São Jerônimo

“Ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo”

Celebramos no dia 30 de setembro a memória litúrgica de São Jerônimo. São Jerônimo traduziu a Sagrada Escritura do grego e do hebraico para o latim; por isso, o mês de setembro é dedicado à Palavra de Deus e encerramos esse mês celebrando a sua memória no dia 30, quando também comemoramos, no domingo anterior, o Dia da Bíblia. São Jerônimo foi presbítero e é considerado doutor da Igreja devido à sua grande relevância na história e por ter traduzido a Palavra de Deus.

Ao longo deste mês de setembro, fomos convidados a meditar diariamente a Palavra de Deus, de modo especial a Carta aos Romanos, colocando-a em destaque em nossas casas e em nossas paróquias. É claro que devemos continuar a meditar a Palavra de Deus todos os dias do ano e não apenas em setembro; precisamos torná-la o nosso alimento cotidiano. Peçamos a intercessão de São Jerônimo para que, assim como ele, sejamos inspirados pelo Espírito Santo e possamos compreender as palavras contidas na Sagrada Escritura.

São Jerônimo era exegeta, isto é, dedicou sua vida e seu ministério ao estudo da Palavra de Deus. Por isso, é o patrono de todos os exegetas e estudiosos da Sagrada Escritura. Ele não apenas traduziu a Bíblia do grego e do hebraico para o latim, mas também a estudou profundamente. Certamente, além de estudar, meditava a Palavra de Deus, pois, para meditá-la, é preciso conhecê-la e compreender aquilo que se medita.

Na verdade, todos nós podemos meditar e rezar com a Palavra, mas também devemos estudá-la para entender o que Deus deseja nos comunicar em cada texto. Para esse estudo, podemos recorrer aos sacerdotes, que se prepararam para esse serviço. Em nossas paróquias e institutos de ensino da Arquidiocese são oferecidos cursos bíblicos. E temos muitos livros e manuais que nos ajudam no aprofundamento. Neste mês tivemos vários textos para compreendermos a Carta aos Romanos.

Seria muito proveitoso se todos participássemos desses cursos, buscando compreender melhor o que a Palavra nos quer dizer. Na Sagrada Escritura está contida toda a história da salvação; a intenção última de Deus é salvar toda a humanidade. Esses cursos também nos ajudam a evitar uma leitura “fundamentalista” da Bíblia, ou seja, uma interpretação meramente literal.

A Palavra de Deus ocupa um lugar central na Igreja. Por meio dela, compreendemos toda a história da salvação e o amor de Deus por nós. A Palavra nos conduz à Eucaristia. Tanto que, quando participamos da Missa, nos sentamos à mesa da Palavra e à mesa da Eucaristia. É preciso compreender a Palavra proclamada para melhor participar da Eucaristia, como Jesus fez com os discípulos de Emaús: explicou-lhes as Escrituras até chegar a Si mesmo. Na Palavra de Deus estão contidas as alianças que Ele fez com a humanidade. Por isso, a Palavra, a exemplo da Eucaristia, tem lugar central na Igreja.

Nós, católicos, precisamos cultivar amor e estima pela Palavra de Deus e superar o estigma de que não a estudamos. Devemos, diariamente, tomar a Sagrada Escritura, ler e meditar os textos da liturgia e procurar compreender o que Deus nos comunica por meio deles, de modo especial nos Círculos Bíblicos ou grupos de reflexão, para os quais a nossa Arquidiocese tem subsídios para ajudar nessa missão.

São Jerônimo nasceu na Dalmácia, no ano de 342. Era filósofo, teólogo, retórico, gramático, dialético, historiador, exegeta e doutor da Igreja. Apesar de tantos atributos, não se envaidecia; levava vida simples e amava seus semelhantes. Uma de suas célebres frases é: “Ignorar as Escrituras é ignorar a Cristo.” A Sagrada Escritura tem seu fundamento em Jesus Cristo, o Verbo encarnado, anunciado pelos profetas no Antigo Testamento.

Após a morte dos pais e com a herança recebida, Jerônimo partiu em busca de aprofundar seus estudos. Em Roma, visitou as catacumbas, contemplando capelas e decifrando inscrições nos túmulos dos mártires. Durante essa estadia, converteu-se ao cristianismo, pois ainda não havia recebido o batismo. Certa noite, sonhou que era repreendido pelo próprio Jesus, pois se dedicava mais aos escritos pagãos do que às Escrituras. No fim de sua permanência em Roma, foi batizado.

Após a conversão, iniciou seus estudos teológicos e peregrinou à Terra Santa. Acometido por grave doença, permaneceu em Antioquia. Optando por uma vida de penitência, contemplação e silêncio, retirou-se para o deserto de Cálcida, assumindo o estilo de vida eremita, dedicado à oração.

Em 379 d.C., foi ordenado sacerdote e acompanhou o bispo Paulino a um Concílio Regional em Roma. Apresentado ao Papa Dâmaso como exegeta e profundo conhecedor das línguas bíblicas, foi escolhido por ele como secretário em 382. Recebeu a incumbência de revisar a tradução dos quatro evangelhos para o latim, trabalho concluído antes da morte do Papa, em 384.

Expulso de Roma em 385, mudou-se para Belém, onde teve contato com os textos hebraicos do Antigo Testamento. Dedicou-se então a compará-los com a versão grega e a traduzi-los para o latim. Esse trabalho durou cerca de quinze anos (390–405) e deu origem à Vulgata, ou seja, a tradução da Bíblia para a língua comum do povo. A Vulgata foi a versão oficial da Igreja até 1530, quando começaram traduções para línguas modernas.

São Jerônimo enfrentou muitas dificuldades nesse trabalho e, por isso, escreveu prefácios e comentários para explicar as passagens mais complexas. Esses textos deram origem às notas de rodapé que encontramos em muitas Bíblias atuais.

São Jerônimo faleceu em 419, sem ver a publicação completa da Vulgata, que só ocorreu posteriormente, à medida que seus textos foram reunidos e aceitos pela Igreja. Em 1592, o Papa Clemente VIII publicou a versão revisada, chamada Vulgata Clementina.

A Igreja, em homenagem a São Jerônimo, declarou-o padroeiro de todos os que se dedicam ao estudo das Sagradas Escrituras e instituiu o Dia da Bíblia em memória de sua morte. No Brasil, foi criado o mês da Bíblia.

Peçamos que São Jerônimo interceda por nós, para que, iluminados pelo Espírito Santo, possamos compreender os textos sagrados e traduzi-los para a nossa vida com o olhar da fé. Que nutramos o mesmo amor pelas Escrituras que ele teve.

 

Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.

Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

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