“Quinze anos, não havendo vocação, pediam antes o seminário do mundo que o de São José”. Se a essa conclusão sincera chegou Bentinho, personagem de Machado de Assis em seu célebre romance Dom Casmurro, muitos outros, porém, na vida real, encontraram seu caminho, discernindo sinceramente a vocação no quase tricentenário Seminário São José. Ao completar 283 anos de fundação, a casa de formação sacerdotal diocesana mais antiga do Brasil pode santamente se orgulhar do grande número de vocações que formou, não apenas para nossa arquidiocese, mas também para todo o Brasil e para toda a Igreja Universal. Mais de 30 bispos já saíram dentre as fileiras de alunos; dois servos de Deus – D. Othon Motta e Guido Schäffer – já compõem na pátria celeste a comunidade de ex-alunos; e esse ano, o Seminário São José teve a alegria de ver um daqueles que formou chegar ao Sacro Colégio dos Cardeais da Igreja Romana. Todas essas realidades fazem do Seminário Arquidiocesano do Rio de Janeiro um verdadeiro patrimônio da história eclesiástica brasileira, história que não acompanhou de modo passivo, mas na qual ativamente deu seu contributo.
A história do Seminário São José está impreterivelmente ligada a dois bispos: primeiro, seu fundador, D. Antônio de Guadalupe; depois, D. Sebastião Leme, que empreendeu a reabertura do seminário quando ainda bispo coadjutor do Cardeal Arcoverde, em 1924. Dois bispos, aliás, que este ano comemoram datas muito significativas.
Há 350 anos, em 27 de setembro de 1672, nascia D. Fr. Antônio de Guadalupe, na cidade portuguesa de Amarante. Filho de um desembargador, Jerônimo de Sá da Cunha, seguiu os passos do pai bacharelando-se em cânones pela Universidade de Coimbra, exercendo em seguida a função de juiz de fora na Vila de Trancoso. Ignoram-se as circunstâncias que o levaram a deixar a magistratura para em 23 de março de 1701 professar votos na Ordem dos Frades Menores. Mas se foi zeloso magistrado, mais zeloso ainda foi na vocação. Ordenado sacerdote, sua fama de orador – chegou a publicar alguns volumes de seus sermões – chegou até o rei D. João V, que em janeiro de 1722 o indicava para bispo do Rio de Janeiro, indicação confirmada, em 1725, pelo Papa Bento XIII. De todas as suas obras como bispo das terras cariocas, seu nome ficará para sempre marcado como o do fundador do primeiro seminário diocesano do Brasil. Na Bula de criação do seminário, datada de 5 de setembro de 1739, deixa transparecer sua inquietação diante do zelo pelas vocações: “Logo que principiamos a servir este bispado, trouxemos sempre no coração um ardente desejo, de que nesta cidade houvesse um Seminário…”. Na oração fúnebre, após sua morte em 1740, o cônego Manoel de Pinho Cardido, cônego Magistral do Cabido da Sé do Rio de Janeiro, expressava: “Ofereceu também a Deus as rendas do seu bispado na fundação do Seminário de São José desta cidade. E enquanto o não fundou, parece que quanto mais olhava para as suas bulas, tanto menos se considerava bispo desta diocese”. Para o bispo Guadalupe, o seu bom pastoreio dependia de edificar para seu redil uma casa para formar os seus pastores.
Em outubro de 1942, há 80 anos, portanto, falecia D. Sebastião Leme da Silveira Cintra. Seu nome quase que dispensa apresentações, tantas são as obras, não apenas a nível diocesano, mas para todo o Brasil, que dão testemunho do Cardeal Leme. Mas dentre elas a obra das vocações tem lugar especial. Foi seu zelo apostólico que, em 1924, empreendeu a reabertura do Seminário São José, fechado desde 1907. Inicialmente instalado em Paquetá, daquela primeira leva de 30 seminaristas, seis se ordenaram. Logo depois, o seminário retornou para sua antiga sede no Rio Comprido, onde as vocações continuaram crescendo, sempre ajudadas pela Obra das Vocações Sacerdotais a quem o Cardeal Leme confiara a nobre missão de pedir ao Senhor operários para a messe. Em 1936, ano do jubileu episcopal de 25 anos de D. Leme, o Seminário já contava com 96 seminaristas residentes, além de outros estudando em São Paulo e Roma.
Diante de uma história tão rica, só podemos elevar uma ação de graças ao Bom Pastor, que nunca deixa seu rebanho sem pastores que zelem pelo bem e salvação das almas. Seja em 1739, em 1924, ou em 2022, Cristo continua a completar a obra começada, suscitando não apenas corações generosos a corresponder ao chamado vocacional, mas também suscitando homens e mulheres corajosos que empreendem com ardor a obra das vocações. Formadores, diretores espirituais, religiosas, benfeitores, todos esses se deixam conduzir por Deus para que esses 282 anos se concretizem numa casa de formação que, com fidelidade à Igreja na pessoa do arcebispo e do Santo Padre, forme corações sacerdotais, conforme o Coração de Cristo manso e humilde. Celebrar o aniversário do Seminário Arquidiocesano de São José é, portanto, agradecer o dom de Deus que, se manifestando nas diversas vocações e serviços, edifica a Igreja a cada dia, respondendo sempre aos anseios mais profundos do homem em cada momento da história. Junto com o salmista, a Igreja proclama em cada momento da história humana: “Os meum adnuntiabit iustitiam tuam, tota die salutare tuum” – “Minha boca anunciará todos os dias vossa justiça e vossas graças incontáveis” (Sl 70, 15).
Eduardo Douglas Santana Silva, seminarista da configuração II