A pintura da “A Anunciação”, de Leonardo da Vinci – (aproximadamente 1472-1475), Galeria Uffizi, Florença, Itália –, simboliza a esperança cristã e a confiança nas promessas divinas, tema central do texto. Maria, ao receber a mensagem do anjo Gabriel, representa a entrega à vontade divina, refletindo a peregrinação espiritual abordada no texto, na qual a esperança nos guia em nossa jornada de fé. A luz que envolve Maria e o anjo na pintura simboliza a esperança como um farol de luz, guiando os fiéis. Assim, a obra de Da Vinci ilustra a confiança e a perseverança na esperança, como Maria, que caminha com fé, mesmo diante da incerteza.
A Igreja nos convida, neste Ano Santo de 2025, a assumirmos o compromisso de peregrinar na esperança. Mas o que significa ser um peregrino? E o que realmente entendemos por esperança? O Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2019, p. 612) define peregrino como “aquele que vagueia por terras estrangeiras”. No entanto, peregrinar vai muito além do deslocamento físico; trata-se de um caminho espiritual, um movimento interno, impulsionado por uma esperança que não decepciona.
A esperança, segundo o Catecismo da Igreja Católica, é a ‘virtude teologal pela qual desejamos e esperamos, com confiança, a realização das promessas de Deus’ (CIC, 1817). Ela é mais do que um simples otimismo humano; é uma confiança firme nas promessas de Deus, que nos garante que, mesmo nas dificuldades, Ele estará ao nosso lado. A esperança que nos move é a de levar o amor de Deus, um amor que está em mim e pode também estar em você. É um desejo profundo de intimidade com o Senhor, alcançado pela oração, pela meditação das Escrituras e pelo exemplo dos santos. Nos momentos de dificuldade, devemos nos lembrar que nossa esperança não está neste mundo passageiro, mas na eternidade que Cristo nos conquistou.
A Sagrada Escritura nos ensina que a nossa esperança está no Senhor; ele é o nosso auxílio e o nosso escudo’ (Salmos 33,20). Essa certeza não nos isenta das dificuldades da vida, mas nos fortalece para enfrentá-las com fé. Peregrinar é caminhar com essa confiança, sabendo que, mesmo nas adversidades, Deus está presente. O Papa Bento XVI, em sua Encíclica Spe Salvi, n. 17, afirma que ‘o ser humano precisa de uma esperança maior que as meras satisfações imediatas’. Essa esperança transcende as circunstâncias e nos aponta para a vida eterna.
Peregrinar na esperança significa frequentar a escola da misericórdia e ser assíduo nesta aprendizagem. Não importa quantas pessoas cruzam nosso caminho; importa nossa disponibilidade em servir. A peregrinação também nos ensina a humildade e a confiança em Deus. Muitos santos foram peregrinos incansáveis, como São Francisco de Assis e Santa Teresa de Calcutá, que viam na caminhada uma forma de entrega total ao Senhor. O Papa Francisco nos recorda que ‘O Direito Canônico deve ser mais pastoral e missionário’, e essa chamada também se aplica à nossa caminhada pessoal de fé. Assim como a Igreja busca adaptar suas normas para acolher com misericórdia, também devemos moldar nosso coração para que reflita a esperança cristã (Portal de Notícias Oficial do Vaticano: Francisco: o Direito Canônico deve ser mais pastoral e missionário).
O caminho de peregrinação também pode ser visto no exemplo de Maria. Desde a Anunciação até a Cruz, ela trilhou um caminho de entrega total, tornando-se “peregrina da esperança” (Papa Francisco, Catequese para a Audiência Geral de 5 de março de 2020). Maria é aquela que ‘vive intimamente permeada pela Palavra de Deus’ e, assim, nos ensina a confiar em Deus mesmo quando não compreendemos Seus desígnios (Bento XVI, Encíclica Deus Caritas Est, 41). Maria, em sua peregrinação terrena, experimentou a dor da incerteza, do sofrimento e da perda. No entanto, permaneceu firme, guardando tudo no coração e confiando plenamente na promessa divina. Seu exemplo nos ensina que peregrinar na esperança também significa carregar a cruz com amor.
Além de Maria, podemos contemplar a peregrinação dos Reis Magos, que, guiados por uma estrela, viajaram de terras distantes para adorar o Menino Jesus. A jornada dos Reis Magos é um símbolo da busca pela verdade e da disposição de seguir os sinais de Deus, mesmo quando o caminho é incerto. Eles nos ensinam que a esperança nos impulsiona a sair de nossa zona de conforto e a buscar o encontro com o divino.
O mundo rejeita o peso da cruz, mas nós, cristãos, sabemos que ela é o caminho da redenção. Jesus nos ensina: ‘Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz e siga-me’ (Mateus 16,24). Quando confiamos em Deus, mesmo as tribulações se tornam oportunidades de crescimento espiritual. O Papa Francisco nos recorda que ‘não se obtém a paz, se não a esperamos’ (Mensagem para o Dia Mundial da Paz, 1º de janeiro de 2010). A paz e a esperança caminham juntas, pois quem confia no Senhor encontra serenidade mesmo em meio às tempestades.
A verdadeira peregrinação exige um constante despojamento de si mesmo para que Deus cresça em nós. É um chamado a esperar no tempo de Deus, com paciência e fé, sabendo que Ele nunca nos abandona. Como diz Santo Agostinho, Confissões, Livro I, cap. 1: ‘Nosso coração está inquieto, enquanto não repousa em Vós’. A esperança também nos impulsiona a agir. Não se trata apenas de esperar passivamente, mas de construir o Reino de Deus no dia a dia. Podemos ser instrumentos de esperança através da caridade, do perdão e da evangelização. A cada gesto de amor e acolhimento, tornamo-nos sinais vivos da esperança cristã.
A Constituição Pastoral Gaudium et Spes (78) nos lembra que a paz não é ausência de guerra, mas um estado que exige justiça e fraternidade. A esperança que cultivamos em nossos corações precisa transbordar para o mundo, levando luz àqueles que vivem nas sombras do desespero. Somos chamados a ser testemunhas dessa esperança, confiando que o bem sempre prevalecerá.
Em um mundo marcado por desafios como a polarização, crises ambientais e desigualdade social, a esperança cristã se torna um farol de luz, impulsionando-nos a agir como agentes de transformação, buscando soluções justas e fraternas. Ela se manifesta em atos concretos de bondade, iniciativas de justiça social e cuidado com o próximo, demonstrando que o amor de Deus se traduz em ações que transformam o mundo.
A esperança, a fé e a caridade são virtudes teologais que se complementam, sustentando-nos nas provações, conectando-nos com a presença de Deus e impulsionando-nos a amar o próximo. A peregrinação interior, através da oração, do silêncio e da meditação, conduz-nos a uma maior intimidade com o Senhor, fortalecendo nossa esperança e preparando-nos para a glória futura.
A esperança se manifesta de diversas formas no dia a dia, como um sorriso amigo, um gesto de perdão ou um ato de serviço. Que possamos ser portadores dessa esperança em nossos ambientes e comunidades, iluminando o mundo com a luz de Cristo.
Neste Ano Santo, sejamos peregrinos de esperança, levando a luz de Cristo ao mundo. Que possamos trilhar esse caminho com coragem, confiando na graça divina e permanecendo firmes na fé. A Igreja nos convida a sermos peregrinos que testemunham a esperança do Evangelho. Que possamos viver esse chamado com alegria e entrega, sendo luz para o mundo. Sejamos portadores da esperança cristã, conscientes de que nossa peregrinação não termina nesta terra, mas se estende à eternidade. Que Deus nos abençoe nesta jornada!
Cláudia Maurício Silva, advogada civil e doutoranda em Direito Canônico