Laudato Si’: 10 anos de um Evangelho da Criação

Ao celebrarmos os 10 anos da publicação da Carta Encíclica Laudato Si’, do saudoso Papa Francisco, elevamos a Deus nossa gratidão por esta mensagem que, nascida do coração da Igreja, ecoou pelos quatro cantos do mundo como um clamor por justiça, conversão e cuidado. A Carta Encíclica se impõe como um verdadeiro Evangelho da Criação, chamando todos – fiéis e não fiéis – a uma nova ética relacional, na qual a fé, a ecologia e a fraternidade se encontram.

Assinada em 24 de maio de 2015, a Carta Encíclica Laudato Si’ assume um tom profundamente pastoral e profético. O Papa nos recorda que somos administradores e não donos da criação. Tudo o que existe foi confiado por Deus às nossas mãos não para exploração egoísta, mas para cuidado amoroso e responsável.

O Rio de Janeiro, com suas belezas naturais e seus desafios urbanos e sociais, é um espaço privilegiado para vivermos, com autenticidade, esse chamado. A encíclica propõe uma ecologia integral. Essa expressão sintetiza o ensinamento de que o cuidado ambiental está intimamente ligado ao cuidado com a vida humana, sobretudo com os pobres e excluídos. O Papa nos recorda que não existem duas crises separadas – uma ambiental e outra social –, mas uma única e complexa crise socioambiental. A resposta deve, portanto, ser integral, abrangente e misericordiosa.

Nesta década, testemunhamos o florescimento de diversas iniciativas em consonância com a Carta Encíclica Laudato Si’. Nas comunidades do Rio de Janeiro, surgiram hortas comunitárias, mutirões ecológicos, formações sobre sustentabilidade, além de espaços de escuta dos gritos da Terra e dos pobres. As pastorais sociais, a juventude e as escolas católicas têm sido protagonistas desse despertar. Na época, a nossa universidade católica foi uma das que mais divulgou esse texto. Neste ano, estamos tendo duas semanas de aprofundamentos: a semana que termina e a que começam congregam cardeais, bispos, professores, especialistas que discutem a aplicação da Laudato Si’ e nos preparam para a COP 30.

A mensagem do Papa Francisco nos convida também à contemplação. O cuidado com a criação passa pela capacidade de maravilhar-se, de reconhecer a presença divina em cada ser. Esse espírito franciscano nos ajuda a redescobrir o valor da simplicidade, da gratuidade e da comunhão com todas as criaturas.

No entanto, os desafios são imensos. As mudanças climáticas seguem provocando tragédias, os ecossistemas continuam sendo destruídos, o consumismo e a indiferença seguem ditando os rumos do mundo. Diante disso, a Carta Encíclica Laudato Si’ é mais atual do que nunca. Precisamos reencontrar o caminho da responsabilidade partilhada, da sobriedade, da justiça social e da espiritualidade encarnada.

Em nossa amada arquidiocese, temos buscado incorporar os ensinamentos da encíclica em nossa ação pastoral. O Sínodo Arquidiocesano, as ações da Cáritas, as campanhas em tempos fortes do ano litúrgico, os encontros de formação para lideranças, tudo isso vem sendo permeado por essa consciência de cuidado integral com a vida, e como já mencionou, as atividades acadêmicas de nossa universidade católica.

As paróquias podem ser verdadeiros laboratórios de conversão ecológica: economizando recursos, promovendo campanhas de reciclagem, valorizando a mobilidade sustentável, acolhendo a biodiversidade urbana, incentivando uma economia solidária. São gestos concretos que expressam o Evangelho vivido no cotidiano.

A educação católica também tem papel crucial. Ao formar novas gerações com valores de cuidado, justiça e fraternidade, colaboramos para que a mensagem da Carta Encíclica Laudato Si’ frutifique no futuro. Professores, catequistas e agentes de pastoral são semeadores dessa consciência nova.

Outro ponto forte da encíclica é o apelo ao diálogo. O saudoso Papa Francisco insiste que não bastam medidas técnicas ou políticas; é preciso um caminho de conversão cultural. E isso passa pelo encontro entre fé e ciência, Igreja e sociedade, culturas e povos. A encíclica é um convite à abertura, ao debate sincero e à construção de consensos pelo bem comum.

Não podemos esquecer o caráter espiritual da proposta. A ecologia integral não é apenas um conjunto de práticas ambientais; é uma nova forma de estar no mundo à luz do Evangelho. Trata-se de viver com gratidão, de reconhecer os dons de Deus na criação e de agir com responsabilidade e ternura.

Nesse caminho, a oração tem lugar central. O saudoso Papa Francisco encerra a encíclica com duas preces – uma ecumênica e uma para os cristãos – que expressam esse espírito de confiança e de compromisso. Também nossas liturgias podem se tornar espaços de louvor pela criação e súplica por sua preservação.

A cidade do Rio, com sua geografia exuberante e suas periferias sofridas, exige de nós um olhar atento e compassivo. A Carta Encíclica Laudato Si’ nos desafia a escutar o grito da Terra e o grito dos pobres – e ambos são visíveis em nossa realidade. Precisamos unir forças: Igreja, sociedade civil, universidades, comunidades de base, movimentos populares, juventudes.

O saudoso Papa Francisco nos alerta contra a “globalização da indiferença” e propõe uma “globalização da esperança”. Isso só será possível se assumirmos, com coragem, a missão de cuidar. E o cuidado começa no pequeno: no bairro, na escola, na paróquia, na família. Cada gesto importa, cada escolha conta.

Ao olharmos para essa década, vemos que muito foi feito, mas muito ainda está por fazer. A encíclica abriu caminhos, iluminou consciências, provocou debates. Agora, cabe a nós aprofundarmos, ampliar, radicalizar esse compromisso. A crise ecológica é também uma crise moral e espiritual. Só uma fé madura, encarnada e comprometida poderá responder à altura.

O exemplo de São Francisco de Assis nos acompanha. Sua vida de pobreza, amor à natureza e comunhão universal é modelo de uma ecologia vivida no cotidiano. Que sua intercessão nos inspire a seguir em frente, sem medo, sem desânimo, com alegria e responsabilidade.

Que este décimo aniversário da Carta Encíclica Laudato Si’ nos encontre com o coração aberto. Que celebremos não apenas com discursos ou homenagens, mas com atitudes concretas. Que sejamos promotores de uma cultura do cuidado, defensores da vida, mensageiros de um mundo mais justo e sustentável.

E que a Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro continue sendo sinal profético desse Evangelho da Criação, irradiando esperança e compromisso em cada canto da Cidade Maravilhosa. Laudato Si’, mi’ Signore!

 

Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.

Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

 

 

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