115 anos da Matriz de Bangu

Bangu esteve em festa, assim como há 115 anos. Mas afinal, o que ocorreu em Bangu no dia 8 de setembro de 1908? Há quem pense que este foi o dia em que o templo foi inaugurado, outros podem pensar que foi neste dia que foi celebrada a primeira Santa Missa no bairro ou ainda que uma missa no novo templo deu início à nova Freguesia de Bangu. Neste artigo, conheceremos um pouco da história da nossa querida Paróquia de São Sebastião e Santa Cecília de Bangu, e o motivo de comemorarmos o aniversário de nossa paróquia no dia 8 de setembro.

A fé católica está presente em nosso bairro antes mesmo do nome ‘Bangu’ começar a aparecer em nosso cotidiano. Podemos dizer que o devido culto divino já é prestado nestas terras antes mesmo da construção da fazenda que deu origem ao nosso bairro. Temos registros de capelas e ermida já no século XVII. A mais famosa delas foi a Capela de Nossa Senhora do Desterro, do capitão Manoel de Barcelos Domingues, que serviu de matriz de toda a região por mais de um século.

No início do século passado, depois da chegada da Fábrica de Tecidos Bangu no bairro, as celebrações aconteciam no oratório de Nossa Senhora da Conceição da Fazenda Bangu — situada na região do Rio de Prata em Bangu — e em uma acanhada capelinha de madeira. Os antigos diziam que esta capelinha era tão pequena que não cabia mais de 20 pessoas em seu interior.

Em 1904, o então arcebispo do Rio de Janeiro, Cardeal Joaquim Arcoverde, veio a Bangu ministrar o Sacramento da Crisma para alguns banguenses, e constatou a fé da população local e que a acanhada capelinha já não era suficiente para acomodar todos os fiéis daquele bairro operário.

A Fábrica de Tecidos Bangu, na pessoa do seu diretor-gerente, João Ferrer, que também era membro da Irmandade dos Gloriosos Mártires São Sebastião e Santa Cecília, autorizou o início das obras para a construção da nova igreja de Bangu. O local escolhido? O leito da vila operária: a Praça da Fé.

As informações que nos restam daquele período nos dizem que as obras começaram em 1907. O projeto e toda a parte artística do templo ficaram a cargo do genial José Villas-Boas, chefe das oficinas de gravura da Fábrica Bangu, mestre em xilografia e ex-funcionário da Casa da Moeda desde o período imperial.

Tudo o que havia de melhor no mundo foi trazido para ser posto na nova igreja. A população acompanhava minuciosamente a construção e dava-lhe importante contribuição financeira.

No início de 1908, a Companhia Progresso solicitou à Cúria Metropolitana a provisão para que se pudesse celebrar a Santa Missa numa capela provisória levantada dentro do canteiro de obras, pois tinha demolido a antiga capelinha do bairro, que estava comprometida e ameaçava ruir. O arcebispo mandou que o monsenhor Luiz Gonzaga viesse até Bangu e verificasse o estado da dita capela provisória para avaliar se procederia ou não à autorização solicitada pela Fábrica Bangu.

“Tenho de informar a V. Emª que essa Capella, devido ao seu caráter provisório, é fabricada de madeira, de pequenas dimensões, podendo comportar umas vinte pessoas mais ou menos, e está levantada no interior da Capella definitiva, que se acha em adiantado estado de construção. O altar, que é o mesmo da antiga Capelinha da Fazenda, está fixo; tem a pedra d´ara inteira e parece não ter sido violado o sepulcro das relíquias da mesma; o cálice e a patena, ainda que conservem o dourado no interior, precisam ser limpos; …” (RP 159 – Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro)

Alertado pelo estado adiantado da construção da igreja e preocupado com o bairro fabril que nascia, o Cardeal Arcoverde assinou, em 27 de agosto de 1908, o decreto de instauração do Curato de São Sebastião e Santa Cecília de Bangu e passou provisão para o cônego Victor Maria Coelho de Almeida assumir a missão de cura do bairro.

O primeiro padre, cônego Victor Coelho de Almeida, chegou ao bairro no dia do seu aniversário natalício, 8 de setembro de 1908, data esta que toda a comunidade banguense adotou como a de “fundação da paróquia de Bangu”.

Um pouco antes das 9h da manhã, toda a população aguardava na estação de trem. Ali, alunos da escola da fábrica e membros da Irmandade de São Sebastião e Santa Cecília recepcionaram o seu novo guia espiritual com uma chuva de pétalas de flores. A Rua Estevão, atual Avenida Cônego Vasconcelos, se encontrava completamente ornamentada para este evento.

Cônego Victor Maria Coelho de Almeida e monsenhor Alves, governador do arcebispado — que também viera a Bangu para ler o decreto de instauração do curato e dar posse ao primeiro padre — foram conduzidos até a sede do Casino Bangu (hoje, sede do Bangu Atlético Clube).

Às 11h, teve início a Santa Missa, celebrada na capelinha provisória sobre o altar da antiga capela da fazenda, unindo o passado ao presente numa data comemorada anualmente pelos banguenses. Monsenhor Alves leu integralmente o decreto de instauração do novo curato de São Sebastião e Santa Cecília de Bangu e deu posse ao seu primeiro padre.

Ao final da missa, foi oferecido um almoço a todos com vivas ao cônego Victor Maria Coelho de Almeida.

“Foi um dia festivo em Bangu, o 8 de setembro de 1908. Completei eu nesse dia 29 anos. O templo estava ainda em construção. Um galpãozinho de madeira, no meio de uma praça, fez as vezes de igreja matriz durante mais de dois anos. Dentro, o altar, lugar para meia dúzia de pessoas, — o restante, ao ar livre.” (Miscelâneas – Victor Coelho de Almeida).

A igreja foi inaugurada três anos após o início de sua construção. Foram três dias seguidos de festas. Para muitos, a maior festa que o bairro já havia visto até aquele dia. A fábrica suspendeu todas as suas atividades, dando total liberdade aos seus operários. Todo o bairro estava ornamentado com folhagens, bandeiras e galhardetes. O envolvimento da população foi completo.

A matriz foi devidamente sagrada no dia 7 de maio de 1910 pelo Cardeal Arcoverde, que retornara a Bangu após a visita de 1904. Seis anos antes, ministrava os sacramentos na acanhada capela de madeira; agora, inaugurava um dos mais belos templos do Rio de Janeiro.

A partir daquele momento, Bangu passava a ter uma praça da matriz, local que serviu e serve até hoje como ponto de convergência entre todos os banguenses. As maiores comemorações do bairro aconteceram sob a sombra da igreja de Bangu, de sua torre altaneira e de seus muros de tijolinhos avermelhados à inglesa.

No decorrer dos anos, houve uma linha ininterrupta de sacerdotes no bairro. Com a saída do cônego Victor para a Igreja de Santa Rita e do padre Miguel Mochón para Realengo, assumia o padre Pedro Emiliano da Frota Pessoa, que, após cinco anos de ministério sacerdotal, passou a paróquia ao padre Alfredo Augusto Teixeira de Vasconcelos, mais conhecido como Cônego Vasconcelos.

Cônego Vasconcelos viveu em Bangu por 12 anos, e enfrentou a pandemia da gripe espanhola lado a lado com os moradores, oferecendo assistência aos necessitados. Além disso, foi um dos colaboradores ativos no projeto do Cristo Redentor. Ele tinha um carinho especial pelos banguenses e fazia questão de estar sempre no meio do povo.

Decidiu tornar Bangu sua terra natal, e os habitantes o acolheram de braços abertos. Infelizmente, faleceu precocemente em decorrência de uma grave crise de apendicite enquanto exercia o cargo de pároco da Catedral Metropolitana. Em sua homenagem, a principal rua do bairro recebeu o seu nome.

Em 1927, a paróquia de Bangu acolheu o cônego João Cordeiro como seu líder religioso. No entanto, o sacerdote que o sucedeu no cargo se destacou na história, principalmente por ter se tornado prefeito interventor da cidade do Rio de Janeiro, durante o Estado Novo: o cônego Olimpio de Melo.

Durante sua gestão, cônego Olimpio priorizou investimentos para o bairro de Bangu.

Amigo de Getúlio Vargas, usou sua influência para atrair autoridades ao bairro – o próprio Vargas participou de uma Santa Missa na Praça da Fé. É importante notar que cônego Olimpio é reconhecido como um dos poucos prefeitos, senão o único, que administrou uma cidade usando as suas vestes sacerdotais.

Após deixar a igreja de Bangu para assumir o cargo de prefeito, cônego Olimpio passou a paróquia a um padre que é bastante lembrado e que ocupa as memórias afetivas dos moradores de Bangu: o padre Manoel Rodrigues Santa Rosa. Ele permaneceu no bairro por muitos anos e dedicou-se intensamente aos paroquianos da Matriz de São Sebastião e Santa Cecília.

Santa Rosa também lutou pela doação do terreno onde a igreja estava construída, o qual, na época, pertencia à Fábrica de Tecidos Bangu. Ele pressionou os diretores da fábrica para que doassem o terreno à Cúria Metropolitana, o que acabou acontecendo. O padre trabalhou arduamente para a expansão do espaço da igreja, o que acabou levando à perda de uma parte significativa do seu patrimônio artístico, infelizmente. Há relatos de que monsenhor Santa Rosa desmaiou ao ver o novo altar pela primeira vez e precisou ser levado às pressas para o hospital: não lhe agradara nem um pouco. É importante notar que Santa Rosa foi incansável no seu zelo pela igreja e que deixou um legado importante na história de Bangu.

Com o falecimento de monsenhor Santa Rosa, em 1971, alguns padres chegaram a Bangu. Assumiu como pároco o padre Celso José Pinto da Silva – que depois se tornaria prelado da Igreja no Brasil, chegando a arcebispo de Teresina, no Piauí. Um dos seus auxiliares era um jovem padre mineiro, de Lambari-MG, que passara um curto período em Realengo e viera para Bangu apoiar padre Celso na catequese. Mario Nogueira Filho era seu nome.

Padre Mario assumiu como pároco em 1977 e permaneceu no bairro até a sua morte. É o sacerdote que por mais tempo se dedicou a essa igreja, uma vida inteira dedicada a Bangu. Se havia algo pelo qual se orgulhava e agradecia a Deus, era pela sua participação nas festividades dos 100 anos da paróquia, em 2008.

As comemorações envolveram todo o bairro. Houve peça teatral na lona cultural, um jantar de gala na sede social do Bangu Atlético Clube, um debate histórico sobre a trajetória da paróquia, uma exposição no local mais nobre do Bangu Shopping (instalado nas dependências da antiga fábrica), um show grandioso na Praça da Fé, com direito a chuva de pétalas rosas e salva de fogos, e uma Missa Solene com o arcebispo Dom Eusébio Oscar Sheid – que, na ocasião, recebeu de presente a camisa do Bangu Atlético Clube, seu time de coração.

Padre Mario, que chegou a receber o título de monsenhor, faleceu no ano de 2020 em decorrência de complicações do novo coronavírus. Em meio à fase crítica da pandemia, sua morte foi sentida na solidão pelos seus amigos e paroquianos, que aprenderam a respeitá-lo e amá-lo.

Hoje, a Igreja de Bangu está sob o pastoreio do padre Felipe Lima, que, desde que chegou à paróquia, não mediu esforços para promover diversas obras de conservação e ampliação do templo e da casa paroquial, nunca deixando de lado a preocupação com o lado espiritual de sua comunidade e da população banguense. Sempre que possível, tem promovido atividades e celebrações “fora dos muros” do templo, como Santas Missas no calçadão de Bangu, em hospitais, asilos, colégios e uma memorável Missa de Natal na sede social do Bangu Atlético Clube. O atual pároco também promove anualmente uma corrida e caminhada pelas ruas do bairro como parte das comemorações do dia do padroeiro de Bangu — São Sebastião.

Idealizou a instauração de uma singela e acolhedora capela no centro comercial do bairro. Contando com missas diárias ao meio-dia, proporciona aos trabalhadores do bairro a possibilidade de receberem o sacramento da Eucaristia ao longo da semana – preocupação esta que, anos antes, fora experimentada pelo cônego Vasconcellos, que conseguira flexibilizar os horários de trabalho dos operários da Fábrica de Tecidos Bangu para que estes pudessem participar das missas.

Os padres da matriz sempre foram solicitados para as cerimônias solenes de inauguração dos principais estabelecimentos e benfeitorias no bairro. Podemos citar a inauguração da sede do Montepio Operário pelo cônego Vasconcellos, dos jardins da Praça de Fé pelo cônego Olimpio de Melo, da piscina do Bangu Atlético e do Estádio de Moça Bonita pelo monsenhor Santa Rosa, do Bangu Shopping e do Museu de Bangu pelo monsenhor Mario Nogueira e, recentemente, do Teatro Bangu, que recebeu a bênção inaugural do padre Felipe Lima. A religião católica sempre se fez presente nos momentos relevantes do bairro.

Em 8 de setembro, a comunidade banguense se alegrou com a visita do querido arcebispo Dom Orani João Tempesta na comemoração dos 115 anos da nossa comunidade, repetindo o gesto que a população banguense fez, há mais de um século, quando comemorou a chegada do seu primeiro pároco e a instituição do novo curato, felizes por estarem recebendo aquela grande Graça.

 

Autor: Paulo Vitor Braga da Silva – autor do livro “Fazenda Bangu: a joia do sertão carioca” (Museu de Bangu, 2020) e coautor do livro “Bangu 350 anos: a história do bairro contada pela vida de seus personagens” (Museu de Bangu, 2023).

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