas. Esse é um tempo de enriquecimento, de preparar a nossa Igreja doméstica para a Páscoa que se aproxima. A Igreja tem a missão de anunciar a vida e a esperança para um mundo novo”, assinalou.
Reavivar o dom da fé
Na celebração eucarística do dia 29 de março, Dom Orani enfatizou a importância de ressurgir para uma nova vida e, assim, vivenciar uma amizade com Cristo.
“O Senhor nos arranca de nossas mortes, de nossos pecados, para nos fazer homens e mulheres novos. A renovação da vida batismal, assim como a celebração penitencial, que agora fazemos de outra maneira, com o coração contrito, é a maneira de ressurgimos. Ele quer estar presente em nossas casas e em nossas vidas”, pontuou.
“Assim, poderemos viver esse momento difícil. Diante de uma pandemia e de tantas ameaças, precisamos nos colocar cheios de esperança e confiança com a presença do Senhor em nossas vidas. Devemos ser sinais de quem confia no Senhor, que está presente e nos concede uma nova vida. Precisamos renovar e reavivar esse dom”, exclamou.
Abraço misericordioso de Cristo
A importância de retomar a experiência de amor com Cristo para, assim, receber o abraço de misericórdia do Pai também foi salientada pelo arcebispo na celebração do dia 30 de março.
“Ao morrer na cruz por nós, Cristo nos traz a certeza de que com Ele somos reconciliados, perdoados. É essa experiência da misericórdia do Senhor que queremos celebrar na Semana Santa, a qual participaremos de maneira diferente, mas, mesmo de longe, experimentaremos a misericórdia do Senhor. Que a Palavra de Deus nos dê sempre a confiança no Deus da vida que vem nos justificar, para que possamos andar em caminhos novos. Quem uma vez experimenta o amor de Deus e se sente chamado a voltar a esse amor, vai experimentar também esse abraço misericordioso de Cristo”, finalizou.
‘Ele caminha conosco’
Diante das dores, sofrimentos e desafios desse tempo, Dom Orani rogou, no dia 31 de março, para que o povo de Deus carregue a certeza de que o Senhor caminha com Seus filhos.
“Esses dias que antecedem a Semana Santa nos fazem refletir sobre os acontecimentos: ao entregar a própria vida, Jesus nos cura de todas as chagas e nos lava de todos os pecados. O mundo inteiro se silencia e reflete sobre esses momentos em que faremos um memorial. Que esses dias que antecedem a Semana Santa – em que a Palavra nos contará sobre a missão e a salvação que Ele traz para a cada um de nós – possamos confiar em Cristo. No meio de tantas dores e incertezas, voltemos nosso olhar para Jesus, nossa vida e salvação. Mesmo não sabendo o que vamos encontrar, tenhamos a certeza de que Ele caminha conosco”, encerrou.
Carlos Moioli