‘Quem dizem que eu sou?’

Se tem uma passagem bonita para mim do Evangelho é quando Jesus ao ver as multidões encheu-se de compaixão por elas, porque estavam cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor (Mateus 9,36). A compaixão que Jesus nos ensina é algo que tenho pensado com muito carinho e certo desassossego, porque não é uma virtude fácil do ser humano viver.

Fico pensando… Jesus subindo e descendo de montanha, entrando e saindo de barco, curando todo tipo de doença e enfermidade, indo além dos seus limites humanos pelo outro, para o outro, por amor e compaixão porque era capaz de sentir junto com o povo cansado e abatido.

Penso: Que responsabilidade a minha de, assim como os discípulos, continuar as palavras e as ações de Jesus. Viver uma vida missionária que se desenvolve em clima de confiança, pobreza e gratuidade, comunicando o bem necessário da paz, ou seja, da plena realização da vida humana em todas as suas dimensões.

Eu como cristã também sou portadora da libertação anunciada por Jesus! A minha missão e a de qualquer seguidor de Cristo neste mundo, dirigido pelo Espírito Santo de Deus, é libertar e dar vida nova. Sim, seremos perseguidos, confundidos e até mesmo odiados, mas não podemos desistir, temos de perseverar seguros do pleno amor de Deus-Filho que nos escolheu, o Senhor e Juiz da história.

Meu Deus, mas eu tenho problemas com depressão, eu sou toda enguiçada, sou complexa, complicada demais… Tenho um coração com tantas sujeiras ainda, será que dou conta de uma missão tão grande? O próprio Mestre responde a minha pergunta no final do Capítulo 10 do Evangelho de Mateus, ao chamar seus discípulos de “pequeninos”.

Os doze apóstolos chamados para continuar a Sua palavra e ação não eram perfeitos, tinham suas falhas e seus problemas, mas Jesus se identificou com a pessoa deles, porque cada um era capaz, de mesmo imperfeito, levar ao mundo o Seu projeto. Eu também sou pequenina como eles.

Com efeito, Jesus precisa de pessoas dispostas para continuar a Sua obra. O trabalho é grande, mas Ele não quer saber o que você tem, quais sãos suas questões, seus pecados, Ele quer o seu “sim” e o seu compromisso de seguir o que Ele pede para fazer, quer que você assuma com sinceridade, lealdade e honestidade a preocupação de levar a Boa Notícia do Reino de Deus ao mundo de forma consciente.

Jesus, antes de subir aos céus, deixa para nós o mesmo poder: desalienar as pessoas e libertá-las de todos os males. Ele ensinou, anunciou o Evangelho, curou, com amor e compaixão. Devemos fazer o mesmo em Seu nome. Isso é muito sério, entende?! Eu entendi. Por isso a insistência de Jesus com o problema da hipocrisia, o coração precisa estar firme e o mais limpo possível.

Nosso Senhor não foi um demagogo que exigia aplauso, bajulação e publicidade para as suas ações. Ele foi, é e sempre será um servo de Deus, que trouxe e garantiu a todos os seres humanos a liberdade e a Salvação misericordiosa de Deus. Bem, então se Ele me chamou, se Ele te chamou, sabia o que estava fazendo!

Uma coisa que a depressão me ensinou é que cada palavra de amor e cada ato de ajuda, de compaixão, concreto servem para fazer deste mundo um lugar melhor. O Reino dos céus precisa ser agora, Jesus tem pressa. Assim, mesmo que você esteja passando pelas trevas da depressão, Ele te quer do jeito que você está.

Não caia na conversa de que depressão é falta de Jesus. Muito pelo contrário. Ele está aí junto com você, precisando do pouquinho que você pode oferecer para ajudá-Lo em Seu projeto. Uma vez eu li que há uma escritura budista que pergunta uma coisa muito interessante: “Só existe uma pessoa que veio a este mundo para ajudar os outros e aliviar-lhes o sofrimento. Quem é essa pessoa?” Não tem como ser outro senão você!

Essa escritura me lembra uma oração atribuída a Santa Teresa D’Avila que diz:

“Cristo não tem atualmente sobre a terra nenhum outro corpo senão o teu.

Nenhuma outra mão senão as tuas.

Tu és os olhos com os quais a compaixão do Cristo deve olhar o mundo.

Tu és os pés com os quais Ele deve ir fazer o bem.

Tu és as mãos com as quais Ele deve abençoar os homens de hoje.”

Claro que eu entendo que quando estamos na tempestade da dor, lutando contra a depressão principalmente, o amor e a compaixão são mais difíceis de encontrar do que água potável no deserto. Sentimos medo, raiva, pavor, julgamos, criticamos tudo, são muitos sentimentos misturados.

Se mal damos conta de amarmos a nós mesmos, como podemos acreditar que uma pessoa é capaz de nos oferecer esses sentimentos? Sentimos que fomos abandonados pelo mundo e por nós mesmos. Mas, acredite que assim como Jesus, a capacidade de amar e de se compadecer permanece no mais profundo em nós, só precisamos acessar.

Sabe, eu digo sem titubear que todas as dificuldades que podemos enfrentar durante a depressão, se confiarmos que estamos sendo amparados por Deus, pode nos ajudar a chegar a uma compreensão muito mais aprofundada da vida e, sobretudo, a uma maior compaixão pelos outros e por nós.

Penso que a compaixão nasce da compreensão mais integral de nós mesmos. Foi assim com Jesus em sua condição humana. Nosso Senhor só pode ser compassivo, porque sabia quem era.  Quando Ele pergunta: “E vocês, quem dizem que eu sou?” (Mateus 16,15) Ele sabe a resposta, quem é.

Contudo, Ele questiona os discípulos daquele tempo e a nós ainda hoje, porque Ele quer que saibamos responder também. Essa resposta é muito importante. Porque, se formos capazes de responder quem é Jesus para nós, é porque certamente podemos responder quem nós somos. Se caminharmos direitinho conforme os Seus ensinamentos, se guardamos suas palavras no coração e agirmos de acordo com elas, podemos dizer então que somos um outro Cristo.

Neste sentido, se eu sou consciente de quem eu sou e do que está acontecendo comigo, se sei que não é castigo de Deus, porque Deus é amor, se consigo ao menos perceber os sentimentos mais tenros e ternos que tenho em meu coração por mim e pelos outros, a semente da compaixão certamente crescerá em minha vida e poderá ser exercida nos meus relacionamentos e atividades.

Eu estou convencida de que Jesus nos evangelhos demonstra para nós que para ajudar os outros não precisamos de muitas cerimônias, não temos de realizar grandes feitos, basta ser quem somos e aceitar o convite do jeito que estamos.

Irmãos, na depressão a impressão que temos é que o nosso sofrimento jamais terá fim. Se não conseguimos ajudar a nós mesmos, como podemos ajudar alguém? Você pode estar pensando aí. Porém, é exatamente na depressão que o serviço aos outros deve se tornar mais importante ainda para nós. Quer se curar? Quer ter uma vida nova? Faça caridade, ajude os outros gratuitamente nas coisas mais simples.

Aprendi na prática que essa enfermidade tira a visão ampla de nós mesmos e do mundo. Reduz tudo. Mas, a busca por uma forma saudável de ajudar os outros pode sim contribuir para tirarmos o olhar do nosso umbigo, do estreito mundo do ego, onde estamos soterrados.

Eu acredito que as ressonâncias nascidas de um simples ato de amor e compaixão têm efeitos que podem permanecer para sempre, além do que o nosso conhecimento humano pode alcançar. Exatamente como aconteceu na época de Jesus.

Paz e bem!

 

Dinair Fonte

Foto: Nicolas Poussin, c. 1630. O Sacramento da Ordenação. Cristo apresentando as Chaves a São Pedro

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