Literatura brasileira de inspiração católica

Em nossos dias, quando tanto se fala em “inteligência artificial”, não parece infundado sempre recordar o prodígio inigualável que é a inteligência humana, que se expressa em tantas obras belas, como as várias áreas das ciências e as expressões culturais, tais como a música, a pintura, a arquitetura e a literatura.

A literatura, aliás, tem certo poder de síntese do intelecto humano. Por ela, todas essas expressões do conhecimento encontram lugar, formando, pelo romance, pela poesia, pela biografia e outros gêneros, um patrimônio universal à capacidade racional e artística do gênero humano. Alceu Amoroso Lima, nosso grande crítico literário e líder do laicato católico no séc. XX, dizia que a literatura “é no homem aquela vocação misteriosa e imprevista, condicionada por mil elementos exteriores e íntimos, mas desabrochada pelo mistério do espírito, que sopra onde quer.”[1]

A relação entre Igreja e literatura legou-nos obras de valor único. Poderíamos pensar na Divina Comédia de Dante Alighieri, e até mesmo no épico O Senhor dos anéis, do católico J.R.R. Tolkien. Como constituinte da natureza humana, o senso religioso é capaz de criar esses belos textos que indicam, seja pela poesia, seja pela prosa, a abertura do homem ao transcendente. De forma semelhante se expressou o Papa Francisco, quando em julho passado publicou uma Carta sobre o papel da literatura na educação.

“De uma forma ou de outra” – dirá o Santo Padre –, “a literatura tem a ver com o que cada um de nós deseja da vida, uma vez que entra numa relação íntima com a nossa existência concreta, com as suas tensões essenciais, com os seus desejos e os seus significados.”[2] De fato, ao nos debruçarmos sobre uma obra, nela encontramos uma imagem dos sentimentos, experiências e vivências com que nos deparamos no dia a dia. Quem nunca se percebeu, seja pela semelhança, seja pela empatia, com alguma personagem da literatura?

O Papa Francisco também nos recorda certo valor “medicinal” da literatura para a alma, indicação preciosa que talvez a folha de um livro seja um bom antídoto diante do excesso de telas e das ansiedades em que nos vermos imersos na vida contemporânea: “Na verdade, não faltam momentos de cansaço, irritação, desilusão, fracasso e, quando nem sequer na oração conseguimos encontrar o sossego da alma, pelo menos um bom livro ajuda-nos a enfrentar a tempestade, até que possamos ter um pouco mais de serenidade.”[3]

Essa experiência que brota do contato com uma obra literária tem a capacidade de gerar vida em nossa vida, dada a fertilidade das reflexões que daí podem surgir. O Papa fala mesmo que uma obra é “capaz de produzir uma síntese original com cada leitor que encontra.” Nesta síntese, o leitor é enriquecido com o que recebe do autor, ao mesmo tempo que faz desabrochar em si uma experiência nova a partir da expansão de seu universo pessoal.

Inspirados por essa bela carta escrita pelo Santo Padre, pensamos que seja oportuno iniciar aqui no “Testemunho de Fé” uma série de textos sobre como a fé católica inspirou tantos autores e obras em nossa literatura brasileira. Debruçando-nos sobre autores que vão desde o início da colonização, como São José de Anchieta, até contemporâneos nossos, como Adélia Prado, poderemos perceber como nossa literatura nacional nos ajuda a, na expressão do Papa em sua carta, a aprofundar a “polifonia da revelação.” Seja na poesia de profundo caráter religioso, como a do poeta Jorge de Lima, seja no impactante romance de Gustavo Corção, é possível captar como o mistério do Verbo que se fez carne fecunda o coração e a criatividade humana.

E isso talvez se dê (desculpem-me os teólogos pelas imprecisões pouco escolásticas) porque Deus mesmo seja o primeiro grande Literato, que com sua providência poética escreve o romance de nossas vidas dentro do grande épico da História da Humanidade. É como dizia o já citado poeta Jorge de Lima: “As mágicas que a graça do Senhor faz são poesia.”

 

Diácono Eduardo Silva, assessor eclesiástico adjunto do Setor Universidade do Vicariato da Educação 

[1] LIMA, Alceu Amoroso. Introdução à literatura brasileira. Rio de Janeiro: Agir, 1964, p. 18.

[2] FRANCISCO. Carta sobre o papel da literatura na educação, n. 6. Disponível em https://www.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2024/documents/20240717-lettera-ruolo-letteratura-formazione.html#_ftnref11.

[3] Ibid., n. 2.

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