O ministério da esperança e da consolação e a sinodalidade eclesial: leigos nos cemitérios como linha de frente na evangelização diante da morte e do luto

O aumento crescente da população, o progresso das ciências e da técnica, as relações mais estreitas entre os homens não só dilataram imensamente os campos do apostolado dos leigos, em grande parte só a eles acessíveis, como suscitaram novos problemas que requerem a sua inteligente solicitude e o seu esforço. (A.A. 1)

Os MECES, como agentes extraordinários das exéquias, constituem um sopro conciliar sobre a vocação dos leigos na Igreja. Este ministério é privilegiado por aproximar a Igreja da dor, do sofrimento e do óbito das gentes. Nas trincheiras dos cemitérios, de modo discreto e eficiente celebram a Vitória do Perdão da Cruz sobre a Morte. Consolam e dignificam o óbito humano. Comunicam às famílias enlutadas o ‘abraço’ que Jesus lhes daria, como o fez às irmãs de Lázaro (Jo 11) diante do decesso de seu amigo. Dignifica a vida batismal saber que a consolação dos aflitos e a prece contrita pelas almas dos defuntos saem dos lábios e da presença eclesial de leigos batizados e comprometidos com a Igreja.

 

A FORMAÇÃO DE MINISTROS DOS CEMITÉRIOS NO RIO DE JANEIRO

Dada a sua intenção consoladora, este MINISTÉRIO torna-se um campo eclesial de ação cada vez mais importante, especialmente no contexto da cultura da violência e da morte, nesta cidade do Rio de Janeiro. Pois, a consolação e o anúncio da esperança cristã humanizam a dor e revelam a força da compaixão como instrumento de conversão e evangelização. 

Frente ao desespero e ao despreparo diante da morte, o Ministério da Consolação e da Esperança coloca marcos importantes na difícil encruzilhada do sofrimento. Afirmar a esperança cristã diante da morte eleva o decesso humano ao nível mais alto da cadeia biológica. A morte humana não gera automaticamente a Fé na vida imortal. O conhecimento da Ressurreição é fruto da Revelação objetiva de Cristo aos Apóstolos e da Ação de ‘Convencimento’ do Espírito da Verdade, que conduz a Igreja, na História, à Plenitude da Verdade.

Atuais, estes elementos ainda caracterizam o contexto de incrementação da consciência do apostolado leigo, umas das principais marcas do Concílio. Destaco aqui a importância da dilatação imensa de campos de ação dos leigos, para além das fronteiras ‘paroquiais’ e, ao mesmo tempo, o explícito reconhecimento que a ação apostólica do laicato católico não é uma suplência da mancante ação dos clérigos, muito menos sua substituição. Por fim, a exigência de um perfil de ação apostólica impede a ação dos leigos de tornar-se um mero agir no mundo, sem referência explícitas aos princípios do Evangelho, da Doutrina (também a social) da Igreja.

A Igreja nasceu para que, dilatando o Reino de Cristo por toda a terra para glória de Deus Pai, torne os homens participantes da redenção salvadora e por meio deles todo o mundo seja efetivamente ordenado para Cristo.

 

O MINISTÉRIO É O EXERCÍCIO DA VOCAÇÃO APOSTÓLICA DO CRISTÃO

Não há apostolado, no sentido estrito da palavra, sem comunhão com a Igreja. Não é cabível uma ação ministerial de leigos sem os Pastores ordinários. A ação pastoral da Igreja é uma missão delegada aos cristãos pela fonte batismal e por isso os vincula à ação originária dos apóstolos. A ação do Espírito Santo convoca os batizados em comunhão com a Igreja, os torna aptos para participar no anúncio e na realização da dilatação do Reino de Deus. A missão nasce da Igreja gerando-a nos corações humanos. A origem da Missão da Igreja é somente Cristo, que nela opera pelo Espírito. Sua Missão (de Cristo) é levar ao Pai. Ele, Pascal e Vitorioso nos concede ‘o hálito’ da vida nova e da ação transformadora do mundo. A missão cristã é a ação eclesial que prolonga e atualiza a Encarnação redentora. 

Por isso o Apostolicam Actuositatem. diz: ‘Toda a atividade do corpo místico orientada para este fim chama-se apostolado, que a Igreja exerce por meio de todos os seus membros, de maneiras diversas; com efeito, a vocação cristã, por sua natureza, é também vocação ao apostolado.

Em A.A.3 o Concílio cita os fundamentos da missão apostólica dos leigos: ‘O dever e o direito do apostolado dos leigos deriva da união destes com Cristo cabeça’. Sem uma profunda experiência místico-sacramental de Cristo a missão é uma (boa) ação, que de fronte aos obstáculos e fracassos humanos poderia naufragar, ao mesmo tempo na missão experimenta-se a forte presença de Cristo que age na dedicação e interação dos batizados no mundo em que vivem (At 11,21 Mc 16,20; Mt 28,20, Jo 15,5)

Mais ainda a ação apostólica e missionária dos fiéis batizados implica na experiência da Fé, que a inaugura nas condições regeneradoras do Batismo, por esta morte e ressurreição fomos integrados à eficácia da Encarnação redentora de Cristo, que no Espírito salva os homens no tempo e os integra ao Celeste Reino do Pai: ‘O apostolado é exercido na fé, na esperança e na caridade que o Espírito Santo difunde nos corações de todos os membros da Igreja’.

O apostolado é missão qualificada pelo Espírito Santo, que traduz as necessidades do Reino em nós, que adverte a necessidade de sermos parte ativa e integrante daquilo que anunciamos por uma vida reta e coerente, apesar de nossas fraquezas. É ação do Espírito que envia os batizados ao mundo, em comunhão com Cristo e com os Apóstolos, e que traduz na mente e na imaginação dos leigos os novos meios de evangelizar e santificar a cultura e o homem de seu tempo. Pelos carismas o Espírito Santo implanta na alma cristã a ‘tecnologia’ da ação cristã baseada na diversidade de pessoas e necessidades, na pluralidade de expressões da mesma verdade. 

Ao mesmo tempo realiza na unidade o testemunho na verdade, exprime a caridade, o tribunal indistinto da qualidade essencial de toda ação apostólica e ao mesmo tempo nos coloca no foco central do Cristianismo: a Santissima Trindade, horizonte e meta do apostolado da Igreja: ‘Da recepção destes carismas, ainda que os mais simples, nasce para cada um dos fiéis o direito e o dever (o grifo é meu!) de, para bem dos homens e edificação da Igreja, os exercerem nesta e no mundo, na liberdade do Espírito Santo (…)

Mas os leigos, tornados participantes do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo, realizam na Igreja e no mundo a parte que lhes cabe na missão de todo o povo de Deus. Efetivamente, exercem a sua atividade apostólica para a evangelização e santificação dos homens e para animarem e aperfeiçoarem com o espírito evangélico a ordem das coisas temporais, de tal modo que a sua ação neste campo dê claro testemunho de Cristo e sirva para a salvação dos homens.

O Decreto o Concílio chama atenção para as relações entre a vocação apostólica dos leigos e da hierarquia. E para a missão de aperfeiçoar com espírito evangélico a ordem das coisas temporais

Neste campo, encontramos um longo e sinuoso debate entre correntes, que entendiam radicalmente a missão do leigo como ad extra à Igreja, quase independente dela e às vezes até contra ela. Isto tornou-se assim um fator que justificou a atenção ao modelo ‘pentecostal’ de pastoral, que invidualiza (na consciência do leigo) a missão de evangelizar, como fato outorgado diretamente pelo Espírito, uma ordem direta do Cristo, sem a mediação legitimadora da Igreja. De outro lado, a leitura politizada dos anos 80, animada por correntes da ‘teologia da libertação’ estimulava uma forma de igreja leiga e popular. Sua ação era estimulada pelos ‘sinais dos tempos’, e nesta parecia restar pouco espaço para o Magistério da Igreja. E até mesmo o Evangelho parecia estar submetido a uma leitura particular do método ‘ver, julgar e agir’, reminiscência da ação católica. A ação da Igreja era vista como práxis política (inclusive partidária!).

Uma reação também negativa às questões de um apostolado leigo ‘politizado’ tem insistido numa perspectiva ‘sacramentalista’, passiva e às vezes até indiferente aos ‘movimentos’ do corpo da Igreja. Segundo o Concílio, a alma da missão e da ação do leigos batizados é a evangelização e a santificação dos homens no mundo e na sociedade no qual vivem e em favor dos quais exercem tal ministério: ‘Efetivamente, exercem a sua atividade apostólica para a evangelização e santificação dos homens (…)’ Este elemento poderia nortear melhor as nossas avaliações sobre a eficácia pastoral. O que temos feito como leigos, na família, na sociedade, no ambiente de trabalho trazem as marcas deste binômio: evangelizar e santificar, sem o qual estes irmãos não serão aptos à plena participação no Mistério de Cristo e da Igreja.

O Concílio insistiu muitas vezes na esfera temporal da ação do leigo: ‘Uma vez que é próprio do estado dos leigos viverem no meio do mundo e dos negócios seculares, eles próprios são chamados por Deus a exercerem aí o seu apostolado, à maneira de fermento, com entusiasmo e espírito cristão’.

A primeira questão levantada pelo Concílio reside na harmonização entre a linguagem cristã e as culturas vigentes. A cultura entendida como o‘ ambiente’ no qual se difunde e se avalia a mensagem do Evangelho. A cada época surgem novas dificuldades na compreensão da mensagem cristã, que não pode, nem ficar à margem da comunicação hodierna, nem ser assimilada pela simploriedade de passageiros modismos culturais. Em outras palavras, a cultura é um campo privilegiado da ação missionária da Igreja, que não pode permitir nem o isolamento da mensagem cristã, destinada a todos os tempos por causa de sua incompreensibilidade, nem aceitar sua deglutição por códigos e esquemas provisários de tradução, tornando-a prisoneira de esquema e modas.

 

SER MINISTRO DA CONSOLAÇÃO E DA ESPERANÇA

O apostolado só pode atingir plena eficácia com uma multiforme e integral formação exigida não só o contínuo progresso espiritual e doutrinal do próprio leigo mas até pelas várias circunstâncias de coisas, pessoas e tarefas, às quais se deve adaptar a sua atividade. Esta formação em ordem ao apostolado deve apoiar-se naqueles fundamentos, que noutros lugares foram afirmados e declarados pelo Concílio.1 Além da formação comum a todos os cristãos, não poucas formas de apostolado requerem também uma formação específica e peculiar, em virtude da variedade de pessoas e circunstâncias.

Baseados fundamentalmente na atual sensibilidade da Igreja (AA 1), que através do Bispo diocesano institui alguns leigos para participarem mais estavelmente das suas preocupações ‘pastorais’. E, que por isso, diante de tal tarefa, obriga o mesmo Ordinário a dispensar os meios necessários para que os mesmos leigos sejam aptos a exercer tais ministérios. É mister que atinjam o objetivo de oferecer e colocar em prática as exigências e demandas de uma adequada formação pessoal e eclesial dos ministros envolvidos com a ação da Igreja, na Arquidiocese, nos Campos Santos e outros Cemitérios sob nossa responsabilidade, tudo isso, no que tange a todos os âmbitos práticos e teórico-doutrinais implicados na execução do ministério da consolação e da Esperança.

O MECE é uma ferramenta eficaz da Igreja que sofre e chora com os que padecem, oferecendo-lhes o suporte da Fé na vida eterna, no perdão dos pecados e na confiança em nossa participação na Ressurreição de Cristo. Eles são a voz da Esperança no mundo do decesso e da tristeza. Não é somente uma voz na saudade (passado), mas um canto cheio de esperança e consolação (futuro).

 

Padre Pedro Paulo Alves dos Santos

Assistente eclesiástico arquidiocesano

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