Irmã Zilá de Carvalho: ‘Passei por dificuldades, mas nunca deixei de pedir a Deus que qualquer provação arruinasse a minha vocação’

Depois de 21 anos trabalhando no Palácio Episcopal São Joaquim, no Rio de Janeiro, irmã Zilá – acompanhada de mais duas religiosas –, é enviada em missão para o Pontifício Colégio Pio Brasileiro, em Roma, que o Instituto de Nossa Senhora do Bom Conselho assumiu a pedido da CNBB   

 

“Vou continuar dando testemunho da congregação que nasceu do carisma do coração de nossa madre fundadora em rezar e sacrificar a vida pela santificação dos sacerdotes”, disse irmã Zilá de Carvalho Duarte, que seguiu para trabalhar no Colégio Pio Brasileiro, em Roma, na Itália, no dia 3 de fevereiro. Junto com ela seguiram as irmãs Josielma Pontes Gomes e Ana Paula Campanha.

O Pontifício Colégio Pio Brasileiro, inaugurado no dia 3 de abril de 1934, com sede em Roma e, atualmente, mantido pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), acolhe presbíteros brasileiros enviados por suas dioceses para estudos de pós-graduação no campo da filosofia, teologia e de outras ciências nas várias universidades de Roma.

Nos últimos 21 anos, desde que professou os primeiros votos no Instituto Nossa de Nossa Senhora do Bom Conselho, irmã Zilá trabalhou no Palácio São Joaquim, na Glória, a residência episcopal dos arcebispos do Rio de Janeiro. Iniciou sua missão, simultaneamente, com o ministério do Cardeal Eusébio de Oscar Scheid, em 2001 e, desde 2009, continuou no governo do Cardeal Orani João Tempesta.

Após vencer os desafios, por causa da timidez em trabalhar numa residência episcopal, por sinal, com toda sua importância em vista do dono da casa ser um cardeal arcebispo, não pensava em transferência, muito menos de ser convidada para trabalhar em Roma, no Colégio Pio Brasileiro, que a congregação assumiu a pedido da CNBB, no intuito de “lançar as redes em águas mais profundas”. 

Ela não pensava em nada, embora tenha ficado preocupada na penúltima vez que a madre superiora, Conceição Pontel, ligou e disse que, no dia seguinte, iria procurá-la para conversar. “Será que a madre vai me transferir de casa?”, pensou, e não conseguiu dormir naquela noite, mas era apenas uma conversa corriqueira.

Na última vez que a madre superiora ligou, no início do mês de novembro, irmã Zilá não se importou. Dormiu bem. Dessa vez o assunto não era corriqueiro, mas um convite, uma nova missão, a de ser responsável por uma comunidade da congregação no Colégio Pio Brasileiro. “Logo eu? Nem sei a língua italiana”, disse. A madre superiora lembrou que ela tinha as características solicitadas pelo reitor do Colégio Pio Brasileiro e acrescentou: “Pelo trabalho que faz aqui não vemos outra pessoa”. “Não tenho coragem”, alegou irmã Zilá, mas a madre superiora encerrou a conversa, dizendo: “Pensa, reza depois me dá uma resposta. Mas queria que você dissesse sim”.

Pensativa, irmã Zilá queria falar não, mas lembrou de seu voto de obediência, mas se dissesse sim teria que ir. Ao consultar um bispo da casa, esse aconselhou: “Tem horas que é preciso se lançar”. Depois de rezar, disse à madre superiora: “Se não tem outra pessoa, estou à disposição, mas estou com medo”. A madre logo respondeu: “Então, providencie o passaporte. Já escolhi as outras duas irmãs que aceitaram ir contigo, quando souberam que será a superiora da casa”.

“Neste tempo de decisão, pude avaliar os momentos difíceis da minha caminhada, e também a superação e as conquistas a cada dia. O novo dá medo, mas aceitei a missão de coração aberto, sempre entregando a minha vida nas mãos de Deus. Para dar o sim rezei muito e senti a presença de meus pais e da fundadora da minha congregação, madre Maria Bernadete de Jesus. Não estou sozinha, eles estão comigo, e também as bênçãos de Deus me chamaram para desempenhar essa missão”, disse irmã Zilá.

 

Surpresas de Deus

Na cerimônia de despedida e de homenagens à irmã Zilá, realizada no Palácio São Joaquim, no dia 27 de janeiro, com a presença dos bispos auxiliares residentes na casa, Dom Orani fez memória das surpresas da Providência de Deus na vida e na história das pessoas.

“O então arcebispo do Rio de Janeiro, Cardeal Sebastião Leme, que residia no Palácio São Joaquim, teve um papel de destaque na fundação do Colégio Pio Brasileiro, em Roma, em 1934. O seu sucessor, Cardeal Jaime de Barros Câmara, foi quem acolheu, em 1963, no Palácio São Joaquim a madre fundadora, Maria Bernadete, e as primeiras religiosas, tornando-se o pai espiritual do Instituto de Nossa Senhora do Bom Conselho. Agora, quando a congregação está às portas de celebrar 60 anos de fundação, uma religiosa que trabalhou por mais de 20 anos nesta mesma casa é enviada para trabalhar no Pio Brasileiro”, disse Dom Orani. 

 

Família: Berço da vocação

A menina Zilá, a quarta de sete filhos do casal de lavradores Antônio Carvalho Duarte e de Geralda Fonseca Duarte, nasceu no município de Capela Nova, em Minas Gerais, no dia 14 de maio de 1970. 

Até os 25 anos, morou na zona rural, num pequeno sítio com a família, que sobrevivia com o cultivo da terra, na qual sobressaía a plantação de café. Também havia os cultivos de milho, amendoim, feijão, arroz, alho e hortaliças. Todo o plantio e cuidados, com a ajuda de todos, era para o sustento da família, e vendia-se o que sobrava. 

“Papai era caprichoso, sabia o tempo certo de plantar. Toda a família ajudava nas tarefas, em especial na colheita de café, que é o que dava mais trabalho. O que sobrava era vendido, assim como os ovos de galinhas e os queijos do leite das poucas vacas que tínhamos”, disse.

Apesar da distância até Palmital, a cidade mais próxima do sítio, para participar da missa tinha que ir a pé. A menina Zilá, como seis irmãos e irmãs dela, cresceram num ambiente de forte espiritualidade católica.

“Quando minha mãe faleceu, meu pai disse que tudo o que ele era se devia à esposa. Foi verdade, o ambiente familiar era muito bom. Havia dificuldades de participar das missas, por causa da distância, mas meu pai fazia questão, como um bom devoto de Nossa Senhora do Carmo, de rezar o Terço Mariano todos os dias. No mês de março, depois do Terço, fazia a Oração de São José, em setembro, lia uma página da Bíblia, e no Natal conduzia a novena nas casas”, disse.

Entre as virtudes, o pai tinha uma alma caridosa e missionária, lembrou irmã Zilá, que fazia parte de uma conferência vicentina, tradição entre os mineiros. Ela contou que os tempos eram difíceis e não havia os auxílios governamentais que existem hoje. 

“Quando meu pai ficava sabendo que uma família passava por necessidades, logo arrecadava alimentos ou remédios para socorrer. Também ajudava a reformar casas, a maioria de pau a pique, nas quais chovia dentro ou tinha o perigo de desabar em cima das famílias”, disse irmã Zilá. Ela destacou, ainda, a iniciativa do pai que construiu um salão num terreno que ganhou na localidade de Gatiado para reunir os confrades da conferência e onde hoje funciona uma capela.

 

Os caminhos de Deus

A vocação à vida consagrada nasceu ainda na juventude. O que faltou foi encontrar uma congregação para fazer uma experiência, que aconteceu no Rio de Janeiro, quando veio pela primeira vez, aos 25 anos, após a visita do Papa São João Paulo II, que participou, em 1997, do Encontro Mundial das Famílias. 

“Vim na intenção de trabalhar um mês, ganhar dinheiro para conhecer a cidade, voltar para casa e retornar ao Rio numa próxima visita do Santo Padre para conhecê-lo de perto. Numa mudança de planos, resolvi ficar na cidade, e fui contratada pelo Centro de Formação do Sumaré, no início de 1998, onde já trabalham duas primas”, contou.

Segundo partilhou irmã Zilá, havia uma “inquietação no seu coração que Deus pedia”, apesar da adaptação ao trabalho e à cidade. Em uma das vezes que foi rezar na capela do Sumaré, a prima a incentivou para que fizesse uma experiência vocacional, de um mês, num convento de Barbacena, na Diocese de Pouso Alegre (MG).

“Só trabalhei no Sumaré por seis meses. Quando a irmã Teresinha Fernandes, superiora da casa, ficou sabendo da minha vocação, me encaminhou para o convento da congregação, com sede em Maricá (RJ). Ela e irmã Evangelina me levaram. Era o dia 28 de agosto de 1998. Em abril de 1999, entrei no noviciado, tive uma boa mestra na formação e tudo era novidade”, contou. 

Quando precisou comunicar à família sobre a vocação, o desejo de ser religiosa e o ingresso no convento, o pai sentiu muito. “Ele era um pai apegado, muito presente. Quando falava sério, só olhava e nunca bateu nos filhos. Por ser temporão, brincava muito com todos nós, parecia um colega”. A mãe aceitou com mais tranquilidade: “Se não der certo, volte sempre, vai ter um prato de mingau para você”. Depois, enfatizou irmã Zilá, “eles eram felizes por causa da minha vocação”.

 

Nos passos da fundadora

Os ensinamentos da fundadora, madre Maria Bernadete, são lembrados com carinho. “Nossa madre sempre nos ensinou a ter muito carinho pelos sacerdotes e pela Eucaristia. O sacerdote, dizia, é o ‘próprio Cristo, e nossa missão é aliviar o fardo de cada dia’. O carisma da congregação é rezar e sacrificar-se pelos sacerdotes, ainda mais por aqueles que possam apresentar alguma limitação. Ela sempre ficava feliz quando a congregação era chamada para trabalhar na casa de um bispo ou de um sacerdote”, partilhou.

“Nossa madre fundadora era exigente e pedia o nosso testemunho, mas sempre foi muito materna. Ela ensinava que uma irmã tinha que ser alegre, e que era triste ver uma emburrada, de cara feia. Também pedia cuidado e zelo pelas coisas do Senhor. Ensinava para fazer tudo bem-feito, com amor, mesmo que estivesse limpando o banheiro ou trabalhando em um escritório”, acrescentou.

 

Palácio São Joaquim

Quando ainda fazia o noviciado, irmã Zilá estagiou, por pouco tempo, numa creche, em Vila Isabel, e em abril de 2001, voltou para Maricá. No dia 15 de setembro de 2001, fez os primeiros votos e, no dia seguinte, a madre fundadora lhe comunicou sua primeira missão.

“Fui designada para trabalhar no Palácio São Joaquim, no qual estava sendo inaugurada uma casa, uma comunidade, como nós chamamos.  Cheguei na tarde do dia 18 de setembro de 2001 já para ficar. Até então, a irmã Evangelina Alves não morava no palácio, mas no Sumaré, onde vinha e voltava todos os dias. Outra irmã, Aparecida, que trabalhava com Dom Karl Josef Romer, bispo auxiliar, no Edifício João Paulo II, veio fazer parte da comunidade”, recordou.

Segundo contou irmã Zilá, o almoço de despedida de Dom Eugenio de Araujo Sales, que já era arcebispo emérito, aconteceu no dia 19 de setembro, e, ao mesmo tempo, foi de recepção de Dom Eusébio, que assumiu a arquidiocese no dia 22 de setembro de 2001.

“Quando cheguei no Palácio São Joaquim, tinha acabado de sair do noviciado. Era muito tímida e não imaginava que iria trabalhar num lugar assim. Dom Eusébio falava o que precisava, pedia desculpas quando dizia o que não devia. Para mim sempre foi um pai, e incentivava a participar dos retiros e encontros de formação. Aprendi muito com ele por meio de suas atitudes de carinho e cuidado. Ele dizia para os outros bispos auxiliares que minha formação dependia do cuidado de cada um deles. Trabalhei com Dom Eusébio até abril de 2009, e ao tornar-se emérito, mudou-se para São José dos Campos (SP), sendo acompanhado pelas irmãs Evangelina e Imaculada, que ficaram com ele até o fim de sua vida”, contou. 

 

A serviço do carisma no cotidiano da missão 

Uma nova etapa iniciou com a chegada de Dom Orani, que assumiu a arquidiocese no dia 19 de abril de 2009. Havia a informação que talvez o novo arcebispo trouxesse consigo religiosas para cuidar da casa, o que não era verdade, e, logo, ele pediu para que “as irmãs não levantassem voo”.

“Irmã Evangelina tinha sido designada para acompanhar Dom Eusébio, e a madre superiora me comunicou que eu ficaria responsável pela casa. Falei que já tinha ficado oito anos e pensava que iria sair. Irmã Evangelina foi comigo para conversar com a madre. Eu dizia que não queria ficar, que não iria dar conta, mas a irmã Evangelina insistia que eu daria conta. Por fim, a madre pediu para eu continuar até o fim do ano, e eu aceitei, levando em conta que eu conhecia o andamento da casa”, contou.

No início, contou irmã Zilá, foi preciso me adaptar ao estilo de Dom Orani: “Enquanto não se conhece a pessoa, não é possível saber se se está fazendo certo”. Para integrar a comunidade, vieram ajudar as irmãs Gislaine e Joelma, que ficaram pouco tempo, e depois a irmã Daniele, que está até hoje, e outras que chegaram posteriormente. 

Na época, moravam no palácio os bispos auxiliares Dom Wilson Tadeu Jönck, Dom Edney Gouvêa Mattoso e Dom Dimas Lara Barbosa, que foram logo transferidos. Depois, vieram morar no palácio a maioria dos bispos auxiliares nomeados no governo de Dom Orani.

“Sempre fica a saudade quando um bispo vai embora, e, quando alguém chega, é preciso um tempo para adaptação. Procuro conhecer cada um com seu jeito. A casa é deles e gosto de fazer o que é preciso, o que agrada, e, assim, melhor servir”, contou.

Irmã Zilá ainda partilhou na entrevista: “Tenho recebido o carinho de Dom Orani e dos demais bispos. Nos momentos difíceis quando meus pais estavam doentes, tive a oportunidade de acompanhar, de ficar perto deles. Depois, quando faleceram minha mãe, no dia 22 de julho 2016, e meu pai, no dia 22 de abril de 2017, Dom Orani e os bispos me deram todo apoio, estiveram presentes na minha vida e isso não tem preço”, contou.

“Nos 21 anos que trabalhei no palácio, renovando, a cada ano, os meus votos de vida consagrada, de maneira especial os perpétuos, feitos no dia 16 de setembro 2007, nunca tive problemas com nenhum dos arcebispos, bispos e padres que passaram ou estão por aqui. Às vezes, o trabalho é cansativo, mas quando se faz bem para o outro e o deixa feliz, também somos felizes. O cansaço sempre é gratificante. Sempre tive a certeza da vocação. Passei por dificuldades, mas nunca deixei de pedir a Deus que qualquer provação arruinasse a minha vocação. Meu trabalho é simples, mas sou feliz no que faço. Procurei fazer o melhor a cada dia, e quero continuar na nova missão a dar o meu melhor”, concluiu. 

 

Carlos Moioli

 

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