Dom Orani: ‘Neste ano do jubileu, somos chamados a transformar o coração das pessoas e da cidade, semeando por todos os cantos a Palavra de Deus.’
Veja abaixo, na íntegra, a Homilia do arcebispo do Rio de Janeiro, Cardeal Orani João Tempesta, na Missa Solene de São Sebastião realizada na Catedral Metropolitana de São Sebastião, no dia 20 de janeiro de 2025:
“Há um entrelaçamento entre a devoção a São Sebastião, a identidade católica dessa cidade com São Sebastião, assim como com aqueles que exercem a responsabilidade política, na diversidade que existe na cidade, e o respeito que devemos ter por todos. Agradecemos por esse relacionamento, que nos permite participar juntos, louvando a Deus por este belo e importante dia.
Palavra de Deus
Neste Dia de São Sebastião, a Palavra de Deus nos fala do martírio. A vida do justo está nas mãos de Deus. “Parece que foram castigados, mas suas vidas estão em Deus” (Sb 3,1-9). Na segunda leitura, São Pedro nos exorta a dar as razões da nossa esperança. “Será melhor sofrer praticando o bem, se essa for a vontade de Deus, do que praticando o mal” (1Pd 3,14-17). No Evangelho, Jesus diz para “ter medo daqueles que matam o corpo, mas não podem matar a alma” (Mt 10,28-33).
Temos o nosso intercessor São Sebastião, que viveu tudo isso, fez o bem, cuidou dos cristãos presos destinados ao martírio. Mesmo após seu primeiro martírio, com as flechas, continuou dando razões da sua esperança, dando testemunho de Jesus Cristo. Este é o nosso padroeiro São Sebastião, do século III, e até hoje, no século XXI, ecoam entre nós seu exemplo e testemunho.
Fé e cultura
Sabemos que nossa população recebe de São Sebastião o exemplo de perseverança, de não desanimar com as flechas que recebe a cada dia, e de se levantar sempre. Nossas gerações, direta ou indiretamente, recebem esse exemplo de São Sebastião. Essa é a nossa cultura, além da nossa fé, e sabemos que nossa fé vai se tornando, cada vez mais, cultura. Basta ver o número de pessoas vestidas de vermelho nas celebrações, ou aqueles que, caracterizados, acompanham as procissões. Sinais que lembram o martírio de São Sebastião, que derramou seu sangue por causa da fé em Jesus Cristo. Quem olha para São Sebastião vê seu exemplo e passa a ter uma vida de fé. A festa do padroeiro torna-se, também, cultura em nossa vida, em nossa sociedade, nosso modo de ser e de agir.
São 460 anos. Quando Estácio Sá trouxe a imagem histórica de São Sebastião, que se encontra no Santuário Basílica de São Sebastião, na Tijuca, ao fundar a cidade de São Sebastião, na região chamada Rio de Janeiro, e que até hoje é um sinal para todos nós daquilo que espelhamos em nossa vida e nos chama a nossa atenção: coragem, ânimo, não desanimar diante das dificuldades.
Peregrinos de esperança
Vivemos o jubileu do Ano Santo, com o tema: “Peregrinos de esperança”, proclamado pelo Papa Francisco, junto com a Bula “A esperança não decepciona”. O Santo Padre nos pede que sejamos peregrinos de esperança na sociedade, na cidade e no estado do Rio de Janeiro, no Brasil e no mundo todo, dando razões da nossa fé e da nossa esperança.
Este Ano Santo, que começou no final do ano passado e vai até o final deste ano de 2025, supõe que renovemos nossa vida, reavivar nossa existência e nosso coração, para vivermos ainda melhor como cristãos.
Nossas divisões e pecados têm consequências. Com a indulgência que podemos receber neste Ano Santo, teremos a remissão das penas temporais devidas pelos pecados. As peregrinações já começaram nas igrejas jubilares e para lucrar a indulgência, precisamos aproveitar esse tempo de graça com peregrinação, confissão, comunhão, e a oração pelo Santo Padre.
Há um mundo cansado, abatido, depressivo, que não quer mais saber de fazer nada, achando que ainda não tem jeito e não tem sentido. Cada vez mais sem entender como será o futuro. Somos chamados a ter vida nova, de passar pelo mundo fazendo o bem e anunciando a esperança que nos vem da certeza de que, em Jesus Cristo, temos a vida e a salvação, assim como teve São Sebastião.
Somos chamados, diante também do que São Sebastião representa para nós, à coragem e o testemunho. Junto com o testemunho cristão, precisamos ser aqueles que vivem a vida cristã, que seguem Jesus Cristo e testemunham a nossa esperança no Senhor, que é Jesus Cristo.
A nossa esperança preenche, de fato, o nosso coração e a nossa vida. A cultura da morte vai cada vez mais se infiltrando na sociedade, não deixando as crianças nascerem, a eutanásia se espalhando pelo mundo, a divisão entre as pessoas, a falta de diálogo dentro das famílias, da comunidade, a inimizade que surge entre uns e outros. Sabemos que o mundo de hoje tem tantas necessidades, mas somos chamados a ser peregrinos de esperança.
Tempo de graça e de recomeço
O tempo do jubileu é um tempo de recomeço, de retomada, de dar passos novos, de buscar o Senhor. O Livro do Levítico diz que o jubileu acontece a cada 50 anos, quando devem voltar as antigas propriedades, dívidas perdoadas e um novo recomeço. No Novo Testamento, Cristo inaugura o ano da graça, e a cada 25 anos a Igreja nos dá a oportunidade de retomar, renovar, reavivar nossa vida, sem deixar que esse tempo propício de renovação passe em vão. Neste ano do jubileu, somos chamados, a exemplo de São Sebastião, a ser peregrinos de esperança, anunciadores de esperança que o mundo hoje tanto necessita.
Durante a Trezena de São Sebastião, numa grande missão popular, tivemos a oportunidade de encontrar com as comunidades, com os padres e diáconos locais, e ver os passos que estão sendo dados. Mesmo nos últimos dias, o Rio com seus 40º graus se fez sentir com muita clareza e força. Havia capelas sem ventilação, e, apesar das dificuldades, a participação do povo foi alegre e feliz. Também vimos muitas situações que nos fazem pensar sobre a violência de nossa cidade, sobre as dificuldades de locomoção e as questões de insegurança que acontecem em vários locais. É uma cidade dividida de diversas formas. Temos uma grande e grave responsabilidade de ser essa Igreja, que, juntamente com os responsáveis, procura ver como podemos caminhar melhor nessa cidade, com São Sebastião sendo nosso intercessor para encontrarmos os melhores caminhos e melhores encaminhamentos.
Não podemos viver nossa vida cristã, renovar nossa vida no jubileu, reavivar o dom de Deus no nosso Batismo, sem nos empenharmos também em fazer com que aquilo que vivemos, além de nos fazer viver a esperança que é Jesus Cristo, transborde essa esperança para os irmãos e irmãs ao nosso redor.
Que isso possa ir transformando cada vez mais as realidades de nossa cidade naquilo que nos compete, na evangelização, catequese e na missão de chegar às pessoas, anunciando o amor de Deus e a boa notícia que nos compete.
Testemunho cristão, coerência com o Evangelho
Neste Dia de São Sebastião, abertura do ano, depois de passado o tempo do Natal e a Trezena de São Sebastião, que ocorre na última semana do tempo do Natal e na primeira semana do tempo comum, a cidade do Rio de Janeiro e nossa arquidiocese abrem o ano com São Sebastião. É um privilégio, um dom e uma graça, acompanhada pela realidade da cidade com 40º graus, que faz parte daquilo que caracteriza nossa cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Tanta gente vem para desfrutar dessa realidade, do calor, das belezas da cidade. Mas ao abrir o ano com São Sebastião, e neste ano jubilar, Ano Santo, gostaria que, como consequência, colocássemos como ponto de chegada e de desafio neste ano alguns aspectos importantes. Um deles é o nosso testemunho. São Sebastião é testemunha, é mártir. Nosso testemunho, na grande cidade, vive um tempo de dessacralização, descristianização, crises de fé, e muitos desigrejados, o que aumentou na nossa cidade e também no Brasil. Isso nos impõe a responsabilidade do testemunho cristão. Por isso, o jubileu vem no momento certo para reavivar o dom batismal de cada um de nós.
O que traz as pessoas para a Igreja é o testemunho cristão, uma vida coerente com o Evangelho e com suas consequências pastorais e sociais, de homens e mulheres que vivem o Evangelho e se colocam como sinais presentes na cidade. É nossa responsabilidade, nossa missão.
O Papa São Paulo VI, no documento sobre as missões, dizia: “Há muitos que podem se salvar sem conhecer Jesus Cristo, mas será que nós nos salvaríamos se não o anunciássemos?” E é justamente isso que neste ano do jubileu, ao renovar e reavivar nossa vida, somos chamados a viver cada vez mais o testemunho cristão, que nos vem do exemplo de nosso padroeiro São Sebastião, que, mesmo com tudo aquilo, com as pressões contrárias do imperador Diocleciano e todas as decisões do Império Romano contra os cristãos, não perdeu a esperança.
Por isso, a primeira coisa, cada um de nós, ao participar do jubileu, ao caminhar neste ano, deve ser renovar nossas vidas, nossos corações, reconciliar-nos com aqueles de quem nos desentendemos, perdoar mutuamente e pedir ao Senhor um coração renovado para cada um de nós. Transformado, para que possamos conviver em paz uns com os outros, com aqueles que nos aceitam, com aqueles que não nos aceitam, com aqueles que dão trabalho e com aqueles que não nos dão trabalho, convivendo e vendo como podemos perceber as penas temporais que temos devido aos nossos pecados.
Além da remissão pelas indulgências, podemos pedir ao Senhor que renove nossa vida e nossos corações. Um povo reconciliado, reanimado, reavivado é o que podemos colocar como direção. E o grande exemplo é São Sebastião, peregrino de esperança, que é o tema de nossa Trezena e deste nosso Dia de São Sebastião.
Círculos Bíblicos
Sabemos da nossa responsabilidade, que além do testemunho que somos chamados a dar, temos também algumas atitudes e atividades. Uma delas é semear a Palavra de Deus na cidade.
Temos igrejas matrizes, capelas e oratórios por toda a cidade, mas também grandes bolsões em que falta nossa presença. Antes da pandemia, tínhamos uma bela presença com os Círculos Bíblicos, grupos de reflexão, pequenas comunidades espalhadas pela cidade. Com a pandemia, a dificuldade de reunir-se, de entrar na casa do outro, acabou sendo enfraquecida. Neste ano do jubileu, somos chamados a ver que o que vai transformar o coração das pessoas e a cidade é a Palavra de Deus semeada em todos os cantos. Quatro, cinco, seis famílias podem se reunir na garagem da casa, na sala de estar, com dez, quinze cadeiras, ouvir e meditar a Palavra de Deus, ao mesmo tempo rezar e refletir sobre o que ela diz e colocá-la em prática. Sempre começar o encontro invocando o Espírito Santo e terminar com a oração, unidos ao pároco, à paróquia. Junto com a transformação pessoal, com a mudança de vida neste ano do jubileu, os Círculos Bíblicos devem ser a maior presença pastoral capilar em nossa cidade, na qual a Palavra de Deus seja semente de tempos novos, de vida nova. A Palavra de Deus é viva, eficaz, permeando e entrando no coração de cada um, para que as coisas possam ser transformadas, renovadas e vidas iluminadas.
Semear a Palavra de Deus
O testemunho de São Sebastião nos convida a ser testemunhas hoje, de aproveitar as graças do jubileu, de ver quantas necessidades temos e ter a disposição de, neste ano de 2025, nos unirmos para que a vida possa ser transformada e, ao mesmo tempo, para que nossa cidade, por meio de nossa fé e ação pastoral, seja cada vez mais marcada pela presença do Senhor. Neste ano do jubileu, somos chamados a transformar o coração das pessoas e da cidade, semeando por todos os cantos a Palavra de Deus.”