O dom da comunhão entre gerações no Ano Santo da Esperança: legado de Francisco, impulso de Leão XIV
No contexto do Ano Santo proclamado para 2025, a Igreja vive não apenas um tempo de graça e esperança, mas também um período de profunda memória e aprofundamento. Entre as muitas dimensões espirituais que esse Jubileu tem suscitado, a relação entre gerações tem sido frequentemente recordada.
O Papa Leão XIV, eleito após a morte do Papa Francisco em maio deste ano, tem dado continuidade a diversos gestos e iniciativas de seu predecessor, especialmente àquelas voltadas às famílias, aos idosos e à cultura do cuidado. Em uma de suas primeiras homilias dirigidas às famílias, Leão XIV retomou os ensinamentos de Francisco sobre a importância dos avós como pilares da fé e guardiões da esperança.
Ao refletir sobre o Evangelho de João, capítulo 17, Leão XIV trouxe à tona a oração de Jesus ao Pai: “Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim e eu em ti” (Jo 17,21). Essa unidade, que é expressão do amor trinitário, encontra sua primeira escola no seio da família. Pais, filhos, avós e netos participam de uma mesma história de salvação, onde cada geração é responsável por acolher, cuidar e transmitir.
O Papa Francisco, em seus últimos anos de pontificado, insistiu reiteradas vezes na necessidade de resgatar a comunhão entre gerações como antídoto contra a cultura da indiferença e do descarte. Sua voz profética denunciava com firmeza o abandono dos idosos e convocava a Igreja a integrá-los de forma plena e ativa em sua missão.
O Sumo Pontífice Leão XIV, ao retomar esse ensinamento, recorda que a velhice, que muitas vezes é vista como decadência ou inutilidade, é, na verdade, um tempo de fecundidade espiritual. Os avós são presença afetuosa e estável, mesmo em contextos familiares frágeis ou desestruturados. Como dizia Francisco, “são os rostos que nos ensinam a rezar, a esperar, a resistir”. Eles mantêm viva a chama da fé em muitas casas onde, por vezes, a vida espiritual enfraqueceu.
Essa visão foi amplamente desenvolvida por Leão XIV em sua mensagem para o V Dia Mundial dos Avós e dos Idosos, intitulada “Bem-aventurado aquele que não perdeu a esperança” (cf. Eclo 14,2), divulgada em 10 de julho de 2025. O Papa agostiniano inicia recordando que “o Jubileu que estamos vivendo nos ajuda a descobrir que a esperança é, em todas as idades, perene fonte de alegria. Quando é provada pelo fogo de uma longa existência, torna-se fonte de uma bem-aventurança plena.” O Dia Mundial dos Avós e dos Idosos é comemorado no domingo seguinte à festa de Sant’Ana e São Joaquim, neste ano dia 27 de julho.
O Sumo Pontífice Leão XIV apresenta os idosos como as primeiras testemunhas da esperança, fazendo memória de Abraão e Sara, Isabel e Zacarias, Jacó, Moisés e Nicodemos: “Deus mostra várias vezes a sua providência dirigindo-se a pessoas idosas. Com estas escolhas, Ele nos ensina que, aos seus olhos, a velhice é um tempo de bênção e graça.”
Reforçando essa dimensão eclesial e humana, o Papa Leão XIV observa que “só se compreende a vida da Igreja e do mundo na sucessão das gerações. Por isso, abraçar um idoso ajuda-nos a entender que a história não se esgota no presente, nem em encontros rápidos e relações fragmentárias, mas se desenrola rumo ao futuro.”
A comunhão entre gerações não é uma ideia abstrata, mas um bem concreto que se constrói na escuta, no perdão e na convivência. Os avós têm histórias para contar, e os netos têm perguntas para fazer. A mediação da fé passa por esse encontro, por essa partilha de vida e de graça. Como afirma o Salmo: “Escuta, meu povo, os meus ensinamentos. Inclinai os ouvidos às palavras da minha boca. O que ouvimos e aprendemos, o que nossos pais nos contaram, não o esconderemos de nossos filhos” (Sl 78,1-4).
Inspirado no espírito do Jubileu, o Papa Leão convida a Igreja a uma “revolução da gratidão”, destacando: “Olhando para os idosos nesta perspectiva jubilar, também nós somos chamados a viver com eles uma libertação, sobretudo da solidão e do abandono. A fidelidade de Deus às suas promessas ensina-nos que há uma bem-aventurança na velhice.”
E mais: “Cada paróquia, associação ou grupo eclesial é chamado a tornar-se protagonista desta revolução do cuidado, por meio de visitas frequentes, redes de apoio e oração. A esperança cristã impele-nos a ousar mais, a pensar em grande, a não nos contentarmos com o status quo.”
Ele também retoma o apelo do Papa Francisco de que esse dia seja celebrado junto aos idosos mais esquecidos. Aqueles que não puderem peregrinar a Roma podem obter a indulgência jubilar se visitarem os idosos em solidão: “Visitar um idoso é um modo de encontrar Jesus, que nos liberta da indiferença e da solidão.”
Leão XIV reconhece que a vida longa pode trazer muitas provações, mas exorta os idosos a não perderem a confiança: “Possuímos uma liberdade que nenhuma dificuldade pode tirar-nos: a de amar e rezar. Todos, podemos amar e rezar, sempre.” “Perseveremos confiantes no Senhor. Deixemo-nos renovar todos os dias, na oração e na Santa Missa, pelo encontro com Ele. Transmitamos com amor a fé que vivemos na família e nos encontros quotidianos durante tantos anos.”
O Papa Leão XIV, que assumiu a Cátedra de Pedro num momento delicado e simbólico, tem mostrado profundo respeito pelo legado de Francisco. Em especial, sua continuidade no cuidado com os mais velhos revela que não há ruptura na missão da Igreja, mas desenvolvimento orgânico da mesma solicitude pastoral.
O sempre lembrado Papa Francisco preparou esse Ano Santo como um tempo para reacender a esperança; o amado Papa Leão XIV o continua como pastor que escuta, acolhe e acompanha. A Igreja, assim, permanece fiel ao seu Senhor e à sua tradição de honrar os que vieram antes.
Que cada cristão saiba reconhecer esse chamado: reconciliar-se com suas raízes, valorizar os avós, restaurar os laços entre as gerações. Que as famílias redescubram a graça de conviver com a memória viva de sua história.
Que os idosos nunca se sintam um peso, mas uma bênção. Como diz o livro de Jó: “Com os idosos está a sabedoria, e na longevidade, a inteligência” (Jó 12,12).
Convido a todos para uma celebração especial nesse dia e proponho a todas as famílias que façam um eloquente gesto neste V Dia dos Avós e dos Idosos: participem em família com os seus avós da Santa Missa dominical, agradecendo o grande dom que são os avós e os idosos. Ato contínuo, seria oportuno uma refeição – almoço ou jantar – em conjunto, para louvar e bendizer a Deus o dom da família e o tesouro da velhice, nossos patriarcas na transmissão da fé e do testemunho evangélico para as novas gerações!
E que, sob a guia do Espírito, o povo cristão se comprometa em ser sinal de unidade num mundo fragmentado, anunciando com a vida aquilo que proclama com os lábios: que todos sejam um, como o Pai e o Filho são um.
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ