Ordem do Santo Sepulcro de Jerusalém e missa por Nossa Senhora da Palestina na Igreja da Imperial Irmandade de Nossa Senhora da Glória do Outeiro

“Sede fiel e valoroso soldado de Nosso Senhor Jesus Cristo, cavaleiro do seu Santo Sepulcro, forte e destemido.”

Com essas palavras, as damas e os cavaleiros da mais alta honraria concedida pelo Vaticano ainda hoje são investidos, recebendo capa e espada, para a defesa da Santa Madre Igreja.

Aquele que os consagra, todavia, a mando do próprio Papa, desde logo os adverte de que a força de qualquer lâmina não serve brutamente para os desígnios da fé, senão como um símbolo, afinal, de que os sacros Evangelhos devem ser preservados com total abnegação, por aqueles que se alistam nas fileiras do Senhor.

“Guardai-vos, porém, de ferir injustamente quem quer que seja e lembrai-vos de que os santos conquistaram os reinos com a fé, e não com a espada.”

Mais importante do que estarem munidos de floretes, antes, os cavaleiros do Santo Sepulcro devem estar armados com a malha da caridade, revestidos com as manoplas do bem e recobertos, principalmente, com a couraça do amor.

Conhecidos por suas dignas vestes, ora cada vez mais presentes nos ofícios religiosos da cidade do Rio, os membros da vetusta Ordem do Santo Sepulcro já estão no Brasil há muito mais de cem anos.

Por exemplo, no Jornal do Brasil de sexta-feira, 4 de abril de 1902, edição número 94, um curioso artigo, do tempo em que se escrevia sepulcro com ch, nos informa que a dita ordem foi fundada no século XI da era cristã, após a ocupação da basílica de Santa Helena pelos cônegos regrantes de Santo Agostinho.

Esses agostinianos ficaram jurados de, ao romper do dia, no altar ocidental, rezar a cada 15 de julho em homenagem à tomada de Jerusalém pelos Cruzados e, no dia 16, rezar integralmente pelas almas dos cristãos mortos durante o assalto.

Já no dia 17, os cônegos deveriam orar pela alma de Godofredo de Bulhão, nobre francês, duque de Lorena e líder da Primeira Cruzada. De fato, foi quem conquistou Jerusalém, tornando-se seu soberano e defensor do Santo Sepulcro, mas que jamais utilizou a coroa real, por declarar que se recusava a aceitar “uma coroa de ouro onde o Rei dos reis usara uma de espinhos”.

Com o tempo, os cônegos de Santa Helena desenvolveram várias atividades ao longo da Terra Santa e, em proximidade com leigos, militares ou não, converteram-se nos piedosos e valorosos frades da milícia do Santo Sepulcro. Nesta qualidade, acompanhados por cavaleiros ungidos a defender o túmulo de Jesus Cristo, difundiram imensa caridade aos necessitados, e ajuda aos cativos e peregrinos cristãos que até Jerusalém se dirigiam.

Parte das mais antigas convicções que existem na cristandade, e que nasceu de uma notável democracia e conjunção de esforços de diversos devotos para proteger a última morada do Redentor, ainda hoje os cavaleiros do Santo Sepulcro ostentam em suas vestes a insígnia máxima de Jerusalém. Esta é a cruz quíntupla, representada por uma cruz maior, grega, ladeada de outras quatro cruzes menores, também gregas, todas alusivas às cinco chagas do Salvador.

Dom Pedro II, conforme se conhece, terá sido um de seus mais insignes membros brasileiros, condecorado a 4 de dezembro de 1876, durante a peregrinação que ele fez até Jerusalém. Isto nos informa seu descendente, Dom Carlos Tasso de Saxe-Coburgo e Bragança, em bela publicação feita na revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, volume 271, ano de 1966.

Com estatuto de Pio XII, datado de 1949, alguns estudiosos afirmam que a ordem que ora existe é completamente autônoma e distinta, e que ela não guarda qualquer tipo de relação com a instituição fundada no passado.

Os partidários dessa tese fundamentam-se no argumento de que a Ordem do Santo Sepulcro de antes se chamava “Sacra e Militar Ordem do Santo Sepulcro”, ao passo que hoje é nomeada como “Ordem Equestre do Santo Sepulcro de Jerusalém”.

Nada obstante, o Papa Celestino XI, em 1144, colocou a Ordem sob “Petri e Nostra Proteccione”. Porquanto o Papa Pio X, quase 800 anos depois, e por meio da carta apostólica “Quam Multa”, datada de 3 de março de 1907, fez reservar à sua santíssima pessoa o cargo de Grão-Mestre dos protetores do Santo Sepulcro, o que dá a entender, na soma de tudo, que se o estabelecimento jurídico não foi continuado, pelo menos o seu espírito o foi.

Quase sempre sob a proteção direta do papado, como ela atualmente está, a ordem foi privilegiada e, desde tempos imemoriais, menções à sua existência fazem parte do cenário histórico luso-brasileiro.

Por exemplo, já nas primeiras décadas de 1500, quando o Brasil ainda estava por ser colonizado, uma curiosa carta, agora arquivada no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Portugal, e registrada sob o número 346 da coleção de missivas daquele arquivo, fora endereçada pelo ‘chanceler e embaixador de Rodes ao Rei’ de Portugal, para tratar de assuntos concernentes ao ‘priorado do Crato’, e ‘às ordens do Santo Sepulcro e de São Lázaro’.

Tradição por tradição, não seria de se estranhar, com tamanha bagagem histórica, que a Ordem do Santo Sepulcro tivesse elegido o orago da Imperial Irmandade de Nossa Senhora da Glória do Outeiro para celebrar sua missa anual, em homenagem a Nossa Senhora da Palestina, padroeira da Ordem.

Compromissados com a fé dos primeiros católicos, cavaleiros e damas do Santo Sepulcro, reunidos sob a palavra de nosso Cardeal, Dom Orani João Tempesta – que também é Grão-Prior dos defensores do Santo Sepulcro –, fizeram fervorosas orações pelo fim da violência na região de toda a Terra Santa, invocando a intercessão da Senhora da Palestina, cujo culto é comemorado sempre aos 25 de outubro.

Na condição de convidado, de que tive a honra de receber lisonjeira convocação da excelentíssima senhora Isis Penido, lugar-tenente da Ordem do Santo Sepulcro no Rio de Janeiro, acompanhei todo o ofício.

Presentes, e de meu conhecimento, estavam o amigo Elmair Neto, e o amigo Alberto Gallo, respectivamente vice-presidente e presidente regional da Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas (ADCE); Dom Roque Souza, Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro; o Monsenhor Sérgio Costa Couto, reitor da Glória do Outeiro e, entre os investidos no Santo Sepulcro, a lugar-tenente Isis Penido, as damas Amância Matos, Solange Massad, Adelma Linhares e Dinalva Costa.

Cavaleiros, compareceram os senhores Gilson Araújo Junior, Fernando Bicudo, Rômulo Mene, Cláudio André Castro e Marcelo Susini.

Rezaram todos, circunscritos pela raríssima planta da nave, que forma um octógono, e pela rendilhada e misteriosa talha da igreja, cuja autoria é desconhecida, suplicando pela paz no Oriente, e pelo término da guerra que por lá grassa, entre os povos de Israel e da moderna Palestina.

Afinal, o culto de Nossa Senhora da Palestina, padroeira da Ordem, refere-se a nada menos do que a antiga concepção geográfica da Palestina de antes 1927, e que hoje compreende uma extensão territorial que abrange ambos os lados deste lastimoso conflito.

Dom Orani, em sua pregação durante a missa, bem relembrou a todos que a Palestina de Nossa Senhora é a terra natal de Jesus, e em especial a de sua mãe, Maria, para quem a imagem da veneranda Senhora da Palestina é especial e excelsamente consagrada.

Comungaram os que ali estavam, refletindo sobre o legado da herança cristã na Terra de Jesus, mas também em todos os que agora sofrem, e que igualmente são ajudados pela Diocese de Jerusalém. E ainda, pelo Santuário de Nossa Senhora da Palestina, em Deir Rafat, tão zelado pelos cavaleiros do Santo Sepulcro, ainda que distantes, mas ansiosos de fazer o bem, sem ver a quem.

Dom Orani, com a precisão que lhe é característica, de todo rememorou aos fiéis as obras que aqui também são feitas, no Brasil e no Rio, com ponderada menção à necessidade de que nunca sejam esquecidas as mazelas de nosso entorno, mesmo que existam objetivos longínquos, embora vivamente próximos ao coração.

Envolvidos pela azulejaria mais fina de toda a arte religiosa brasileira, a exortação de Dom Orani serviu para despertar seus ouvintes de que aqui, e justamente aqui, nós, infelizmente, também temos uma Cidade de Deus, um ‘Complexo de Israel’, e a nossa própria ‘faixa de Gaza’, todas muito melindrosas, e por igual bastante violentas.

Não é difícil hipnotizar-se pelas lindas cenas que, a despeito da frieza dos ladrilhos, alguns atribuem às galantes alegorias do Cântico dos Cânticos.

Elas descortinam uma encantadora visão do paraíso, aos gentil-homens que, a espelho do passado, professam os ideais da cavalaria e abraçam suas melhores práticas, para agirem com destemor, com generosidade e retidão, na conserva dos lugares santos à fé cristã, e na guarda da última morada terrena de Nosso Senhor.

Fora do universo das pastilhas da igreja, o mundo é imperfeito.

Ele em nada se conforma como um Éden, é verdade. Mas também é certo que os que se congregaram nessa missa, baixo a proteção da Senhora da Palestina, juram aproximar nossa realidade daquela delicadamente estampada no azul lusitano das paredes do Outeiro da Glória.

Isso, o nosso bom Cardeal o quer.

Isso, todos os cristãos o pedem.

E isso, como bradam os cavaleiros da Venerável Ordem Equestre do Santo Sepulcro de Jerusalém,

Deus vult!

 

Matheus Campelo

Advogado

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