Solene Vigília Pascal da Ressurreição do Senhor

“Não vos assusteis!” (Mc 16,6)

 

Celebramos no Sábado Santo a grande Vigília Pascal, com essa celebração, chegamos ao cume do Tríduo Pascal iniciado na última Quinta-Feira Santa. O Tríduo Pascal perpassa todo o mistério da paixão, morte e ressurreição de Jesus. Da Quinta-feira Santa até essa celebração é uma verdadeira unidade litúrgica.

É de extrema importância que todos os católicos participem do Tríduo Pascal, pois ao longo do Tríduo Pascal está o mistério central da nossa fé. Aliás, seria salutar que todos os católicos pudessem participar da Semana Santa toda, que tem seu início no Domingo de Ramos e termina no Domingo de Páscoa.

Na Vigília, o Círio Pascal é abençoado, renovamos as nossas promessas batismais na liturgia batismal. O itinerário quaresmal nos convida a renascer para uma vida nova na Páscoa. Com a celebração da Páscoa temos a certeza através da fé de que como Cristo ressuscitou, nós também ressuscitaremos.

A Vigília Pascal deve ser celebrada após o entardecer do sábado e concluída antes do amanhecer do domingo. Essa é a intenção da Vigília, até porque o Senhor ressuscitou na madrugada do domingo. É celebrada durante a noite porque tem o sentido de que o Senhor vem para iluminar as trevas do pecado, e com sua luz vem nos dar vida nova.

A Vigília Pascal traz uma série de significados especiais que ajudam a alimentar a nossa fé. A Vigília começa do lado de fora da Igreja e acontece a bênção do fogo novo. O Círio Pascal é abençoado e aceso nesse fogo novo. O Círio Pascal representa o próprio Cristo, e o fogo novo, que é abençoado e aceso, significa a Luz de Cristo, e nós devemos refletir essa luz a quem encontrarmos. Por isso, cada fiel acende a vela que trouxe para a celebração no Círio Pascal, representando que a luz de Cristo deve ser difundida. A semelhança do que acontece no Batismo, quando recebemos de nossos padrinhos a vela acesa no Círio Pascal, e somos convidados a ser luz e irradiá-la aos outros.  Após acenderem as velas no Círio, todos são convidados a entrarem em procissão na igreja. O padre ou o diácono entram por último e, conforme entram na igreja, dizem por três vezes: “Eis a luz de Cristo”. Os fiéis respondem: “Demos graças a Deus”.

Após a entrada do Círio Pascal na igreja, acontece a “Proclamação da Páscoa”, ou seja, a proclamação da ressurreição do Senhor. Nesse momento acende-se as luzes da igreja, pois o “mundo todo estava sob a escuridão”. Esse cântico faz uma breve passagem histórica por toda a Sagrada Escritura até chegar em Jesus. É uma noite mil vezes feliz, como diz a própria proclamação da Páscoa. A ressurreição de Jesus significa que a luz venceu as trevas, e Ele vem para iluminar as nossas trevas. Somos convidados a ressuscitar com Cristo e sair das trevas.

O Círio Pascal é abençoado e aceso nessa noite Santa e permanecerá aceso em todas as celebrações até o Domingo de Pentecostes. São cinquenta dias em que viveremos as alegrias da ressurreição. Após Pentecostes, o Círio só será aceso nas celebrações de Crisma, primeira Eucaristia, batizados e funerais. O Círio significa ainda a vida nova em Cristo, somos mergulhados nas águas do batismo e ressurgimos novas criaturas.

Após a entrada do Círio Pascal e a proclamação solene da Páscoa, acontece a segunda parte dessa missa, que é a liturgia da Palavra. Os fiéis são convidados a apagarem as suas velas e guardarem, elas serão acesas em outro momento da celebração, na renovação das promessas do batismo.

Nessa noite são proclamadas nove leituras, contando com o Evangelho, pois retrata toda a história da salvação até a ressurreição de Jesus. A Páscoa cristã advém da Páscoa judaica, as duas estão intimamente ligadas. A Páscoa judaica significa a passagem da escravidão para a liberdade, ou seja, recorda quando o povo judeu foi liberto por Deus da escravidão do Egito até chegar à terra prometida. E a Páscoa cristã significa a passagem da morte para a vida, recordando a ressurreição de Cristo. Por esse motivo, proclamam-se as nove leituras, perpassando por toda a história do povo judeu até a ressurreição de nosso Senhor. Somos lembrados que não devemos ser escravos do pecado e que almejamos a vida eterna. Essas leituras retratam como o pecado entrou no mundo, por meio de Adão e Eva, e como fomos resgatados do pecado por meio de Jesus Cristo, que para nós é o novo Adão.

Após cada leitura, é proclamado um salmo responsorial que está intimamente ligado com aquela leitura e com o mistério celebrado nessa noite. Após o salmo, tem uma oração convidando os fiéis a viverem de forma intensa esse momento. Após a sétima leitura, canta-se o hino de louvor, que foi omitido durante todo o tempo quaresmal. Após o Glória, iniciam-se as leituras do novo testamento, que é uma carta de Paulo, e o evangelho da noite. Durante o Glória, tocam-se os sinos da igreja e os fiéis são chamados a cantar com grande alegria, pois Cristo ressuscitou. Antes do Evangelho, volta solene a aclamação do Aleluia que foi omitido durante toda a Quaresma.

A primeira leitura desta Vigília é do livro do Gênesis (Gn 1,1-2,2), nessa leitura vemos como o Senhor criou o universo em seis dias e no sétimo descansou de tudo o que fez. E como ele criou Adão e Eva e os colocou no paraíso. Vemos que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança.

O Salmo responsorial é o 103(104), nos diz em seu refrão: “Enviai, Vosso Espírito Senhor, e da terra toda face renovai”. O Senhor criou o universo por meio do sopro do Espírito Criador.

A segunda leitura, também tirada do Livro de Gênesis (Gn 22,1-18), mostra como Abraão foi fiel a Deus, e o Senhor promete a Abraão que tornaria a sua descendência maior do que as estrelas. Que possamos ser obedientes a Deus e ouvir a sua voz, antes de tomarmos alguma decisão. O Salmo responsorial referente a essa leitura é o Salmo 15(16), que diz que o nosso refúgio e proteção é o Senhor, mesmo nos momentos de dificuldade e quando estamos diante do pecado o nosso refúgio e proteção é o Senhor. Estar perto do Senhor é uma grande alegria, conforme estamos contagiados por essa alegria na noite de hoje.

A terceira leitura, tirada do livro do Êxodo (Ex 14,15-15,1), mostra como Deus, por intermédio de Moisés, liberta o povo que sofria a escravidão no Egito, e assim passa o povo da escravidão para a liberdade. Um dos significados da Páscoa é a passagem da escravidão para a liberdade, depois a partir da ressurreição de Jesus, tem um novo significado que é a passagem da morte para a vida.  A resposta a esta leitura é o cântico, extraído do livro do Êxodo (15), exaltando o Senhor pelas maravilhas que fez ao povo de Deus, é uma ação de graças.

A quarta leitura, tirada do livro do profeta Isaías (Is 54,5-14), nos fala da aliança que Deus fez com o seu povo, que é uma aliança eterna, que se perpetuaria por todo o sempre. É como uma aliança de casamento, apesar da infidelidade do povo, Deus permanece fiel. O Senhor promete nunca abandonar o seu povo e concretiza a aliança com o envio de seu filho. O salmo de resposta referente a essa leitura é o 29(30), que nos diz que o Senhor perdoa todas as nossas transgressões e infidelidades, basta confiarmos em Sua graça.

Na quinta leitura, também extraída de Isaías (Is 55,1-11), o Senhor chama para ficar com Ele, para se deliciar do banquete que Ele oferecerá a todos nós. Nos dias de hoje, esse banquete é a Eucaristia, na eternidade nos sentaremos todos à mesa ao lado d’Ele. O banquete é para todos sem exclusão, de raça, cor ou classe social. A resposta para essa leitura é o cântico de Isaías (12), nos fala justamente da alegria de beber do manancial da salvação, que somente Deus pode nos proporcionar.

A sexta leitura, extraída do livro do profeta Baruc (Br 3,9-15,32-4,4), o profeta alerta a todo o povo de Israel para eles confiarem somente no Deus verdadeiro, ou seja, naquele que os libertou da terra do Egito e fez aliança com eles. Somente Ele tem Palavras de Vida eterna.

O salmo de resposta para essa leitura é o 18(19), que justamente diz em seu refrão: “Senhor, tens palavras de vida eterna”. A lei do Senhor Deus é perfeita, e os preceitos que estão nela descritos não são pesados demais para seguir. Devemos confiar somente em Deus e só Ele pode nos salvar.

A sétima leitura é extraída do livro do Profeta Ezequiel (Ez 36,16-17a.18-28), o Senhor alerta o povo para não adorarem deuses falsos, ou seja, não adorarem bezerros de ouro ou imagens de madeira. Somente Ele é o Deus que fez um pacto com eles, e eles não devem romper esse pacto. O Senhor colocará dentro de cada um coração novo, e os purificará de todo o pecado. O salmo de resposta para essa leitura é o 41 (42), que nos diz em seu refrão: “A minha alma tem sede de Deus”. Devemos sempre desejar esse Deus vivo, que nos fala por meio da sua palavra e nos alimenta por meio da Eucaristia. Somente Ele poderá nos salvar e nenhum outro.

A oitava leitura é proclamada após o cântico do Glória, para fazer uma ligação do Antigo com o Novo Testamento. É a leitura da Carta de São Paulo aos Romanos (Rm 6,3-11). Paulo diz que por meio do batismo nos tornamos pessoas novas, e se Cristo morreu para nos libertar e é em nome d’Ele que somos batizados, por meio do batismo venceremos o pecado e nos tornaremos novos homens e mulheres. O salmo de resposta para essa leitura é o 117 (118), que é a “aclamação ao Evangelho”.

O evangelho é de Marcos (Mc 16,1-7), esse evangelho narra que, após o sábado, ou seja, no primeiro dia da semana, o dia da ressurreição do Senhor, que todos nós conhecemos pelo domingo, Maria Madalena e Maria (mãe de Tiago) foram ao túmulo para ver o corpo de Jesus. No caminho iam discutindo quem rolaria a Pedra, pois de fato a pedra era muito pesada. Quando chegaram, observaram que a pedra havia sido removida e começaram a se perguntar quem haveria removido. Elas entram no túmulo e veem um moço sentado, vestido de branco. Ele diz a elas que não se assustem, pois o Senhor havia ressuscitado como havia dito. Esse jovem diz que elas fossem encontrar com os outros discípulos para contar a notícia, e que se dirigissem a Galileia, pois lá o veriam onde tinha iniciada a sua missão.

A missão não termina, mas Jesus delega essa missão aos discípulos e deixa que o Espírito Santo os conduza. A partir do envio dos discípulos, inicia-se a igreja primitiva.

Sejamos como as mulheres do Evangelho de hoje, saiamos correndo e anunciemos a todos que o Senhor ressuscitou. Quem sabe já ao final da missa de hoje, amanhã ou nos dias que sucedem a Páscoa, anunciemos para quem ficou em casa, no nosso trabalho, escola e comunidade, que o Senhor ressuscitou. Ele vive, venceu a morte e está no meio de nós. Celebraremos ao longo de cinquenta dias a Páscoa da ressurreição, e essa alegria que a ressurreição nos traz não pode ficar apenas em um dia, mas deve se estender.

Após as leituras e homilia, acontece a terceira parte dessa grande Vigília Pascal que é a Liturgia Batismal, primeiro se faz a ladainha de todos os Santos, depois se benze a água nova, na qual serão batizados os novos membros da igreja. O Círio Pascal é mergulhado três vezes nessa água. Nesse momento, também se renovam as promessas do Batismo com as velas acesas em nossas mãos, renunciando ao pecado e afirmando nossa fé em Deus. Em seguida, essa água, que foi benzida, é aspergida sobre todos os presentes.

Após a Liturgia Batismal, segue o rito eucarístico e a missa continua como de costume. Após a oração final, tem a grande bênção final da Vigília Pascal. Recebamos essa bênção da mesma forma que os discípulos receberam o envio de Jesus ressuscitado. Que possamos sair renovados dessa vigília Pascal, cheios do Espírito Santo, e por cinquenta dias celebrar as alegrias da Páscoa.

 

Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.

Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

Categorias
Categorias