Duc in altum

Certa vez, quando estudávamos juntos no Seminário Arquidiocesano de São José, o Venerável Guido Schäffer me confidenciou uma mensagem marcante: “Alexandre, Deus me revelou que o meu sacerdócio será conhecido no mundo inteiro”. Eu era amigo do Guido, e não duvidei de suas palavras.

Contudo, fiquei intrigado quando recebi a notícia da sua páscoa. Guido não foi ordenado sacerdote. Será que meu amigo havia se enganado? Teria Deus mudado de ideia? Assisti comovido quando, durante a missa de corpo presente, na Paróquia Nossa Senhora de Copacabana, em Copacabana, nosso arcebispo, Dom Orani João Tempesta depositou simbolicamente uma estola sacerdotal sobre seus restos mortais.

Nem sempre as promessas de Deus são literais: Guido era verdadeiramente sacerdote em desejo. Meu amigo desejou muito ser ordenado sacerdote, mas acima de tudo, ele desejava ser santo.

E foram estas as palavras do padre Javier Enciso, sábio jesuíta espanhol, para a mãe do Venerável Guido Schäffer: “Nazareth, você deu muito mais do que um sacerdote para a Igreja. Você nos deu um santo!” Realmente, todos os batizados têm um chamado universal à santidade, como reis, sacerdotes e profetas, à imitação de Jesus Cristo.

O Venerável Guido Schäffer soube viver com excelência o sacerdócio comum dos fiéis, e hoje suas virtudes se tornam exemplo para cristãos de todas as nações. De fato, é um sacerdócio conhecido no mundo inteiro!

Guido Schäffer nasceu em Volta Redonda, no Estado do Rio de Janeiro, em 22 de maio de 1974. Sua avó materna era obstetra, e fez questão de fazer o parto do neto. O menino foi batizado no dia 22 de dezembro, na Igreja de Santa Cecília, em Volta Redonda. É um detalhe pitoresco para aquele que hoje é conhecido como ‘São Francisco carioca’. Embora não tenha nascido na Cidade Maravilhosa, Guido cresceu carioca, em Copacabana, à beira-mar, sob as bênçãos do Cristo Redentor.

Seu pai era um médico, e sua mãe professora de francês. Ambos tiveram grande influência na vocação à santidade do pequeno Guido. O dr. Guido, hoje já falecido, foi um brilhante patologista, e Nazareth, dedicada à educação dos três filhos, Ângela, Guido e Maurício, participa, há muitos anos, da Comunidade Bom Pastor, dentro da espiritualidade da Renovação Carismática Católica.

Por um lado, seu pai o inspirou a ser médico, e por outro, sua mãe inspirou o Venerável Guido a conhecer a Renovação Carismática Católica.

Durante um retiro da Toca de Assis, na Comunidade Canção Nova, o jovem Guido ouviu um sacerdote falar: “Não desvies o teu olhar dos pobres, pois, assim fazendo, Deus tampouco se desviará de ti” (Tobias 4,7).

Naquela altura, o Venerável Guido Schäffer havia concluído o curso de medicina na Universidade Souza Marques, e havia fundado o grupo de oração “Fogo do Espírito Santo”, na Paróquia Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, sob a orientação espiritual do padre Jorjão.

Muitos jovens da zona sul do Rio de Janeiro participavam, atraídos pelo carisma e pela piedade do jovem Guido. A experiência na Canção Nova corroborava a inspiração que tivera através dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola: assim como fez ao jovem rico, Jesus convidava o Venerável Guido a deixar as suas riquezas e segui-Lo. O rapaz olhava ao seu redor e percebeu que sua grande riqueza era o seu diploma de medicina na parede de seu quarto. Jesus o chamava a doar-se aos pobres.

Numa coincidência providencial, as Missionárias da Caridade de Madre Tereza de Calcutá visitavam a Santa Casa de Misericórdia naquela semana, pois uma das freiras seria operada. O Venerável Guido Schäffer percebeu a vontade de Deus naqueles acontecimentos, e ofereceu seus serviços de medicina às irmãs da Caridade. Foram dez anos de serviço dedicado aos mais pobres da Lapa, onde o jovem Guido, assim como São Lucas, era médico do corpo e médico da alma, tratando as enfermidades físicas e espirituais de forma integral.

O Venerável Guido Schäffer namorava uma dentista, que assim como outros voluntários, também era voluntária na Lapa, com a iniciativa “Dê um sorriso a um irmão de rua”. Os dois pensavam em casamento, mas durante a leitura do livro “Irmão de Assis”, do frei Inácio Larranãga, o jovem Guido desejou ardentemente ser livre como São Francisco para anunciar o Evangelho. Em oração, Guido ouviu a voz do Senhor a lhe dizer: “Levanta-te e será sacerdote da minha Igreja”.

Anos antes, em 1997, Guido sentira este mesmo chamado, participando da missa campal do II Encontro Mundial das Famílias, com o Papa São João Paulo II, na Praia do Flamengo.

Sob a orientação do bispo auxiliar do Rio de Janeiro Karl Joseph Romer, Guido continuou a exercer sua medicina, enquanto estudava filosofia da Faculdade do Mosteiro de São Bento. Mais tarde, em 2008, após breve experiência missionária em Queluz, no Estado de São Paulo, o Venerável Guido Schäffer entrou no Seminário São José.

Durante o evento “O Espírito sopra onde quer”, na Lapa, um mendigo gritava alto, atrapalhando a celebração da santa missa, quando se deparou com o médico que o atendia na Lapa. Guido o abraçou, e o homem parou de chorar. Outras vezes o jovem médico deixou um casaco ou tirou a própria camisa para aliviar o frio dos moradores de rua. E muitas vezes, na Santa Casa de Misericórdia, conduziu os pacientes aos sacramentos da Igreja, o batismo, a eucaristia, a confissão, a unção dos enfermos, que são capazes de curar não apenas o corpo, mas também a alma.

Tudo isso acontecia sob a inspiração da Palavra de Deus, que era alimento para o coração do jovem Guido, por muitos anos dedicado ao estudo bíblico. Suas pregações eram sinceras, com a própria vida, muitas vezes de bermuda, pois o jovem médico era também um apaixonado surfista. E foi assim, surfando, no dia 1° de maio de 2009, que o seminarista Guido Schäffer fez a sua páscoa para o Céu.

Passados cinco anos do seu falecimento, em 2014, o prefeito para a Congregação para a Causa dos Santos, Cardeal Ângelo Amato, concedeu o Nihil Obstat para que fosse dado início ao processo diocesano de beatificação e canonização. Em 2015, com a abertura oficial do processo, Guido Schäffer passou a ser chamado Servo de Deus.

Naquele mesmo ano, houve a transladação dos seus restos mortais do Cemitério São João Batista para a Paróquia Nossa Senhora da Paz, em Ipanema.

No dia 1° de maio de 2016, por iniciativa do cônego Omar Raposo e da Associação Guido Schäffer, houve a realização do 1° D.I.A. na praia (Duc in Altum), avançando rumo às águas mais profundas na evangelização, através de testemunhos e surfe na data e no local da páscoa do Venerável Guido Schäffer.

Em 2017, após o encerramento da etapa diocesana, houve a abertura oficial do processo de beatificação e canonização pela Congregação da Causa dos Santos, no Vaticano.

Em 2018, o trecho do Posto 11 da Praia do Recreio dos Bandeirantes recebeu oficialmente da Prefeitura do Rio o nome “Praia do Guido”.

Em 2019, houve também a inauguração do Memorial Guido Schäffer, localizado na Santa Casa de Misericórdia, no Rio de Janeiro.

Em 2023, o Papa Francisco autorizou a promulgação do decreto que reconhece as virtudes heróicas do jovem médico, agora Venerável Guido Schäffer.

Neste ano de 2024, mais uma vez, no dia 1° de maio, a Associação Guido Schäffer promove mais um D.I.A. na praia, com confissões, louvor, testemunhos e adoração eucarística, culminando com a celebração da santa missa.

 

Padre Alexandre Carvalho Lima Pinheiro, cooperador nas atividades pastorais do Santuário Nossa Senhora de Fátima, no Recreio dos Bandeirantes

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