Caríssimos(as) irmãos e irmãs.
Desejo nesta mensagem fazer chegar a todos meus cordiais e sinceros votos e felicitações de feliz, santa e abençoada Páscoa do Senhor. O Domingo da Páscoa do Senhor, ou a Solenidade da Ressurreição de Cristo, é o centro de todo o ano litúrgico e ápice da trajetória da vida cristã que se constitui o auge do mistério da fé. Assim, declara o Santo Concílio Ecumênico Vaticano II que “a obra da redenção humana e da perfeita glorificação de Deus, que tem o seu prelúdio nas maravilhas divinas operadas no povo do Antigo Testamento, completou-a o Cristo Senhor, especialmente pelo Mistério Pascal de sua sagrada paixão, ressurreição dos mortos e gloriosa ascensão; por este mistério, Cristo, “morrendo, destruiu a nossa morte e, ressurgindo, deu-nos a vida”. Pois do lado de Cristo agonizante sobre a cruz nasceu o “admirável sacramento de toda a Igreja” (SC5).
O apóstolo Pedro, na primeira leitura de At 10, apresenta, pois, uma confissão de fé, resgatando a trajetória de Cristo desde a Galileia. Desde o Batismo de Nosso Senhor por meio de João Batista, até a sua gloriosa Paixão e Ressurreição, que ecoa na pregação e no testemunho daqueles que, por graça divina, foram considerados dignos de especial predileção na confirmação do que hoje celebramos em um ato de fé: a vitória de Cristo sobre a morte, a sua ressurreição!
Realçar o caráter messiânico de Cristo como ponto de partida é de singular importância no contexto em que Pedro prega e testemunha. Em meio a tanta opressão e, consequentemente, a tantos insurgentes contra o regime do Império Romano, o conceito de messias sofria de intenso descrédito. A população via-se cansada de falsos messias. Em um cenário como o do Império Romano, no qual o poder político e o poder religioso se uniam na opressão violenta e coercitiva dos povos subjugados, era comum o aparecimento de revoltosos, líderes que em uma explosão de atos revolucionários intentavam contra as instâncias do governo a fim de tomar o poder, dando novos rumos à história. Em sua grande maioria eram atos fracassados que culminavam na morte de seus mentores, afetando, assim, as forças de resistência a nível geral. Uma vez reprimidas as forças de oposição, mantinha-se sob controle a grande população, por fim desacreditada e entregue à inércia frente a qualquer ideia de redenção. Jesus, morrendo na Cruz sob forte zombaria e ultraje, acaba sendo considerado por muitos como mais um entre os fanáticos que fracassaram frente à magnitude do poder.
Pedro insiste em recapitular a história, salvaguardando o caráter real e divino de Jesus de Nazaré como o verdadeiro messias, o Cristo; verdadeiro porque não é falso como os anteriores; verdadeiro porque é, de fato, ungido, batizado, não como aqueles tantos batizados outrora por João Batista, que pelo Batismo sinalizavam publicamente a própria conversão, mas batizado, “ungido por Deus com o Espírito Santo” (At 10,3), instaurando, a partir daí o início da grande revolução: a revolução do Amor que gera vida, na contra mão das revoluções pautadas nas forças do ódio, da ganância e do desespero que geravam, ao fim, mais dor e morte.
Este mesmo messianismo de Cristo é evidenciado também por Paulo, conforme a segunda leitura de Cl 3, que apesar de não se concentrar no aspecto da unção, com raízes no Batismo, destaca a figura da nobre realeza de Cristo, com raízes na própria estrutura hierárquica de governo, na qual já não mais impera César, senão Cristo, “sentado à direita de Deus” (Cl 3,2). Recapitular a história desde essa perspectiva constitui, assim, um ato pedagógico de resgate do ânimo daqueles que já se encontram em estado de profunda aniquilação. Trata-se, pois, de um renovado restabelecimento da fé, da esperança e, sobretudo, da caridade: virtudes teologais que jamais podem faltar no itinerário do cristão que anseia e busca pelas “coisas do alto” (Cl 3,1).
Esta busca pelas coisas do alto, de que nos fala Paulo, não significa um abstrair-se da realidade à qual estamos inseridos. Antes, a busca pelas coisas do alto, motivada pelas virtudes teologais de que falamos, deve nos inserir na pluralidade dos contextos em que estamos envolvidos, para que, compreendido o caráter real e divino de Jesus enquanto Messias, possamos, como a exemplo de Pedro, atender ao envio missionário de Cristo face ao mundo em que vivemos: “pregar ao povo e testemunhar que Deus o constituiu juiz dos vivos e dos mortos.” (At 10,42). Eis a nossa missão!
A exemplo de Jesus, batizados que somos mortos para o pecado e ressuscitados para a vida nova e plena, somos chamados a andar por toda a parte, fazendo o bem e curando a todos que se encontram dominados pelo demônio, porque Deus é conosco, está no meio de nós a nos elevar da condição de miseráveis, ao posto de amigos e comensais seus no grande banquete da reconciliação, pois “todo aquele que crê em Jesus recebe, em seu nome, o perdão dos pecados” (At 10,43). Que grande graça esta a da morte que traz a vida! “Eles o mataram, pregando-O numa cruz, mas Deus O ressuscitou no terceiro dia.” (At 10,39-40).
O apóstolo Paulo afirma e nós cremos que “se Cristo não ressuscitou, vã é nossa fé. Assim seríamos também considerados falsas testemunhas de Deus, porque testemunhamos contra Ele que ressuscitou, se é verdade que os mortos não ressuscitam. Se, de fato, os mortos não ressuscitam, então Cristo também não ressuscitou” (1Cor 15,14). Chamados que somos a testemunhar a ressurreição de Cristo, a comunidade eclesial se destaca pelas iniciativas pastorais, ao enviar, sobretudo entre as casas das periferias urbanas e do interior, seus missionários, leigos ou religiosos, procurando dialogar com todos em espírito de compreensão e de dedicada caridade, e em diversos outros contextos da sociedade e do mundo em transformação, para reafirmamos pela fé que a “vida triunfa da morte, assim como a “misericórdia triunfa do juízo” (Tg 2,13).
A morte de Cristo dá frutos abundantes. E é uma interpelação a todos nós. A morte do velho homem, de nossos pecados – guerras, violências, intolerâncias –, de igual maneira frutifica em gestos de fraternidade, de solidariedade com os mais pobres e marginalizados, os migrantes, as famílias violentadas das periferias ou do campo que precisam sentir a proximidade também da Igreja, seja como socorro das suas necessidades mais urgentes, como também na defesa dos seus direitos e na promoção de uma sociedade fundamentada na justiça e na paz, de acordo com a vida nova que nos cabe, aquela “escondida com Cristo em Deus” (Cl 3,3). Quanto mais nos incorporamos a esta nova vida, e revestidos de glória vamos nos fortalecendo, já nos preparando para quando Cristo aparecer em seu triunfo, “onde apareceremos também nós com Ele, revestidos de glória.” (Cl 3,4).
Ao enviar esta mensagem de feliz Páscoa, queridos irmãos e irmãs, compreendo que o bispo, modelo segundo a imagem do Bom Pastor, deve estar particularmente atento em oferecer o divino bálsamo da fé, se descuidar do “pão material”, contudo, convido que assumamos, em conjunto, o compromisso de reconhecer Jesus como o único e verdadeiro Messias, fugindo aos falsos messias de nosso tempo; de sentirmos com a ‘Igreja em saída’, e viver a missão na escuta do Espírito, participando ativamente nas celebrações, nos eventos paroquiais, fortalecendo e animando nossa vida em comunidade e, assim, gradativamente, morrermos para os nossos vícios, nossos pecados, dando lugar às virtudes e aos frutos da santidade que nos é querida por Deus, para que a morte de Cristo não tenha sido em vão, para que assim possamos seguir firmes rumo à feliz Ressurreição.
Se escutarmos com o coração atento e nos abrirmos aos sinais de autenticidade que o Senhor sempre proporcionou de suas testemunhas e de si mesmo, então nós saberemos: Ele ressuscitou verdadeiramente. Ele é o Vivente. A Ele nos encomendamos na segurança de estar no caminho certo. Com Tomé, colocamos nossa mão no lado aberto do transpassado de Jesus e confessemos: Meu Senhor e meu Deus” (Jo 20,28).
Desejo, de coração, uma santa e abençoada Páscoa para todos. Jesus ilumine a nossa vida com a luz de sua Páscoa. O Senhor Ressuscitou verdadeiramente, aleluia, aleluia, aleluia!
Cardeal Orani João Tempesta, O. Cist., arcebispo metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ