Meditaremos hoje sobre a terceira catequese da Quaresma, que tem como tema a penitência. O tempo da Quaresma é marcado pela penitência e pela oração, trazendo um forte apelo para a conversão e a mudança de vida. Como formas de penitência nesse período quaresmal, podemos intensificar nossa vida de oração, realizar o jejum abstendo-nos de carne ou de outro alimento e exercitar a caridade. A penitência auxilia no nosso processo de conversão, pois, ao longo da Quaresma, somos convidados a iniciá-la de uma maneira e chegar à Páscoa de outra.
Quando pensamos em penitência, muitas vezes a associamos a algo ruim ou punitivo, no entanto, a penitência tem a finalidade de nos fazer crescer espiritualmente. Por isso, ao longo da Quaresma, somos fortemente convidados à penitência, para que possamos chegar espiritualmente mais fortalecidos à Páscoa. A penitência nos aproxima de Deus e, especialmente nesse tempo litúrgico, nos ajuda a remover tudo o que nos afasta d’Ele. Desde o Antigo Testamento, o povo de Deus praticava a penitência como forma de reparação pelos pecados cometidos, vestindo-se com sacos e cobrindo-se de cinzas. Hoje, não precisamos realizar esses gestos externos, mas devemos nos arrepender sinceramente de nossos pecados e buscar o Sacramento da Confissão.
O convite feito no início da Quaresma, na Quarta-Feira de Cinzas –“Convertei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15) –, é um chamado à penitência e ao arrependimento de nossos pecados. A imposição das cinzas sobre nossa cabeça nesse dia é um gesto penitencial que remete à prática do povo judeu no Antigo Testamento. Nossa conversão deve ser diária; todos os dias devemos pedir perdão pelos nossos pecados, intensificar nossa vida de oração e buscar estar mais próximos de Deus.
As práticas penitenciais que podemos realizar ao longo da Quaresma, além da oração, do jejum e da caridade, incluem assistir menos televisão, reduzir o uso da internet e do celular, tomar menos refrigerante, comer menos doces e, claro, abster-se de carne na Quarta-Feira de Cinzas, na Sexta-Feira Santa e nas sextas-feiras do período quaresmal. Todas essas práticas contribuem para a reparação de nossos pecados, nos aproximam de Deus e nos ajudam a dedicar mais tempo ao próximo do que a nós mesmos. Quanto mais próximos estivermos de Deus, mais fácil será nossa conversão. E, ao dedicarmos mais tempo à oração, evitamos ocupar nossa mente com distrações supérfluas. Em geral, as penitências sugeridas podem ser trocadas de acordo com a realidade de cada pessoa e cada região.
A penitência quaresmal não deve se restringir apenas à Quarta-Feira de Cinzas e à Sexta-Feira Santa, mas deve ser vivida durante todo esse tempo litúrgico, que é um período propício para buscarmos nossa salvação. A penitência é um compromisso pessoal; não podemos impor aos outros que realizem as mesmas práticas que nós, mas podemos incentivá-los a fazê-lo. Dentro de uma família, pode-se propor uma penitência comum para todos, como, por exemplo, reduzir o tempo diante da televisão e rezar mais juntos, ou diminuir o uso da internet e, nesse tempo, reunir-se para a oração e o diálogo. Contudo, se um membro da família decide abdicar do refrigerante ou do chocolate durante a Quaresma, não pode exigir que os demais façam o mesmo.
Além dessas práticas, há outras formas de penitência que podemos adotar: visitar os doentes, alimentar os que têm fome, visitar cemitérios, confessar-se regularmente e rezar pelo Papa e pela Igreja. Essas atitudes nos edificam espiritualmente, nos colocam em estado de graça e nos aproximam tanto do próximo quanto de Deus.
A penitência não deve se limitar ao tempo quaresmal; deve ser uma prática contínua ao longo de nossa vida cristã. Não devemos buscar o Sacramento da Confissão apenas na Quaresma, mas sempre que sentirmos necessidade, seja mensalmente ou a cada dois meses. Da mesma forma, podemos manter a disciplina de reduzir o tempo dedicado à televisão e à internet ao longo do ano e, se possível, praticar a abstinência de carne não apenas na Quaresma, mas também em todas as sextas-feiras do ano, como ensina a tradição da Igreja.
Para realizar uma boa confissão, é necessária uma preparação prévia. Não devemos simplesmente chegar à igreja e ir diretamente ao confessionário. Antes, é importante ir até a capela do Santíssimo Sacramento, pedir luz ao Espírito Santo e fazer um exame de consciência sincero. Durante a Quaresma, a Igreja também nos oferece a oportunidade de participar da celebração penitencial, que nos auxilia nessa preparação. Essa celebração inclui a proclamação da Palavra de Deus, o Salmo responsorial, o Evangelho e a homilia do sacerdote, além de um momento de reflexão sobre nossos pecados. No entanto, ao final da celebração, não há absolvição dos pecados; os fiéis são convidados a fazer um exame de consciência em silêncio e, depois, buscar o Sacramento da Confissão individualmente.
Após a confissão, o sacerdote sugere uma penitência, que não deve ser vista como punição, mas como um meio de reconciliação com Deus e reparação pelo pecado cometido. Além disso, ao longo do ano, podemos intensificar nossas práticas penitenciais por iniciativa própria, como aumentar o tempo de oração, realizar obras de caridade, visitar os doentes e cemitérios, e buscar constantemente a santificação da nossa vida.
Ao contrário do que alguns pensam, a penitência deve ser vista de maneira positiva e não como algo pesado ou difícil de realizar. Ela não precisa ser algo grandioso ou extremo, mas pode se manifestar em atitudes simples e cotidianas que nos ajudem a crescer espiritualmente.
A penitência é uma virtude e deve nascer do nosso coração. Não significa que precisamos nos flagelar ou nos submeter a sofrimentos físicos extremos, mas sim reconhecer nossas limitações e pecados diante de Deus. Ninguém pode afirmar que não tem pecados ou que não precisa da misericórdia divina, pois essa atitude já seria um pecado de soberba. Devemos confiar plenamente na infinita misericórdia de Deus e cultivar em nosso coração o desejo de buscar o Sacramento da Reconciliação, sempre que necessário.
A virtude da penitência também exige o desejo sincero de reparar o pecado cometido e o propósito firme de não pecar mais. Ou seja, não basta confessarmos sempre o mesmo pecado sem um real esforço de mudança. Dessa forma, a penitência tem dois aspectos fundamentais: o passado, no qual reconhecemos nossos erros e buscamos a confissão, e o futuro, no qual nos comprometemos a evitar o pecado.
Não tenhamos medo do Sacramento da Confissão! Quando nos aproximamos do sacerdote para confessar nossos pecados, ele age em nome de Cristo, acolhendo-nos com misericórdia e concedendo-nos o perdão divino.
Durante este tempo quaresmal, podemos fortalecer nossa espiritualidade e praticar a penitência, participando da Via-Sacra, especialmente nas sextas-feiras, seja em nossas paróquias ou em família. Ao meditar sobre o caminho de Jesus rumo ao Calvário, somos convidados a refletir sobre nosso próprio caminho de conversão.
Que possamos viver intensamente este tempo quaresmal, ouvindo o chamado do Senhor e buscando nossa conversão diária. São quarenta dias para refletir, mudar de vida e nos preparar para a Páscoa. A penitência deve ser uma decisão pessoal, feita por amor a Deus e não por imposição dos outros. Nossa conversão e transformação interior são individuais, e cada um de nós deve se reconciliar com o Senhor de todo o coração.
Voltemo-nos para Deus com sinceridade e confiança, e tenhamos um santo e abençoado tempo quaresmal!
Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist., arcebispo metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ