Celebramos, recentemente, na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) os 70 anos do Departamento das Ciências Sociais, e foi com muita alegria que dividi a mesa de abertura do evento com Domício Proença Filho (ABL), Alberto Gallo (ADCE), Maria Alice Rezende de Carvalho (PUC-Rio) e Ricardo Ismael (PUC-Rio). Na ocasião, assistimos à bela mensagem enviada por Joaquim Falcão (ABL). Juntos, abordamos alguns pontos da vida de padre Fernando Bastos de Ávila, S.J., fundador do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio.
Em primeiro lugar, é importante exaltar a iniciativa de recuperar o legado intelectual de padre Ávila com a reedição comemorativa de sua obra “Solidarismo” por nossa editora. Sua trajetória, seus gestos emblemáticos de um intelectual de profundidade ímpar e pensamento dialogante com a realidade que o circundava ajudam a compreender o legado de um homem de alma e de letras (d’esprit et de lettres) que precisa ser resgatado.
Durante pesquisa que fiz sobre a vida de padre Fernando Bastos de Ávila, S.J. nos arquivos da Companhia de Jesus, pude verificar sua profundidade intelectual intrinsecamente conectada com sua vida espiritual de religioso jesuíta que deixou-se conduzir por uma formação integral, que finalmente o tornou um mestre respeitado e uma referência nas ciências sociais, especialmente em relação à Doutrina Social da Igreja.
De fato, através dos escritos e da vida de padre Ávila se compreende melhor como o cristianismo não é uma forma de saída da realidade, de retirada do mundo, mas sim, ao contrário, como a vivência da fé cristã é uma verdadeira escola da encarnação, pois nos leva a um comprometimento efetivo com a transformação do mundo em um lugar fraterno, justo e igualitário.
Em 1968, padre Ávila também fundou o Ibrades – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento, que funcionou primeiro no Rio de Janeiro e depois em Brasília. O Ibrades colaborou intensamente com a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Ofereceu formação social e política, realizou pesquisas e promoveu encontros estratégicos. A análise de conjuntura feita pelo Ibrades sempre foi algo fundamental como contribuição da Igreja para com a sociedade brasileira em transformação.
Creio que precisamos muito desse tipo de análise relevante e propositiva sobre a realidade brasileira, baseada no pensamento social da Igreja, sempre reconhecida como uma instituição séria, com incidência social e cultural, relevância socioeconômica, política e de lugar de inspiração para todo pensamento humanista.
Agora temos o desafio socioambiental, a questão da crise climática, os conflitos no mundo. Papa Francisco nos tem alertado a concentrar-nos no essencial e construirmos juntos a paz e o desenvolvimento, em uma clara e decidida luta contra a pobreza. Creio que, iluminados pelo testemunho de padre Ávila, jesuíta, membro da Academia Brasileira de Letras e homem de Igreja, a PUC-Rio deve dar a sua contribuição para a cidade do Rio de Janeiro e para o país.
Tenho esperança de que, a partir dos ensinamentos de padre Ávila, possamos reinaugurar uma escola de aprofundamento desse pensamento social da Igreja, para que não fiquemos como últimos profetas que choram tempos passados, em que a Igreja tinha uma incidência imediata na sociedade. O desafio de hoje é sermos mais criativos, salvaguardando a solidez da doutrina e a leveza da fé em Jesus, o Cristo.
Como fazer isso concretamente? Creio que é necessário conhecer, estudar, aprender juntos, sempre abertos a novos cenários. Precisamos proporcionar aos estudantes de hoje, especialmente os que são tocados pelas questões sociais e injustiças, uma formação não ideológica ou identitária, mas aberta, dialogante e com profundidade. Os jovens não podem ser meros repetidores, mas precisam ser ajudados a tornar-se protagonistas e multiplicadores de um saber que é transmitido como tesouro, mas, ao mesmo tempo, se renova e nos ultrapassa. Ser profundos e dialogantes em mundo contemporâneo muitas vezes superficial e imediatista. Esse é o legado de padre Fernando Bastos de Ávila, S.J.
Nesse sentido, fazemos memória de padre Ávila porque foi um homem, um jesuíta, um sociólogo, um professor apaixonado, um dedicado fundador e diretor de departamento, finalmente, um “imortal”, membro da Academia Brasileira de Letras, por sua cultura, elegância intelectual, mas, sobretudo, porque, com seus escritos e gestos, soube afrontar os problemas do seu tempo.
Que possamos honrar o seu legado, especialmente o Departamento de Ciências Sociais, lutando contra a pobreza, analisando, buscando meios concretos e oferecendo pensamento profundo para o nosso país. A PUC-Rio continua, e padre Ávila está aqui porque seu testemunho nos impulsiona a aceitar o desafio. Agora é conosco. Viva o Departamento de Ciências Sociais! Viva o padre Ávila!
Padre Anderson Antonio Pedroso, S.J. é reitor da PUC-Rio, teólogo pela Universidade Gregoriana, em Roma, e doutor em História e Filosofia da Arte pela Universidade Sorbonne, em Paris