Gregório de Nissa: castelos de areia

São Gregório de Nissa nasceu em Cesareia da Capadócia, por volta de 335, e faleceu em Nissa, por volta de 394. Santo bispo da Igreja, Gregório foi um dos grandes padres da Capadócia, junto com Basílio e Gregório Nazianzeno. Gregório de Nissa, em sua formação, dedicou-se à Filosofia e à Retórica, sofrendo influência de Fílon de Alexandria e de Orígenes na interpretação alegórica das Escrituras. De sua vasta produção teológica, destacamos: A Vida de Moisés; Contra Eunômio; Sobre o Espírito Santo; Sobre os Títulos dos Salmos, assim como outras obras de exegese bíblica, de modo especial, suas Homilias sobre o Eclesiastes, de que nos ocupamos aqui, com trechos das homilias I e V. O conjunto dessas homilias, num total de oito, não abarca todo o livro do Eclesiastes. Na verdade, reduz-se aos três primeiros capítulos deste livro. Não obstante isso, seus comentários revelam a maturidade de seu pensamento teológico e místico.

A homilia I dedica-se exclusivamente a comentar o versículo 2 do capítulo primeiro: “Vaidade das vaidades, diz o Eclesiastes, vaidade das vaidades! Tudo é vaidade” (Ecl 1,2). Esta é a mais famosa passagem do livro do Eclesiastes, talvez a mais famosa citação dos livros sapienciais: “vaidade das vaidades, tudo é vaidade”, analiticamente apresentada por Gregório quando comenta o versículo. Primeiramente, Gregório visa a explicar o sentido de vaidade e, em seguida, a expressão “vaidade das vaidades”. Para o significado de vaidade, Gregório distingue um sentido nominal e um real, isto é, como ensina a lógica antiga, uma coisa é o entendimento do termo e outra, do seu referencial:

“’Vaidade das vaidades, diz o Eclesiastes, tudo é vaidade’. Vão é o que não tem fundamento, o que tem existência apenas pelo uso da palavra. A verdadeira realidade não se mostra somente com a enunciação do termo, mas este é uma espécie de som ocioso e vazio, expresso por sílabas em forma de palavras no ouvido das pessoas ao acaso, sem sentido, e que são usadas por diversão. Este é um tipo de vaidade. Outro sentido de vaidade é a inutilidade das coisas feitas com empenho, sem nenhum propósito, como os castelos de areia que as crianças constroem; as flechas que atiram nas estrelas; quando perseguem os ventos; quando, correndo contra a própria sombra, tentam pisar em sua cabeça; e qualquer outra coisa do mesmo tipo que inutilmente encontramos. Todas essas atividades estão sob o significado de vaidade.”
(Gregório de Nissa. Homélies sur l’Ecclésiaste. Par Françoise Vinel. Paris: Les Éditions Du Cerf, 1996, p. 113-115, tradução do autor.)

Se o conceito puro de vaidade já nos ensina muito sobre o tema, muito mais ensinará a expressão “vaidade das vaidades”, pois, com esta expressão, o autor bíblico recorre a um superlativo que exerce uma função muito específica nas Escrituras:

“Agora, portanto, que entendemos o que é a vaidade, devemos investigar o que significa a vaidade das vaidades. A ideia examinada talvez se nos torne mais inteligível, se examinarmos ao mesmo tempo as coisas que as Escrituras consideram no comparativo. Para fazer o que é necessário e útil, usa-se o termo obra nas Escrituras, e os esforços mais elevados, voltados diretamente ao culto de Deus, são chamados de obra das obras (Nm 4,47 (…)). Isso é verdade para a palavra santo nas Escrituras, e para santo dos santos. Assim como aquilo que é santo supera o impuro em santidade, o santo dos santos supera o santo, pois é aquilo que se contempla por excelência com a aclamação ‘santo’. Não erraremos ao aplicarmos à vaidade das vaidades o que se disse sobre a expressão do comparativo acima, já que a Escritura costuma significar assim a intensidade do conceito a ser expresso. Com efeito, o texto não diz que as aparências das realidades são simplesmente vãs, mas que elas têm por excelência o sinal do que é vão, como se dissesse mais morto do que o que está morto ou mais inanimado do que o inanimado. Certamente a intensidade da comparação não se aplica a tais realidades, mas se usa deste recurso para expressar claramente o excesso que mostramos. Assim como há noções obra das obras e santo dos santos para indicar o superlativo em relação ao comparativo, da mesma forma também se usa a expressão vaidade das vaidades para mostrar o grau insuperável do excesso de vaidade.” (p. 118-119)

A homilia V, por sua vez, comenta Eclesiastes 2,20-23: “Por exemplo: um homem que trabalhou com inteligência, competência e sucesso vê-se obrigado a deixar tudo em herança a outro que em nada colaborou. Também isso é vaidade e grande desgraça. De fato, que resta ao homem de todos os trabalhos e preocupações que o desgastam debaixo do sol? Toda a sua vida é sofrimento, sua ocupação, um tormento. Nem mesmo de noite repousa o seu coração. Também isso é vaidade.”

Para Gregório, o autor do Eclesiastes reconhece nesses versículos a vaidade humana diante do destino de todo homem:

“E o autor diz que sua alma renunciou à realidade deste mundo e expõe claramente o que quer dizer. Afastou-se daquele que não é reto no julgamento quando viu a diferença flagrante que existe entre estes modos contrários de vida: um esforça-se para alcançar a virtude e não deixa seu desejo deter-se em nada humano; outro, pelo contrário, não suporta fazer esforço no que diz respeito à virtude e gasta seu tempo somente no que é benéfico a seu corpo. Quando, portanto, este homem que se declara bom e despreza aquele que o supera em sabedoria, o autor declara que este julgamento injusto não somente é vaidoso, mas também mau. E diz isso nestes termos: ‘Assim, afastei-me, com o coração sofrido, de todo o trabalho que tive sob o sol’. De que me afastei? Eis que ‘um homem trabalhou com inteligência, competência e sucesso’ e outro homem não se esforçou em nada para isso. Como, então, deixar para este homem uma herança? ‘Para um homem’, continua o texto, ‘que não se preocupou com isso’, ou seja, para aquele que não se esforçou para fazer o bem, ‘deixar sua herança’ significa dizer que ele elevará a vida de tal homem à categoria do que é bom. Porém, ‘isso é vaidade e grande mal’. Como não seria isso um grande mal para quem conhece o propósito da vida e pode escolher o que compete ao homem? Por isso o texto pergunta: ‘que resta ao homem de todos os trabalhos e preocupações que o desgastam debaixo do sol?’” (p. 291-293)

E, acrescentem-se a esse sofrimento, a ignorância e a cobiça que caracterizam a vida humana:

“Que sabe ele? Que ‘toda a sua vida é sofrimento, sua ocupação, um tormento. Nem mesmo de noite repousa o seu coração’, porque, realmente, aqueles que ocupam suas almas com tanta agitação levam uma vida de dor, seus corações são açoitados pelo desejo de aumentar seus bens como por aguilhões. Querer enriquecer é doloroso, não satisfaz a quem o consegue e fere aqueles que falham. Estes últimos compartilham, noite e dia, o esforço feito em cada um desses momentos: o dia é passado em tristezas e a noite leva o sono para longe de seus olhos, pois os cuidados com o ganho afastam o sono. Vendo isso, como não condenar a vaidade dessa preocupação? Por isso, o autor acrescenta ao que se disse: ‘Também isso é vaidade.’” (p. 293-295)

É certo que o livro do Eclesiastes se mostra cético quanto ao destino do homem, e isto não poderia deixar de ser apresentado de algum modo no comentário de Gregório. Contudo, é importante observar que São Gregório insere essas profundas palavras do Eclesiastes no conjunto progressivo da revelação e da economia divinas. Efetivamente, a ideia de concatenação progressiva da doutrina cristã é algo caro a seu pensamento. Seguindo essa premissa, ainda na homilia V, Gregório oferece-nos uma chave de leitura espiritual dessas passagens:

“O alimento do homem bom é a temperança; seu pão é a sabedoria; sua comida, a justiça; sua bebida é a impassibilidade; e seu prazer não é o do corpo, que é uma disposição para o que agrada, mas o prazer que tem por nome e por produto a felicidade.”
(p. 297)

A leitura de Eclesiastes por Gregório de Nissa, particularmente nas homilias I e V, revela não apenas a profundidade exegética e filosófica de seu pensamento, mas também seu esforço contínuo para integrar a sabedoria bíblica à jornada espiritual cristã. Interpretando a “vaidade das vaidades” como a insubstancialidade radical das realidades terrenas desprovidas de propósito transcendente, a experiência dos limites e do sofrimento, assim como a crítica à ganância e à ignorância, não confinam a reflexão ao pessimismo antropológico, mas conduzem gradualmente a alma à contemplação da única realidade que não é vã: a Palavra de Deus.

A imagem dos castelos de areia não é, portanto, apenas uma ilustração da futilidade das obras humanas, mas um chamado à construção espiritual sobre o sólido fundamento da sabedoria divina. Gregório de Nissa lê o Eclesiastes como alguém que caminha entre sombras e luz, entre as ilusões do mundo e a verdade eterna, inserindo-o na economia da revelação. Entre o pó da vaidade e o pão da sabedoria, é na temperança, na justiça e na impassibilidade que a alma encontra seu verdadeiro alimento.

 

Carlos Frederico Calvet da Silveira

Professor da Universidade Católica de Petrópolis e do Seminário de São José, Rio.

 

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