Sexta-Feira Santa

A sexta-feira não é considerada pela liturgia como dia de luto e de pranto, mas dia de amorosa contemplação do sacrifício cruento de Jesus, fonte da nossa salvação. Nesse dia, a Igreja não faz um funeral, mas celebra a morte vitoriosa do Senhor. Por isso, fala de “bem-aventurada” e “gloriosa” paixão. A Ação Litúrgica da tarde da Sexta-Seira Santa divide-se em três partes: 1 – Liturgia da Palavra (com a proclamação da Paixão segundo João), 2 – Adoração da cruz (concluindo com a grande Oração Universal) e 3 – A comunhão (consagrada no dia anterior). Como a Eucaristia não é celebrada, o altar estará inteiramente desnudado: sem cruz, sem velas e sem toalhas.

Na primeira leitura – retirada de Is 52,13-15; 53,1-12 –, o singular personagem tem uma origem humilde e ignorada pelo mundo, mas trata-se de um broto previsto e pré-ordenado por Deus, que cresce diante de seus olhos. As características do servo do Senhor são humilhação e feiura. O servo do Senhor não está nessa condição por causa de pecados pessoais, mas por uma pena ou sofrimento. Ele é inocente e sofre por causa das iniquidades dos outros: “Era o nosso sofrimento que ele levava sobre si, eram as nossas dores que ele carregava, um homem ferido por Deus e humilhado. Mas ele estava sendo transpassado por causa de nossas revoltas, esmagado por nossos crimes. Caiu sobre ele o castigo que nos deixaria quites; e por suas feridas é que veio a cura para nós” (vv.4-5).

Na segunda leitura – Hb 4,14-16;5,7-9 – temos o texto da carta aos Hebreus, que determina que a figura do “Servo do Senhor” não somente cumpre-se em Cristo, mas é também o “sumo sacerdote”, a quem devemos toda a nossa fidelidade e confiança. O autor da carta aos Hebreus acentua a obediência de Cristo que, “embora sendo Filho de Deus, aprendeu a ser obediente através de seus sofrimentos” (5,8), e a sua “oração” ao Pai para obter a plena atuação da sua vontade salvífica: “Durante a sua vida na terra, Cristo fez orações e súplicas a Deus, em voz alta e com lágrimas, ao Deus que o podia salvar da morte. E Deus o escutou, porque ele foi submisso” (v.7).

No Evangelho – Jo 18,1-19,42 – na contemplação joanina da paixão e da Cruz, diferentes temas se fundem em uma nova síntese de grande riqueza teológica: a hora de Jesus, a sua nova síntese de grande riqueza teológica: a hora de Jesus, a sua exaltação régia, a reunião na unidade dos dispersos filhos de Deus.

Podemos destacar dois traços significativos de Jesus durante a paixão: a sua completa liberdade e a sua perfeita consciência. Jesus realiza a obra da Salvação não como vítima imponente e resignada, mas na atitude soberana de quem conhece o sentido dos acontecimentos e os aceita livremente. Com esta visão joanina do sacrifício pascal, a liturgia da Sexta-Feira Santa quer nos ajudar a compreender os sinais da divindade e da glória de Cristo, atendo-se mais a esse aspecto do que à descrição do seu sofrimento humano.

Devemos também notar que João dá um influxo da morte de Cristo sobre a vida da Igreja: o caráter sacerdotal desta morte (estamos assim ligados ao texto da segunda leitura); o seu prolongamento sacramental na água e no sangue; a sua íntima ligação com o dom do Espírito e com o nascimento, representada por João e Maria. Por isso, deve-se sublinhar a particular transmissão do evangelista sobre a presença de Maria ao pé da cruz.

Neste dia, temos as preces dirigidas nas seguintes ordens: 1) pela Santa Igreja; 2) pelo Papa; 3) por todas as ordens sacras e por todos os fiéis; 4) pelos catecúmenos; 5) pela unidade dos cristãos; 6) pelos judeus; 7) pelos não cristãos; 8) por aqueles que não creem em Deus; 9) pelos governantes; 10) pelos atribulados.

O rito da apresentação e da Adoração da Cruz nasce como ato consequente à proclamação da paixão de Cristo. A Igreja ergue o sinal da vitória do Senhor, como que para concretizar nesse gesto a realização da sua palavra: “Quando vocês levantarem o Filho do Homem, saberão que Eu sou” (Jo 8,28); “Quando eu for levantado da terra, atrairei todos a mim” (Jo 12,32). O rito quer, portanto, significar esse aspecto vitorioso e triunfal do escândalo da Cruz: “Eis o madeiro da cruz, no qual foi suspenso Cristo, Salvador do mundo”. A assembleia prostrada canta: “Vinde, adoremos”.

A comunhão é dada ao povo. Esta Eucaristia fora consagrada na Quinta-Feira Santa (na Missa de Lava-Pés e Instituição da Eucaristia). Recordo que a Sexta-Feira Santa é o único dia do ano em que não se celebra a missa, e sim ação litúrgica como dita acima. A celebração encerra com a oração do presidente sobre o povo: “Deus onipotente e eterno que renovastes o mundo com a gloriosa morte e ressurreição do vosso Cristo, conservai em nós a obra da vossa misericórdia, a fim de que a participação neste grande mistério nos consagre para sempre ao vosso serviço”. Assim, ainda prossegue o presidente: “Ó Pai, desça a vossa bênção sobre este povo que comemorou a morte do vosso Filho na esperança de ressuscitar com Ele; venha o perdão e a consolação, aumente a fé, cresça a certeza na redenção eterna”.

A eficácia da Paixão não tem fim. Vem inundado constantemente o mundo de paz, de graça, de perdão, de felicidade nas almas, de salvação. A redenção realizada uma vez por Cristo aplica-se a cada homem, com a cooperação da sua liberdade. Cada um de nós pode dizer de verdade: O Filho de Deus amou-me e entregou-se por mim.

 

Orani João, Cardeal Tempesta, O. Cist.

Arcebispo Metropolitano de São Sebastião do Rio de Janeiro, RJ

 

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