Crisóstomo: Jesus, o sumo sacerdote

A Carta aos Hebreus diz-nos que Jesus é o nosso sumo sacerdote eminente. Que sentido tem essa expressão. João Crisóstomo guia-nos na compreensão dos versículos que versam sobre este título dado a Jesus: “‘Temos, portanto, um sumo sacerdote eminente, que atravessou os céus: Jesus, o Filho de Deus’ (Hb 4, 14). Adiciona a razão deste suplemento: com efeito, não temos um sumo sacerdote incapaz de se compadecer das nossas fraquezas’ (Hb 4, 15). Por isso, dizia acima: ‘Pois, tendo ele mesmo sofrido pela tentação, é capaz de socorrer os que são tentados’ (Hb 2,18). Vê como ele o faz, igualmente. Diz o seguinte: ingressou pelo mesmo caminho que nós agora, ou antes, por um mais árduo, pois aceitou a experiência das realidades humanas. Dissera: ‘E não há criatura oculta à sua presença’, aludindo à divindade. Após tocar na carne, fala de novo, condescendente: ‘Temos, portanto, um sumo sacerdote eminente, que atravessou os céus’, e mostra maior solicitude, porque os protege como seus, e não permite que caiam. Moisés, em verdade, não entrou no repouso, Cristo, porém, ingressou. Vou dizer de que maneira” (João Crisóstomo. ‘Comentário às Cartas de Paulo’/3. São Paulo: Paulus, 2013).

O modo de entrar no repouso é pela confissão da fé na Páscoa de Cristo, pois foi por sua Páscoa que Cristo chegou ao repouso: “Não é de admirar que em parte alguma o declare. Para não parecer buscar defesa, resume tudo; ou para não parecer acusá-lo, não o diz abertamente. Pois se, apesar de nada disso ter enunciado, eles replicam: falou contra Moisés e contra a Lei; pior ainda se dissesse: Não se trata da Palestina, mas do céu. Diriam coisas mais pesadas. Não atribui tudo ao sacerdote, mas também reclama a nossa parte, a confissão. ‘Temos, portanto, um sumo sacerdote eminente, que atravessou os céus: Jesus, o Filho de Deus. Permaneçamos, por isso, firmes na profissão de fé.’ Qual confissão? De que há ressurreição, remuneração, bens inumeráveis, de que Cristo é Deus, de que há fé reta. Isto confessamos, nisto permanecemos firmes. Evidencia-se que estas coisas são verdadeiras, porque o sumo sacerdote está no céu”.

Em razão de sua morte e ressurreição, podemos dizer que Jesus não é somente sumo sacerdote, mas o é de modo eminente: “Com efeito, nosso pontífice é eminente: ‘Com efeito, não temos um sumo sacerdote incapaz de se compadecer das nossas fraquezas’. Não ignora nossas condições, como muitos pontífices que não conhecem os aflitos, nem talvez o que é aflição. De fato, entre os homens, é impossível que conheça a tribulação dos aflitos quem não a experimentou sensivelmente. Nosso sumo sacerdote sofreu tudo; primeiro suportou e depois subiu, de sorte que pode se compadecer, pois ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado. Observa que acima usou o termo: ‘Semelhante’ e aqui: ‘Como nós’. Isto é, sofreu perseguição, foi cuspido, acusado, ridicularizado, caluniado, rejeitado e, por fim, crucificado. ‘Como nós, com exceção do pecado.’ Dessa forma, indica que é possível suportar aflições aquele que não tem pecado. Por isso, também ao dizer: ‘Carne semelhante’, não está afirmando que assumiu uma espécie de carne, e sim uma carne verdadeira. Por que fala de semelhança? Tratava da carne pecadora, semelhante à nossa. A natureza era idêntica, mas completamente isenta de pecado”.

Ao nos fazer semelhantes a ele, Cristo fez-nos sacerdotes de sua graça: “‘Aproximemo-nos, então, com segurança do trono da graça para conseguirmos misericórdia e alcançarmos graça, como ajuda oportuna’ (Hb 4, 16). Qual é o trono da graça? O trono régio, do qual diz o salmo: ‘Palavra do Senhor ao meu Senhor: Senta-te à minha direita, até que eu ponha teus inimigos como escabelo dos teus pés’ (Sl 110,1). Como se dissesse: ‘Aproximemo-nos, então, com segurança’, porque temos um pontífice inocente, que venceu a terra inteira: ‘Tende coragem: eu venci o mundo!’ (Jo 16,33) Isto é, sofreu tudo, isento de pecado. Embora, diz ele, nós estejamos sob o domínio do pecado, ele é inocente, de sorte que: ‘Aproximemo-nos, então, com segurança’? Agora é o trono da graça, não a sede do julgamento. Por conseguinte, ‘Aproximemo-nos com segurança, para conseguirmos misericórdia’, tal qual procuramos. É próprio da munificência, dádiva régia. ‘E alcançarmos graça, como ajuda oportuna. Diz com exatidão: ‘Como ajuda oportuna’. Se te aproximares agora, receberás a graça e a misericórdia, pois tu te aproximas em tempo oportuno; do contrário, se te aproximares no além, de forma alguma, pois será inoportuna a aproximação”.

E esse sacerdócio não é privilégio, mas é o serviço de santificação dos sofrimentos: “Não haverá trono da graça. Existe o trono da graça enquanto o rei está sentado para agraciar, mas, ao chegar à consumação, levanta-se para o julgamento: ‘Levanta-te, ó Deus, julga a terra’ (Sl 82,2). Digamos ainda. ‘Aproximemo-nos com segurança’, isto é, não conscientes de pecado, hesitantes. Nessas condições, impossível aproximar-se com confiança. Por isso, em outra passagem, também diz: ‘No tempo do meu favor te respondi, no dia da salvação te socorri’ (Is 49,8). É ainda efeito da graça fazerem penitência os que após o batismo pecaram. Ao ouvires falar de um pontífice, não o imagines de pé; logo se apresenta sentado. O sacerdote, porém, não se senta, mas mantém-se de pé. Vês que tornar-se pontífice não vem da natureza, e sim da graça, da condescendência e da humilhação?”.

É preciso que nos aproximemos mais do Sumo Sacerdote para que o nosso sacerdócio seja cheio de vida nova: “Para nós, suplicantes, também é oportuno dizer: ‘Aproximemo-nos com segurança’. Ofereçamos apenas a fé e ele tudo nos concederá. Agora é a oportunidade dos dons. Ninguém perca a esperança. Será a ocasião do desespero, quando se fechar o tálamo, o Rei entrar para ver os convidados, o seio do patriarca tiver recebido os que merecerem. Por enquanto, não. Ainda se desenrola o espetáculo, trava-se o combate, está pendente o prêmio. Esforcemo-nos, portanto. Paulo afirma: ‘É assim que corro, não ao incerto’ (1Cor 9,26). É necessário correr, e vigorosamente. O corredor a ninguém vê, mesmo se atravessar um prado, ou lugares áridos e ásperos. O corredor não olha para os espectadores, mas para o prêmio. Sejam ricos ou pobres, zombem, louvem, ofendam, apedrejem, tomem a casa, mesmo os filhos, a mulher, seja quem for, não se volta; cuida somente de correr para receber o prêmio. O corredor nunca para, porque por pouco que for indolente, tudo perde. O corredor não só não relaxa antes do fim, mas principalmente então intensifica a corrida. Isso replico àqueles que dizem: Na juventude nos exercitamos, na juventude jejuamos, agora estamos velhos. Especialmente agora é preciso intensificar a piedade. Não me contes teus feitos de outrora. Agora sobretudo rejuvenesce, remoça”.

Ao contrário, não podemos perder a corrida para a santificação: “Os corredores que perfazem corporalmente o curso, sem dúvida depois de cobertos de cãs não poderão correr de igual modo, porque o esforço é todo corporal. Tu, porém, por que reduzes o esforço da corrida? É necessário bom ânimo, alma vigilante, a qual, contudo, se fortifica na velhice, ou melhor, principalmente então é vigorosa, alegre. O corpo, tomado de febres frequentes e doenças sucessivas, robusto embora, aflige-se. Libertado deste cerco, recupera forças. Assim também a alma tem febre na juventude, presa à ambição da glória, dos prazeres, do sexo e outros afetos. Ao chegar à velhice, repele as paixões, em parte pelo decurso do tempo, em parte pela sabedoria. A velhice diminui a força do corpo, não deixa que a alma, mesmo que o queira, se entregue a tais sentimentos, mas de certo modo reprime toda espécie de inimigos, coloca-a em lugar isento de tumultos, produz grande tranquilidade, e introduz maior temor. Ninguém, mais do que os velhos, sabe com certeza que vai morrer, e acha-se iminente a morte. Quando, portanto, aparta-se a cupidez mundana, intensifica-se a expectativa do juízo, abranda-se a teimosia da alma, não se torna mais atenta, se o quiser? Por que, então, vemos velhos piores do que os jovens? Respondes que é a suprema exasperação do vício, pois vemos os loucos, sem que ninguém os empurre, lançarem-se nos precipícios. Um velho a lutar com os vícios da juventude é o cúmulo do vício. Nem o jovem merece escusa, pois não pode dizer: ‘Não recordes dos desvios e da ignorância de minha juventude’ (Sl 25,7). Com efeito, quem continua tal na velhice, manifesta que na juventude não o foi por ignorância, imperícia, idade, mas por indolência”.

O sacerdote é aquele que nos conduz à morada santa por meio do sacrifício, dos símbolos e dos instrumentos sagrados, isto é, fazendo sagrados o que ele vive e a quem ele toca. De onde vem a eminência do sacerdócio de Cristo? Vem de sua Encarnação e Páscoa, pois ele, mais do que aquele que trata com os símbolos e instrumentos sagrados, faz-se para nós a própria realidade sagrada.

 

Carlos Frederico, Professor da Universidade Católica de Petrópolis e da PUC-RIO 

Categorias
Categorias