O Dia do Nascituro

Ao longo da primeira semana de outubro, a Igreja no Brasil nos convida a uma jornada de reflexão e oração com a Semana Nacional da Vida, que encontra seu ápice no dia 8, com a celebração do Dia do Nascituro. Esta não é apenas uma data em nosso calendário litúrgico; é um convite anual para renovarmos nossa consciência e nosso compromisso com a verdade mais fundamental do Evangelho: a sacralidade e a inviolabilidade da vida humana, desde o seu primeiro instante na concepção até seu ocaso natural. Em um tempo marcado por tantas incertezas e angústias, celebrar o nascituro é um ato de profunda esperança, uma afirmação corajosa de que vale a pena acreditar no futuro, pois acreditamos no Deus que é o Senhor da Vida.

O fundamento de nossa celebração não repousa sobre uma opinião filosófica ou uma preferência cultural, mas sobre a rocha firme da Revelação Divina. Desde as primeiras páginas da Sagrada Escritura, a vida humana é apresentada como o cume da obra criadora de Deus. No livro do Gênesis, lemos o desígnio do Criador: “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança” (Gn 1,26).

Ser imagem de Deus é a fonte da dignidade incomparável de cada pessoa. Esta dignidade não é adquirida por mérito, por capacidade de produção, por reconhecimento social ou por qualquer outro critério humano. Ela é um dom gratuito, impresso no ser de cada um de nós pelo próprio Deus. O nascituro, em sua pequenez e silêncio, já é portador dessa imagem divina em sua plenitude. Nele já resplandece o selo do Criador.

Esta verdade é aprofundada por toda a Tradição da Igreja. São Paulo, em sua Carta aos Efésios, nos oferece uma perspectiva ainda mais vertiginosa ao afirmar que Deus “nos escolheu, em Cristo, antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis sob o seu olhar, no amor” (Ef 1,4). Cada vida humana não é fruto do acaso ou de uma cega necessidade biológica, mas de um pensamento eterno de amor de Deus. Antes de existirmos no tempo, já existíamos em Seu coração.

O saudoso Papa São João Paulo II, em sua Carta Encíclica *Evangelium Vitae*, chamou esta verdade de “o Evangelho da Vida”, recordando que a vida de cada indivíduo é um dom a ser acolhido, respeitado e protegido. Portanto, quando a Igreja se levanta em defesa do nascituro, ela não está impondo uma visão particular, mas proclamando uma verdade que diz respeito à própria essência do ser humano e ao futuro de toda a civilização. Defender o nascituro é defender a humanidade de si mesma.

A mensagem do Evangelho da Vida ecoa hoje em um contexto cultural complexo e, por vezes, hostil. Vivemos imersos no que o Papa Francisco denominou “cultura do descarte”, uma mentalidade que tende a valorizar as pessoas por sua eficiência e utilidade, descartando os que são considerados “improdutivos” ou “inconvenientes”. Nesta lógica, os mais vulneráveis, como os idosos, os doentes e, de modo particular, os nascituros, são vistos como um peso ou um problema a ser eliminado. A essa cultura do descarte soma-se uma cultura do medo: o medo do futuro, a instabilidade econômica, as pressões de uma carreira profissional e um individualismo exacerbado que leva muitos a ver um filho não como um dom, mas como um obstáculo à realização pessoal.

Diante desse cenário, a fé cristã nos oferece um antídoto poderoso: a virtude teologal da esperança. Acolher uma nova vida é um ato supremo de esperança. É acreditar que o amor é mais forte que o egoísmo, que a providência de Deus não nos abandona e que o futuro construído com generosidade é sempre mais luminoso.

O maior exemplo dessa esperança corajosa nos vem da Sagrada Família. A Virgem Maria, diante do anúncio do Anjo, não se deixou paralisar pelo medo do desconhecido ou pelo risco do juízo social. Seu “sim” – “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (Lc 1,38) – é um ato de total confiança em Deus, um modelo de acolhida incondicional à vida.

Ao seu lado, temos a figura silenciosa e fundamental de São José, o homem justo que, em meio à sua perplexidade, escolheu o caminho da obediência a Deus, acolhendo Maria e o Menino que ela trazia no ventre. José se tornou o guardião do Redentor, o protetor da vida mais preciosa e, ao mesmo tempo, mais frágil da história.

A Sagrada Família de Nazaré, enfrentando a pobreza e a perseguição, nos ensina que nenhuma dificuldade é grande o suficiente para justificar a recusa do dom da vida. A sua fé nos convida a ser, hoje, guardiões e protetores de cada nascituro, vendo em cada um deles o próprio Menino Jesus que busca acolhida em nosso mundo. A lógica da Encarnação, na qual Deus escolhe a fragilidade de um embrião para redimir a humanidade, santifica cada etapa da existência humana e nos chama a uma coerência radical.

A celebração do Dia do Nascituro, portanto, não pode se esgotar em belas reflexões; ela deve nos impulsionar a um compromisso concreto e multifacetado, a uma verdadeira “cultura da vida em ação”. Esta missão pertence a toda a Igreja e a todas as pessoas de boa vontade.

Primeiramente, nossas paróquias e comunidades devem ser, de fato, “santuários da vida”. Isso significa criar espaços de acolhida real e sem julgamentos para gestantes em dificuldade. A Pastoral da Gestante, os grupos de apoio familiar e as iniciativas de caridade que fornecem enxovais, alimentos e amparo psicológico são expressões concretas do rosto materno da Igreja.

Em segundo lugar, nossas famílias, como “igrejas domésticas”, são o primeiro e insubstituível lugar onde se aprende a amar e a valorizar a vida. Os pais têm a nobre missão de educar seus filhos para uma visão cristã da sexualidade, do amor e do matrimônio, formando consciências que espontaneamente reconheçam a sacralidade de cada ser humano.

Um chamado especial se dirige aos educadores, profissionais da saúde e cientistas. Eles têm uma responsabilidade imensa na formação das novas gerações e no cuidado com a vida. Pedimos que sejam sempre servos da verdade, colocando sua inteligência e sua técnica a serviço da vida, e não da morte, resistindo às pressões que buscam transformar a medicina e a ciência em instrumentos contra a dignidade humana.

Finalmente, nosso compromisso se manifesta na esfera pública. Como cidadãos, somos chamados a promover e defender leis e políticas públicas que protejam o nascituro e, ao mesmo tempo, deem todo o suporte necessário à gestante e à família. Uma sociedade que verdadeiramente defende a vida não se limita a proibir o aborto; ela investe em saúde, em creches, em mecanismos de adoção ágeis e seguros e em amparo econômico para famílias vulneráveis, para que nenhuma mulher se sinta forçada a escolher entre a sua dignidade e a vida de seu filho.

O Dia do Nascituro é um chamado à conversão do nosso olhar. É um convite a ver em cada vida concebida não um problema, mas uma promessa; não um fardo, mas um dom. Que esta celebração renove em nós a coragem de sermos profetas e construtores da “civilização do amor”. Confiando esta nobre causa à intercessão de Nossa Senhora Aparecida, Mãe e Padroeira do Brasil, peçamos a graça de sermos sempre fiéis ao Evangelho da Vida.

 

Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.

Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

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