Homilia do padre Abimar Moraes proferida na missa de exéquias do padre Pedro Paulo Alves dos Santos, realizada na Igreja da Irmandade de São Pedro, no Rio Comprido, na manhã de 29 de maio. A missa foi presidida pelo padre Nubio Montenegro Araújo de Souza.
Caras irmãs e caros irmãos no Senhor Ressuscitado,
Cabe a mim nessa celebração das 11h a tarefa de ministrar a partilha da Palavra de Deus, nesse dia em que familiares, amigas e amigos, bispos, diáconos e nosso colégio presbiteral arquidiocesano agradecem o dom da vida do reverendíssimo padre Pedro Paulo Alves dos Santos.
Conheci o padre Pedro Paulo há quase quarenta anos, mais precisamente, no dia de sua ordenação presbiteral, isto é, aos quatorze dias do mês de setembro de 1985, Festa da Exaltação da Santa Cruz. Foi um encontro muito peculiar, pois me encontrava em nossa Catedral Metropolitana, para participar da ordenação presbiteral de um colega seu de turma. Já naquela ocasião, chamou-me a atenção, sobretudo, o número de pessoas que ali estavam em virtude de seus primeiros anos de resposta afirmativa ao chamado do Senhor, enquanto jovem, seminarista e, num brevíssimo período de tempo, como diácono.
Saí daquele primeiro encontro sem poder imaginar que nos reencontraríamos dois anos depois, em 1987, quando ele, então prefeito de Estudos do Seminário São José, foi designado para ser vigário paroquial na Paróquia Maria Mãe da Igreja e São Judas Tadeu, em Padre Miguel.
Mas sobretudo, meu padrinho de Crisma, um mestre, um mentor, um animador pastoral, um incentivador vocacional, mas sobretudo, um amigo que a fé cristã me deu. Um presbítero capaz de ouvir de mim: “Padre, aqui não há espaço para os jovens”, gargalhar de maneira irônica (o que fazia muito bem!) e mostrar o quanto ele fazia jus ao seu primeiro nome, isto é, Pedro, isto é, rocha.
Como no Evangelho que acabamos de ouvir, o nosso Pedro (Paulo) foi rocha de muito de nós, de muitas de nossas comunidades, no sentido de que ele foi pastor incumbido pelo Ressuscitado a pastorear nossas vidas, a conduzir-nos, como santo povo de Deus, ao melhor de nós. Pedro Paulo sempre soube ver e tirar o melhor de nós, sem sequer percebermos.
Penso que a celebração de hoje, de algum modo, faz acontecer o que a página do Evangelho afirma: o contraste entre a fraqueza de Pedro e a grandeza da tarefa que lhe foi confiada. Na página do Evangelho, vemos Pedro que passa a noite toda, juntamente com seus companheiros, sem conseguir nada pescar. Contudo, em atenção à palavra do Ressuscitado, ao lançar as redes ele e seus companheiros são capazes de uma pesca extraordinária. Fraqueza e grandeza do pescador aqui se entrelaçam.
Em nossa celebração, algo similar. Se por um lado o corpo de nosso irmão atesta a sua fraqueza biológica, as histórias de Pedro Paulo que cada um de nós faz memória falam da sua grandeza. Estamos aqui todos nós porque capazes de reconhecer o quanto Pedro Paulo foi, e permanecerá sendo, rocha e pastor porque tocado pela graça do Senhor Jesus.
Mesmo quando distante de meus olhos, padre Pedro Paulo foi sempre uma referência sólida para mim. Uma solidez que, desde minha juventude, aprendi a reconhecer que vinha unicamente do Senhor Ressuscitado. Para mim, e talvez para tantos de nós aqui reunidos e reunidas, Pedro Paulo foi o primeiro presbítero do qual me aproximei, por entender que ele não amava o Senhor mais do que eu, mas me estimulou a amar o Senhor juntamente com ele. Pedro Paulo me ajudou a entender que ao Senhor, nós não amamos mais que os outros, mas amamos com os outros.
Isso me permite reconhecer que o seu chamado à vida presbiteral, que estava por completar quatro décadas, veio do Ressuscitado. A inteligência única de Pedro Paulo, em certos momentos a sua clarividência, permitiu que ele vivesse as suas diversas tarefas pastorais nos convidando a, com ele, termos comunhão com o Ressuscitado.
Mesmo que, para isso, fosse preciso percorrer as estradas do Jesus terreno, ou seja, as vias do Crucificado. Talvez, por isso, ele gostasse tanto de procissão e longa.
Pedro Paulo era também um apaixonado pelo corpo bíblico-literário de João. Algumas vezes, antes mesmo de ir para a Europa se especializar, me confidenciou que gostava do “discípulo que Jesus amava”. Na página que ouvimos, ele aparece, ainda que de maneira discreta. Mais à frente em outro episódio no Quarto Evangelho, veremos como o seguimento não percorre necessariamente a via do martírio no sentido estrito. Não somente os mártires seguem a Cristo. O discípulo predileto, sob diversos aspectos apresentado como o discípulo modelo, não é um mártir. O que o qualifica é o amor, e não o amor dele ao Senhor, mas o amor do Senhor a ele. Exatamente, por isso, ele é o discípulo a quem Jesus amava e não o discípulo que amava Jesus.
Embora tenha sofrido nesses últimos anos, o Pedro Paulo que conheci não vivia uma vida “martirial”. Era jubiloso, festivo, gostava de pastel, de pudim quente. Tinha uma capacidade única de nos fazer sorrir. Em muitos momentos, ele me provocou a sorrir; me ensinou a sorrir. Fez-me compreender, como poucos, o sentido da palavra Evangelho, isto é, notícia alegre. De fato, somos discípulos e discípulas da alegre notícia: Jesus nos ama.
E é na certeza desse amor que estamos aqui para desejar a você Pedro Paulo, discípulo amado de Jesus, que descanse em paz, descanse em alegria. Entre na Jerusalém Celeste, aquela que você mesmo definiu como “a revelação e a realização adequadas do ‘sonho’ criativo de Deus. Uma cidade em que superada a barreira que agora separa a Transcendência da Imanência; nela Deus, seu Cordeiro e a Humanidade poderão conviver, amar e serem amados com o toque infinito do Amor de Deus. Uma cidade na qual todas as promessas de Deus do Antigo Testamento se encontram realizadas para além de toda a imaginação. Uma cidade da profecia cristã! Neste ponto, o leitor pressente e percebe, a partir de dentro, que a nova Jerusalém é realmente sua cidade: vale a pena atravessar o vão da precariedade do sofrimento, da luta vibrante contra o mal, de vencer as tentações insidiosas de Babilônia espalhadas no arco da história para chegar até a Jerusalém Nova […] O Cordeiro, Mestre e Protagonista da História da Salvação, após o combate com as potências do mal, obtém para a Humanidade peregrina o status de hospedagem ilimitada na Cidade-Esposa. A Jerusalém Nova, dom de Deus que desceu do céu, abrigará a todos!”.
Pedro Paulo, nessas suas palavras proféticas em um artigo de 2016, expressa, também, a nossa certeza de que a Jerusalém Nova já lhe abriga, nosso irmão e amigo querido. Muito obrigado por quem você foi e pelo que fez.
Padre Abimar Moraes, professor associado 2 da PUC-Rio, vigário paroquial do Santuário de Santa Rita, no Centro