Novas Comunidades se reúnem em evento formativo promovido pela Comunidade Mar a Dentro

A Comunidade Católica Mar a Dentro, que celebra o seu jubileu de 35 anos de fundação, promoveu na cidade do Rio de Janeiro, no Colégio Zaccaria, de 25 a 27 de julho, a segunda edição do Encontro Nacional de Formação para as Novas Comunidades (Enfoco), que teve como tema “Ele, Cristo, nossa paz, nossa esperança”.

O evento contou com a presença do arcebispo metropolitano, Cardeal Orani João Tempesta, que presidiu a Santa Missa e proferiu uma das palestras centrais, abordando a comunhão entre dons hierárquicos e carismáticos na vida da Igreja.

Também participaram como conferencistas o bispo de Uruaçu (GO), Dom Giovani Carlos Caldas Barroca, os bispos auxiliares do Rio de Janeiro, Dom Antônio Luiz Catelan Ferreira e o emérito, Dom Antonio Augusto Dias Duarte, e o vigário episcopal para a Vida Consagrada e Novas Comunidades da Arquidiocese do Rio, Dom Roberto Lopes.

Também foram conferencistas o reitor da Basílica Nossa Senhora de Nazaré, em Belém do Pará, padre Francisco Assis Maria de Oliveira, o cofundador e formador geral da Comunidade Mar a Dentro, padre Douglas Cardoso Metran, e os moderadores Italo Fasanella, da Comunidade Sagrada Família, e Izaias Carneiro, da Comunidade Coração Novo. O encontro teve como mediador o padre André de Moraes, membro da Comunidade Mar a Dentro, que também esteve presente durante a plenária.

Foram três dias de oração, reflexões e partilhas que renovaram o ardor missionário dos participantes e reforçaram a vocação das Novas Comunidades como sinal de esperança para a Igreja.

 

Mar a Dentro

Em 1990, um grupo de jovens e adultos, militares e civis, oriundos da RCC, uniu-se a partir do trabalho de evangelização realizado por Antônio Dilben Rabelo Fleming na Academia Militar das Agulhas Negras, em Resende, RJ, a convite do então capelão da AMAN, Pe. Duílio Antônio Antonini. Iniciava-se então, tendo como fundador o próprio Antônio Dilben, a Comunidade Mar a Dentro. Logo, por graça e vontade de Deus, os trabalhos de evangelização atingiram também as famílias.

Inicialmente, a Comunidade nasce como uma Comunidade de Aliança e, dois anos mais tarde, inicia-se a Comunidade de Vida Mar a Dentro, composta exclusivamente por celibatários: homens e mulheres a serviço da Igreja de Cristo. A Comunidade de Aliança, juntamente com a Comunidade de Vida, formam uma só família Mar a Dentro: “Faze-te ao largo e lançai as vossas redes para a pesca!” (Lc 5,4).

 

 

“Ele, Cristo, nossa Paz, nossa Esperança: construindo pontes em um mundo dividido como missão para as Novas Comunidades”

(Conferência proferida pelo arcebispo do Rio de Janeiro, Cardeal Orani João Tempesta, na segunda edição do Encontro Nacional de Formação para as Novas Comunidades, promovido pela Comunidade Católica Mar a Dentro, e realizado no Colégio Zaccaria, bairro do Catete, de 25 a 27 de julho)

 

Queridos irmãos e irmãs,

Com imensa alegria, em nome da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro, dou as boas-vindas a todos vocês que, vindos de perto ou de longe, aqui estão reunidos para este Encontro Nacional de Formação para as Novas Comunidades.

Sejam muito bem-vindos a esta Igreja particular que, ao longo de sua história, aprendeu a viver com intensidade a fé em meio à beleza de sua diversidade. Que o calor do nosso povo, a fé viva de nossas comunidades e a força do Espírito que nos congrega sejam, para cada um, fonte de renovação, esperança e comunhão.

Sintam-se verdadeiramente em casa! Esta é a vossa casa, porque somos todos membros da única Igreja de Cristo.

Com esse espírito fraterno de comunhão e acolhida, desejo agora partilhar com vocês uma reflexão sobre o tema que nos inspira neste encontro: “Ele, Cristo, nossa Paz, nossa Esperança: construindo pontes em um mundo dividido como missão para as Novas Comunidades.”

 

I. O mundo dividido: diagnóstico espiritual e pastoral

Vivemos tempos marcados por divisões profundas. Não são apenas divisões políticas ou ideológicas, mas fraturas existenciais que ferem a alma humana. Basta olhar à nossa volta: guerras prolongadas em tantas regiões do planeta, perseguições religiosas, exclusão social, violência urbana, intolerância e xenofobia. As redes sociais, que poderiam ser pontes de comunicação e partilha, muitas vezes se transformaram em trincheiras onde o outro é visto como inimigo e a verdade como arma de guerra.

As famílias estão divididas. Paróquias e comunidades vivem tensões internas. Grupos apostólicos que deveriam testemunhar a unidade do Corpo de Cristo, por vezes, se tornam arenas de disputas. A própria Igreja, em alguns lugares, sofre com a instrumentalização ideológica da fé: onde o Evangelho deveria reinar, instala-se a polarização; onde a caridade deveria florescer, germina a vaidade.

O Papa Francisco — cuja memória guardamos com ternura e gratidão — dizia com clareza em sua exortação Evangelii Gaudium: “O mundo atual, com os seus inúmeros problemas, precisa de uma Igreja que saiba aquecer os corações, que caminhe com as pessoas, que acompanhe os que se perderam, que cure feridas.” (EG, 49)

É nesse mundo ferido que somos chamados a ser presença do Ressuscitado. E, mais do que nunca, as Novas Comunidades têm um papel profético: recordar que Cristo é a ponte entre Deus e a humanidade, e que nós, discípulos missionários, somos chamados a prolongar essa ponte nos caminhos concretos da vida.

 

II. Cristo, nossa Paz e nossa Esperança

A base de nossa missão está em Cristo. E, por isso, não começamos nossa reflexão com estratégias, números ou projetos, mas com uma afirmação de fé: Jesus é a nossa Paz e a nossa Esperança.

Na carta aos Efésios, São Paulo afirma com força: “Ele é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade, derrubando o muro da separação, a inimizade” (Ef 2,14).

Aqui está a raiz do nosso testemunho. Não estamos apenas tentando promover uma paz humana, feita de acordos ou concessões. A paz que anunciamos é o próprio Cristo. É a paz que nasce da cruz, onde Ele reconciliou o céu e a terra, o homem e Deus, o ofensor e o ofendido. E não apenas a paz: também a esperança. Porque a esperança cristã é mais do que um sentimento: é uma certeza enraizada na fidelidade de Deus.

O saudoso Papa Francisco dizia: “A esperança cristã não decepciona. Não se apoia em palavras, mas em promessas feitas por Deus. E Deus é fiel.” (Audiência Geral, 31/05/2017)

E o atual Pontífice, Papa Leão XIV, reafirmou recentemente: “A missão cristã não consiste em vencer discussões, mas em acender luzes onde há escuridão, e em construir comunhão onde o mundo só conhece confrontos.” (Homilia no Domingo de Pentecostes, 2025)

É com essa esperança que as Novas Comunidades devem caminhar. Uma esperança que não teme as tempestades, porque sabe que Jesus está no barco.

 

III. A missão das Novas Comunidades: ser pontes

As Novas Comunidades nasceram de uma efusão do Espírito Santo em tempos de crise e transição. Surgiram para responder a um clamor: o desejo de uma vida cristã autêntica, radical, comunitária, missionária e profundamente enraizada no Evangelho.

Mas, ao longo do tempo, o risco da autorreferencialidade, da estagnação espiritual e da competição silenciosa com outras expressões eclesiais pode ameaçar a sua fecundidade. Por isso, hoje, mais do que nunca, vocês são chamados a ser pontes.

Pontes entre gerações: onde os jovens encontram escuta e os mais velhos são honrados.

Pontes entre espiritualidade e ação: onde o louvor e a adoração impulsionam a caridade concreta.

Pontes entre comunidades e paróquias, entre carismas e ministérios, entre clero e leigos, entre periferias e centro.

Como bem ensinava São João Paulo II: “O mundo precisa de construtores de pontes, e não de construtores de muros. A Igreja precisa de corações abertos, capazes de acolher e integrar.” (Homilia em Assis, 1993)

E como reafirmou o Papa Leão XIV no início de seu pontificado: “Os muros que o medo ergue, o Evangelho derruba com amor. As comunidades que escolhem ser pontes serão faróis da esperança para este século inquieto.” (Mensagem “Urbi et Orbi”, maio de 2025)

 

IV. Espiritualidade do encontro e da reconciliação

Ser ponte exige conversão contínua. Uma ponte só cumpre sua função se for sólida, firme, construída sobre alicerces profundos. No caso das Novas Comunidades, esse alicerce é a vida espiritual: oração constante, escuta da Palavra, discernimento comunitário, vivência sacramental, obediência à Igreja e serviço aos irmãos.

Construir pontes exige também ser ponte. E isso dói. O Papa Francisco nos recordava com uma frase provocadora e profundamente verdadeira: “Ser ponte é aceitar ser pisado, ser caminho de passagem. Mas é também ser sinal de encontro entre margens que não se tocariam sem ela.” (Discurso ao Pontifício Colégio Mexicano, 2021)

Isso exige humildade. Uma comunidade que não sabe perdoar não pode anunciar reconciliação. Uma comunidade que exclui não pode falar de comunhão. A vida fraterna — muitas vezes exigente — é o primeiro testemunho do que pregamos. As tensões internas, os julgamentos, as comparações silenciosas devem ser superados pela caridade madura.

Como nos alerta o Papa Leão XIV: “A missão começa dentro de casa. Uma comunidade reconciliada tem autoridade para reconciliar o mundo. Mas uma comunidade dividida espalha ruído onde deveria ecoar o Evangelho.” (Discurso aos Movimentos Eclesiais, 2025)

 

V. Pontes na missão: experiências e horizontes

Quero agora partilhar alguns horizontes onde as Novas Comunidades podem — e devem — ser pontes:

  1. Entre fé e cultura: evangelizar não é negar o mundo, mas habitá-lo com sentido. O diálogo com a arte, a política, a música, o cinema, os novos meios de comunicação deve ser feito com criatividade e fidelidade.
  2. Entre Igreja e juventude: a linguagem dos jovens pede escuta, proximidade e autenticidade. As Novas Comunidades têm carismas preciosos para esse campo missionário.
  3. Entre espiritualidade e ação social: uma comunidade que ora, mas não se compromete com os pobres, é incoerente com o Evangelho. Ao contrário, a caridade sem oração torna-se ativismo estéril.
  4. Entre diferentes expressões eclesiais: comunidades novas não substituem as antigas; complementam. Devemos colaborar, somar, respeitar e aprender uns com os outros.
  5. Entre o visível e o invisível: a missão não é apenas fazer “coisas” visíveis, mas irradiar a presença de Cristo onde estivermos — no trabalho, na escola, no silêncio da adoração, na ternura do cuidado.

 

VI. Conclusão: a ponte que é a cruz

Meus irmãos, a ponte definitiva entre Deus e a humanidade foi construída com madeira e pregos. É a cruz. Nela, Cristo ligou o céu à terra, perdoou nossos pecados, quebrou as correntes do ódio e nos abriu o caminho da reconciliação.

Quem quiser ser ponte, deve abraçar a cruz.

Quem quiser construir unidade, deve carregar com paciência as fragilidades dos outros.

Quem quiser semear esperança, deve aprender a esperar com fé.

Concluo com um apelo: não tenham medo de ser pontes. Mesmo que isso doa. Mesmo que pareça que o mundo não escuta. Mesmo que surjam incompreensões. Se vocês forem fiéis, Cristo será visível em vocês. E, se Cristo for visível, então a Paz e a Esperança florescerão.

 

Rezemos juntos:

Senhor Jesus, nossa Paz e nossa Esperança, fazei de nós instrumentos da vossa reconciliação. Onde houver divisão, levemos a unidade. Onde houver escuridão, levemos a luz. Onde houver desânimo, levemos a esperança. E que as Novas Comunidades sejam verdadeiros sacramentos vivos da vossa presença em um mundo ferido. Amém.

 

Muito obrigado.

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