Padre Márcio Luiz da Costa no Canadá: “Ofertei meu sacerdócio para a missão”

Quando estava na Basílica da Anunciação, em Nazaré, na Terra Santa, durante o retiro do clero da Arquidiocese do Rio de Janeiro, em 2016, padre Márcio Luiz da Costa sentiu o desejo de fazer uma experiência missionária além-fronteiras.

Tendo adotado como lema sacerdotal “Estou em vosso meio como aquele que vos serve” (Lc 22,27), desde então, se lançou nas mãos de Deus. Convidado para uma missão na Diocese de Edmonton, no Canadá, não teve dúvidas de sair de sua zona de conforto para desbravar uma nova terra, com o intuito de levar o anúncio do Evangelho e servir à Igreja de Cristo em contextos culturais e geográficos bem diferentes daqueles a que estava acostumado a viver.

Ordenado sacerdote por Dom Orani João Tempesta no dia 10 de maio de 2014, padre Márcio Luiz já havia desempenhado na arquidiocese carioca os ofícios de vigário paroquial nas paróquias Nossa Senhora das Dores, no Rio Comprido, São Brás, em Madureira, e pároco da Paróquia Santo André, em São Cristóvão.

Também tinha exercido os ofícios de diretor espiritual do Seminário Propedêutico Rainha dos Apóstolos, secretário executivo do Regional Leste 1 da CNBB e mestre de cerimônias do arcebispo metropolitano.

No dia 21 de junho de 2022, padre Márcio Luiz chegava para iniciar sua missão na cidade e Arquidiocese de Edmonton, capital da província de Alberta, uma área metropolitana situada mais ao norte da América do Norte, com uma população de mais de um milhão.

Sua primeira experiência, nomeado por Dom Richard Smith, hoje arcebispo de Vancouver, foi como administrador da Paróquia Santo André, nomeado no dia 11 de julho de 2022. Depois, na Paróquia Nossa Senhora de Fátima, para fiéis de língua portuguesa, foi nomeado para o ofício de administrador paroquial no dia 20 de outubro de 2022, e como pároco, desde o dia 19 de março de 2023.

Em entrevista concedida à jornalista Fátima Lima, para o jornal Testemunho de Fé, padre Márcio Luiz, hoje com 45 anos, conta o chamado de Deus, os desafios e sua vivência missionária numa região do mundo muito diferente de onde nasceu, se formou e exerceu seus primeiros anos de sacerdócio.

 

Testemunho de Fé (TF) – O que levou o senhor a querer ser missionário em terra estrangeira?

Padre Márcio Luiz da Costa – A minha chegada aqui no Canadá nasceu de um desejo que Deus colocou no meu coração em 2016, na peregrinação que eu fiz à Terra Santa. A primeira vez que eu fui lá foi com nosso bispo auxiliar, Dom Roque Costa Souza. Ali, Deus tocou no meu coração colocando o desejo de doar uma parte do meu tempo do sacerdócio também para a missão. Eu vi a beleza da Terra Santa, da missão dos padres franciscanos, e ali começou a nascer um desejo no meu coração.

Eu nunca tinha pensado em ser missionário, mas ali, na Terra Santa, começou a nascer a partir daquela experiência e eu fui amadurecendo a ideia ao longo do tempo. Eu sabia que não poderia ir para a missão logo, porque eu tinha muitas responsabilidades na Arquidiocese do Rio de Janeiro. Dom Orani não iria permitir nunca que eu fosse em missão, mas fui amadurecendo a ideia ao longo dos anos, até que, quatro anos depois, em 2020, eu pedi permissão ao arcebispo. Eu já não estava em muitas funções, porque já tinha acabado o tempo. Então, pedi permissão para fazer missão no Canadá e foi aprovado o pedido, começando, assim, o processo da documentação.

Era tempo da pandemia, um tempo bem difícil. Fizemos a aplicação, a Arquidiocese de Edmonton aceitou ter mais um padre, porque sempre foi intenção do Canadá ter dois padres. Com isso, eu consegui fazer a aplicação dos documentos, e, depois de um ano, a permissão de trabalho saiu.

Inicialmente, eu vim para ficar com o padre Sérgio Mafra. Fiquei um mês aqui na Paróquia Nossa Senhora de Fátima, de língua portuguesa, mas, devido às necessidades da Arquidiocese de Edmonton, fui enviado para uma paróquia de língua inglesa, chamada Santo André, para substituir um padre que estava indo para o seu ano sabático. Fiquei como administrador paroquial por três meses, até o padre retornar do ano sabático.

Depois, eu voltei para a paróquia portuguesa, porque o padre Sérgio retornou ao Rio para uma nova missão. Inicialmente, fiquei como administrador paroquial; depois, como pároco, e, em junho, completei exatos três anos

TF – Nesta missão, o senhor exerce outras funções além de pároco?

Padre Márcio Luiz da Costa – Sou padre missionário com uma vida diocesana. Eu celebro missas de segunda a segunda, atendo confissão, celebro casamentos, batizados, faço visitas às famílias. Tenho aqui os encontros com as Equipes de Nossa Senhora que realizo com a comunidade brasileira. Enfim, é a vida de um padre diocesano, só que em missão no Canadá.

Eu também sou reitor de uma comunidade de língua espanhola, fora da cidade, chamada Red Deer, que fica a 175 quilômetros de Edmonton. Vou uma vez por mês, sempre no último domingo, celebrar em espanhol para essa comunidade latina. Eu saio de Edmonton depois das três missas do domingo, pego a estrada – são quase duas horas de viagem até essa cidade. Às vezes, quando estou muito cansado, fico por lá, durmo e volto na segunda-feira ou também quando a neve não permite voltar. Sempre tem que ter esse cuidado, não ficar dirigindo nas estradas quando está nevando muito. No inverno, sobretudo, eu vou no domingo e volto na segunda.

TF – Qual o trabalho que o senhor desenvolve no Canadá?

Padre Márcio Luiz da Costa – O arcebispo de Edmonton nos dá o título de pároco, e, neste caso, sou o pároco da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, de língua portuguesa.

O meu trabalho aqui é cuidar dos fiéis católicos de língua portuguesa, sejam portugueses, brasileiros, africanos, e também de uma pequena comunidade canadense ou de portugueses que não falam mais o português, que são as gerações seguintes: os filhos, netos e bisnetos de portugueses que chegaram na década de 50 e 60, e que não falam mais o português. Eles participam da missa em inglês.

Portanto, é uma comunidade mista. A maioria são portugueses: 75% dos portugueses vieram dos Açores e 25% dos portugueses continentais. Depois, tem a comunidade brasileira, que tem crescido cada vez mais – um trabalho que eu iniciei aqui há um ano e meio. Já temos bastante famílias participando das celebrações, temos uma missa em português do Brasil, com o Missal e as leituras do Brasil, e também temos um coral brasileiro. Já caminhamos bastante. No ano passado, fizemos a Crisma da comunidade brasileira. Dom Roque veio celebrar, foi muito bonito.

TF – A relação entre a Arquidiocese do Rio e a Arquidiocese de Edmonton já existia?

Padre Márcio Luiz da Costa – Já existia um contrato entre as duas arquidioceses. O primeiro padre que veio foi o padre Alex Siqueira, depois veio o padre Sérgio Mafra, e eu fui o terceiro. Eu vim nessa onda, nesse contrato que já existe entre as duas arquidioceses. O Canadá enviou uma carta pedindo mais um padre e nós enviamos a resposta. Dom Orani enviou a resposta dizendo que tinha mais um padre para firmar o contrato.

TF – Pretende ficar no Canadá até quando?

Padre Márcio Luiz da Costa – É uma pergunta difícil. Eu vim por quatro anos. Quando saí do Brasil, Dom Orani me disse que era para terminar o contrato. Eu até pensei que ia ficar apenas três anos, mas ele disse que não, que são quatro anos, este é o tempo de contrato entre as arquidioceses. Ou seja, a Arquidiocese do Rio de Janeiro e a Arquidiocese de Edmonton têm contrato de 2016 a 2026.

Porém, no ano passado, em janeiro, o arcebispo de Edmonton visitou Dom Orani, e eles resolveram renovar o contrato entre as duas arquidioceses por mais dez anos. E, assim, o arcebispo de Edmonton me convidou para ficar mais tempo. Eu ainda não sei. Acredito que ficarei aqui pelo menos mais cinco anos, segundo o pedido do arcebispo. Porém, tudo depende sempre da vontade dos titulares das duas arquidioceses. No momento, Edmonton está vacante. Portanto, acredito que ficarei entre dois a cinco anos.

TF – Antes de ser padre, já tinha morado em outro país?

Padre Márcio Luiz da Costa – Eu nunca tinha pensado em morar fora, nem antes de ser padre nem como religioso, porque eu tenho muita dificuldade para comer comida diferente. Minha comida é arroz e feijão. Mas, depois dessa experiência que eu tive em Nazaré da Galileia, eu resolvi passar por cima de tudo isso e ofertar o meu sacerdócio também para a missão. Sim, ofertei meu sacerdócio para a missão. Foi um chamado particular de Deus para a minha vida.

TF – Já está adaptado ao clima e à cultura do Canadá?

Padre Márcio Luiz da Costa – Sobre a minha adaptação, eu me surpreendi comigo mesmo, porque em três meses eu já estava completamente adaptado aqui à cultura e à realidade. No início, foi um pouco estranho, porque eu fui logo enviado para uma paróquia canadense. Então, eu tive essa inserção bem ativa e forte na cultura canadense. Vi como a Igreja do Canadá, as paróquias canadenses funcionavam, o que é bem diferente do Brasil.

Claro que é um choque cultural, porque é um país muito diferente do Brasil, sobretudo o clima aqui em Alberta é bem desafiador. Não é qualquer pessoa que se adapta ao clima, sobretudo no inverno. São oito meses de frio e três meses de frio muito intenso, abaixo de -20 graus, chegando a -40º, -50º negativos. Então, isso foi mais difícil de acostumar, um frio que eu nem sabia que existia. Mas, depois do primeiro inverno, eu já estava completamente adaptado.

A cultura canadense também. Tem muitas coisas que apreciamos, que não compreendemos muito, mas há o respeito. Tudo muito natural. É um outro país, e se adaptar à cultura deles, aceitar o que é bom e respeitar aquilo que não é bom. Gosto muito daqui.

TF – E a convivência com o clero local?

Padre Márcio Luiz da Costa – Temos vários encontros aqui. Tem o Deanery, que é equivalente ao nosso vicariato no Rio de Janeiro. Temos quatro encontros por ano do vicariato, do Deanery aqui, com os padres da minha região, em Edmonton Northeast, ou Edmonton Nordeste. Fora isso, também temos dois encontros anuais do clero inteiro, que são as assembleias: uma em maio, na primavera, na cidade de Jasper — cidade que pertence à Arquidiocese de Edmonton, que fica nas montanhas, um lugar muito bonito. Ficamos lá uma semana, todos os padres reunidos.

Temos também uma meia assembleia, em novembro, que é aqui mesmo, no sul da cidade de Edmonton, com todos os padres e o arcebispo, e temos esses momentos de encontro e formação. Além do retiro do clero, em setembro, num lugar muito bonito aqui na cidade de Kananaskis.

Aqui o clero é bem diversificado. Tem muitos indianos, poloneses, coreanos, vietnamitas, chineses — assim como é a cidade: bem diversificada, com muitas culturas e muitas paróquias nacionais. Ou seja, o clero aqui vem de várias partes do mundo. É muito interessante.

TF – O senhor é carioca e está acostumado com temperaturas altas. Como foi a adaptação ao clima do Canadá?

Padre Márcio Luiz da Costa – Logicamente, como carioca, o frio daqui é muito exagerado. Apesar de eu sempre preferir o frio ao calor — porque vivendo no Rio de Janeiro, o calor sempre foi um problema para mim —, eu sempre gostei de visitar lugares mais frios. Eu vim nesta perspectiva de quem gosta do frio, mas aqui é muito. Aqui é um pouco demais para o meu gosto.

Agora, eu não consigo imaginar alguém que não gosta de frio morando aqui. Eu acho que um padre que gosta das praias e do calor do Rio de Janeiro não se adapta bem aqui. Mas, para mim, que nunca fui a uma praia no Rio de Janeiro, nunca tomei banho em Copacabana ou Ipanema, nunca liguei para isso… Agora, o frio aqui é muito. As temperaturas no inverno chegam a -40º, com sensação de -50º, -60º.

O frio intenso começa em novembro e vai até abril — e o frio mesmo, até meados de maio. Logo, são muitos dias dentro de casa sem poder sair. Eu saio quando está até -10º, -15º; depois disso, eu não consigo sair nem para fazer exercício. Quando está ventando, é terrível também, porque aumenta a sensação de frio.

Mas eu enfrento o frio aqui. Não fico só dentro de casa, não. Eu procuro fazer as coisas para não ficar muito dentro de casa, porque não é bom para a mente. Além disso, aqui também tem a questão não só do frio, mas também do tempo: amanhece muito tarde, por volta das 10h da manhã, e escurece muito cedo, por volta das 3h da tarde. Então, o dia é muito curto e é preciso cuidar muito bem da mente para não ficar depressivo.

O verão é bem tranquilo, as temperaturas ficam em torno dos 15º, 20º durante o verão. Claro, tem aquelas semanas mais quentes, que chegam a 30º, 34º… foi o máximo que eu peguei aqui. Nunca passou de 34 graus e, como é seco, a temperatura no termômetro é a temperatura que você sente. Diferente do Brasil, que às vezes está 35 graus no termômetro e, por causa da umidade, a sensação de calor é de 40º, 45º. Aqui, o que está marcando é o que sentimos. É calor, sim, sobretudo porque as casas não são adaptadas para essa época do ano; elas são adaptadas para o frio. Então, as janelas aqui são pequenas, não abrem direito, a circulação de ar é bem complicada. Mas a gente tem ar-condicionado na casa e ficamos bem no verão.

TF – O senhor sente saudades de quê, de quem?

Padre Márcio Luiz da Costa – Eu costumo dizer que sinto saudades das pessoas que deixei no Brasil: meus familiares, dos padres, dos amigos, sinto muita falta de Dom Orani. Mas do Rio de Janeiro, sinceramente, eu não sinto falta — até porque eu nunca gostei de morar no Rio, apesar de ser carioca.

Tenho saudades da comida, da nossa comida, dos temperos, do alho, das frutas que eu gosto. As frutas aqui não têm gosto de nada, parece que estamos comendo borracha. Tenho saudades de ir ao Bob’s — aqui não tem. Saudades de ir ao Santuário de Nossa Senhora Aparecida, eu ia todos os anos. Saudades do pão francês pela manhã — aqui também não tem.

TF – Qual o balanço que o senhor faz deste tempo no Canadá?

Padre Márcio Luiz da Costa – Quando Dom Roque esteve aqui, em setembro do ano passado (2024), nós partilhamos bastante. Eu revivi no Canadá, nesses três anos, uma alegria e uma realização sacerdotal que eu só tinha vivido nos inícios do meu sacerdócio. Então, eu tenho vivido de modo muito claro a plenitude da satisfação de ser padre aqui.

Porque eu sempre imaginei o meu sacerdócio numa paróquia, numa cidade pequena, no interior, e eu como pároco. Eu nunca imaginei ser padre como eu fui: colocado no centro da vida arquidiocesana, estando como secretário e cerimoniário de Dom Orani, nosso cardeal, inserido em tantas realidades muito maiores do que eu achava que podia estar. Então, o meu sacerdócio caminhou por uma realidade que eu não esperava, que eu nunca me achei apto para viver. Mas eu sempre fiz com muita alegria e fiz o melhor que pude. Dei o meu máximo. Contudo, na minha cabeça, eu sempre me imaginei como um padre de uma cidade pequena, uma comunidade pequena, sendo pároco apenas. E eu estou vivendo isso.

Depois de alguns anos de sacerdócio, eu estou vivendo isso. Então, eu penso que é, para mim, uma grande alegria. E eu vivo aqui uma alegria muito grande de servir à Igreja nesse tempo. Não sei até quando, mas, enquanto estivermos aqui, eu tenho vivido assim: muito feliz, apesar dos desafios como o clima, a solidão, estar longe da família, longe dos amigos — tudo isso são grandes desafios. Mas a felicidade de estar vivendo o sacerdócio como eu sempre quis vivê-lo me ajuda a superar os desafios e as dificuldades de cada dia.

 

Fátima Lima, jornalista

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