‘Felizes os que promovem a paz’

Um chamado cristão em tempos de conflito

 

“Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus.” (Mateus 5,9)

À medida que a escalada da violência em várias regiões do mundo atinge níveis alarmantes, com repercussões devastadoras, especialmente para toda a região do Oriente Médio, o mundo observa, atônito, o avanço de mais um conflito de proporções trágicas. Bombardeios, ameaças de retaliação, mortes de civis e deslocamentos forçados enchem as manchetes, enquanto o horizonte da paz parece cada vez mais distante.

Nessa hora, a fé cristã não pode se manter em silêncio. A Palavra de Deus é clara ao convocar seu povo a ser instrumento de reconciliação e paz. Já nos tempos do Antigo Testamento, o profeta Isaías anunciava um tempo em que as espadas seriam transformadas em arados (Is 2,4). E, no Evangelho, Jesus nos deixa não apenas um ensinamento, mas uma identidade: os que promovem a paz serão reconhecidos como filhos de Deus.

O atual conflito não é apenas uma disputa entre dois Estados, mas o reflexo de feridas históricas, políticas e religiosas que continuam abertas. Embora as motivações sejam complexas, uma coisa é certa: nenhum povo pode ser condenado à guerra perpétua, nem ao sofrimento de gerações inteiras que jamais conheceram a paz.

Ao vermos cidades sendo bombardeadas, famílias dilaceradas, templos destruídos, devemos recordar que o mesmo Deus que chamou Abraão, pai das três grandes religiões monoteístas, deseja que seus filhos vivam em paz. O cristão, à luz do Evangelho, não pode justificar a violência com base em alianças estratégicas, interesses econômicos ou ideologias. Como nos adverte São Tiago, “a justiça é fruto da paz, semeada por aqueles que promovem a paz” (Tg 3,18).

No Brasil, embora distantes geograficamente do conflito, não estamos distantes da responsabilidade moral. Nossas orações e nossa consciência precisam estar voltadas para a promoção de pontes, e não muros. Isso se estende também à maneira como o país se posiciona no cenário internacional. Espera-se de qualquer nação democrática que sua política externa seja pautada pela defesa da paz, dos direitos humanos e da diplomacia multilateral.

É verdade que as relações internacionais são delicadas e exigem equilíbrio, mas não se pode jamais banalizar a dor dos povos. A solidariedade não pode ser seletiva. A neutralidade diante da injustiça sempre favorece o opressor. Mesmo que discretamente, os cristãos devem ter presença ativa no debate público, inspirando-se na prudência dos profetas que denunciaram a opressão, sem jamais perder a esperança.

Internamente, nosso próprio país sofre de uma violência endêmica. A paz que desejamos para o exterior também precisa ser construída em nossas cidades. O Brasil sangra todos os dias: jovens mortos em favelas, mulheres vítimas de feminicídio, povos originários ameaçados, famílias que vivem sob o medo da criminalidade e da negligência do poder público. A paz é indivisível – não se pode clamar por ela fora sem construí-la dentro.

O amado Papa Leão XIV, no Ângelus do último domingo, conclamou: “Sucedem-se notícias alarmantes vindas do Oriente Médio, especialmente do Irã. Neste cenário dramático, que inclui Israel e Palestina, leva ao risco de cair no esquecimento o sofrimento cotidiano da população, especialmente em Gaza e em outros territórios, onde a urgência de um adequado apoio humanitário se torna cada vez mais urgente. Hoje, mais do que nunca, a Humanidade clama e invoca a paz. É um grito que exige responsabilidade e razão, e não deve ser sufocado pelo fragor das armas e por palavras retóricas que incitam ao conflito. Cada membro da comunidade internacional tem uma responsabilidade moral: deter a tragédia da guerra, antes que ela se torne um precipício irreparável. Não existem conflitos “distantes” quando a dignidade humana está em jogo. A guerra não resolve os problemas, mas os amplifica e produz feridas profundas na história dos povos, que levam gerações para cicatrizar. Nenhuma vitória armada poderá compensar a dor das mães, o medo das crianças, o futuro roubado. Que a diplomacia faça silenciar as armas! Que as nações moldem seu futuro com obras de paz, não com violência e conflitos sangrentos!”

https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2025-06/papa-leao-xiv-angelus-apelo-paz-oriente-medio-guerra.html, último acesso em 22 de junho de 2025.

Aos cristãos, cabe lembrar o que disse o apóstolo Paulo: “Se possível, no que depender de vós, tende paz com todos os homens” (Rm 12,18). A paz começa em cada gesto de reconciliação, mas também exige estruturas que sustentem a dignidade humana: políticas públicas justas, segurança cidadã, promoção da equidade social.

Que o testemunho dos seguidores de Jesus, o Príncipe da Paz (Is 9,6), seja firme. Que sejamos aqueles que, mesmo em tempos difíceis, mantêm acesa a esperança da reconciliação, da justiça e da fraternidade entre os povos. Que nossas comunidades sejam espaços de acolhimento, escuta e formação para a paz. E que, acima de tudo, sejamos reconhecidos não por nossas palavras, mas pelas obras de paz que produzirmos no mundo.

 

Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.

Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

 

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