No primeiro dia do ano, temos a graça de celebrarmos a Solenidade de Maria, Mãe de Deus. Este título traz em si um dogma que foi definido em dois Concílios, em 325 o Concílio de Niceia, e em 381 o de Constantinopla. Estes dois Concílios trataram de responder a respeito desse mistério da consubstancialidade de Deus uno e trino, Jesus Cristo verdadeiro Deus e verdadeiro homem.
No século IV, já ensinava o bispo Santo Atanásio: “A natureza que Jesus Cristo recebeu de Maria era uma natureza humana. Segundo a divina escritura, o corpo do Senhor era um corpo verdadeiro, porque era um corpo idêntico ao nosso”. Maria é, portanto, nossa irmã, pois todos somos descendentes de Adão. Fazendo a relação deste mistério da encarnação, no qual o Verbo assumiu a condição da nossa humanidade com a realidade de que nada mudou na Trindade Santa, mesmo tendo o Verbo tomado um corpo no seio de Maria, a Trindade continua sendo a mesma; sem aumento, sem diminuição; é sempre perfeita. Nela, reconhecemos uma só divindade. Assim, a Igreja proclama um único Deus no Pai e no Verbo, por isso, a Santíssima Virgem é a Mãe de Deus.
No terceiro Concílio Ecumênico, o de Éfeso em 431, foi declarada Santa Maria a Mãe de Deus. Muitos não compreendiam, até pessoas de igreja como Nestório, patriarca de Constantinopla, ensinava de maneira errada que no mistério de Cristo existiam duas pessoas: uma divina e uma humana; mas não é isso que testemunha a Sagrada Escritura. Jesus Cristo é verdadeiro Deus em duas naturezas e não duas pessoas, uma natureza humana e outra divina; e a Santíssima Virgem é Mãe de Deus.
Estamos encerrando a Oitava do Santo Natal, dia no qual a Igreja volta-se para a Virgem que gerou em seu seio e deu à luz o verdadeiro Deus feito homem. Chegou à plenitude dos tempos e “Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher”, aquela mesma que os pastores encontraram velando o “recém-nascido deitado na manjedoura”. Somos gratos a Virgem Santa e, contemplando o seu filhinho, reconhecemos n’Ele o Deus perfeito e a proclamamos verdadeiramente Mãe de Deus: “Salve, ó Santa Mãe de Deus! Vós destes à luz o Rei que governa o céu e a terra pelos séculos eternos!’ – assim canta a Igreja hoje, saudando a Toda Santa Virgem Maria. Nossos irmãos orientais, de rito bizantino, no Natal, cantam assim: “Ó Cristo, que podemos oferecer-vos como dom por vos terdes manifestado sobre a terra na nossa Humanidade? Com efeito, cada uma das vossas criaturas exprime a sua ação de graças, e a vós traz: os Anjos, o seu cântico; o céu, uma estrela; os Magos, os seus dons; os Pastores, a admiração; a terra, uma gruta; o deserto, uma manjedoura; e nós, uma Virgem Mãe!”. Eis, pois, caríssimos irmãos, nosso presente ao Salvador: a mais bela flor de nossa raça, o mais belo membro da Igreja, a Virgem Maria.
Neste dia, a Igreja celebra a presença da Virgem Maria, Mãe de Deus. Título Mariano de grande importância para nós cristãos. Nós nos colocaremos na escola de Maria, a discípula perfeita. Nesta meditação vemos o sentido do “sim” de Maria, a abertura para Deus que a coloca numa disponibilidade aberta ao horizonte da fé voltado para o ilimitado.
A primeira leitura – Nm 6,22-27 – ensina que, segundo a tradição judaica, em ocasiões importantes, uma das funções sacerdotais era abençoar o povo. A bênção era sinal de fidelidade à Aliança e a garantia de que a promessa feita por Deus a Abraão – de acordo com a qual todas as gerações futuras seriam abençoadas – de fato se cumpria continuamente na história. O autor do texto expressa a fé de Israel, que sempre pede ao Senhor Deus que mostre sua face amiga e conceda a paz. O texto nos motiva para celebrar o Dia Mundial da Paz que ocorre neste dia.
A segunda leitura – Gl 4,4-7 – é o único lugar em que Paulo se refere à mãe de Jesus (“Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher”); no entanto, Paulo não parece interessado, aqui, em falar de Nossa Senhora, mas em sublinhar a solidariedade de Cristo com o gênero humano. A importante constatação de que somos “filhos” de Deus leva-nos a uma descoberta fundamental: estamos unidos a todos os outros homens – “filhos” de Deus como nós – por laços fraternos.
O Evangelho – Lc 2, 16-21 – em primeiro lugar, repare-se como os pastores, depois de escutarem a “boa nova” do nascimento do Salvador, se dirigem “apressadamente” ao encontro do menino. A palavra ‘apressadamente’ sublinha a ânsia com que os pobres e os marginalizados esperam a ação libertadora de Deus em seu favor. Assim como os pastores agiram ao ouvir o canto celeste dos anjos, somos convidados a proclamar a glória de Deus, porque o Príncipe da paz vem até nós. Jesus é a luz que brilha na escuridão da noite. A experiência do nascimento é um ato comunicativo em todos os sentidos. Lucas apresenta Maria como uma pessoa que sabe ouvir a mensagem divina, que a medita e guarda no coração. Desde a visitação, é aquela que acredita na mensagem do Senhor; escuta-a e a põe em prática. Por isso, Deus realiza grandes coisas em seu favor e em favor de seu povo.
Nos evangelhos, sobretudo São João, sublinham e testemunham a vinda de Deus na carne humana. O papel de Maria recebe relevo nas mãos de São Lucas. Para Mateus, ela faz o elo de ligação entre as duas alianças. São Marcos, ao sublinhar a humanidade de Cristo, ressalta sua origem, sua procedência histórica. Em tudo isto podemos ler indiretamente e de modo implícito o papel particular de Maria no evento da salvação, que depois será confirmado nos séculos seguintes quando os bispos reunidos em Concílio decidem declarar Maria como a Mãe do Verbo encarnado, a mãe do Filho de Deus, e por isto a Mãe de Deus.
Ao recordar a Maternidade Divina de Nossa Senhora, a Igreja recorda também as condições maravilhosas dessa maternidade: ela aconteceu de modo virginal! Com efeito, a Mãe do Senhor concebeu virginalmente, virginalmente deu à luz e virgem permaneceu para sempre! A Virgem não somente concebeu, mas também virginalmente deu à luz um filho – eis a profecia de Isaías (cf. 7,14). A Igreja canta esse mistério com palavras admiráveis: “Na sarça que Moisés via arder sem se consumir, admiramos o sinal da vossa incomparável virgindade, ó Mãe de Deus!”, e ainda, pensando na porta selada, pela qual somente o Senhor passaria, como profetizou Ezequiel (cf. 44,2), a Igreja exclama: “A porta eterna do Templo eternamente fechado feliz e pronta se abre somente ao Rei esperado”.
E, como penhor de que nossas preces serão ouvidas, supliquemos a Mãe de Deus toda Santa: “À vossa proteção recorremos, ó Santa Mãe de Deus! Protegei os pobres, ajudai os fracos, consolai os tristes, rogai pela Igreja, protegei o clero, ajudai-nos todos, sede nossa salvação! Santa Maria, sois a Mãe dos homens, sois a Mãe do Cristo que nos fez irmãos! Rogai pela Igreja, pela Humanidade e fazei que, enfim, tenhamos paz e salvação!”
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.
Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ